Conversa de café sobre alienígenas em Gliese 667Cc

O sis­tema de Gliese 667 (Ilustração: ESO/M. Kornmesser)

O sis­tema de Gliese 667 visto a par­tir do pla­neta 667Cd (Ilustração: ESO/M. Kornmesser)

Estamos to­dos aqui sen­ta­dos na es­pla­nada do res­tau­rante de Douglas Adams e o as­sunto é a des­co­berta de três super-Terras na zona ha­bi­tá­vel do sis­tema Gliese 667C.

O me­lhor é co­me­çar pri­meiro pe­las cer­ve­ji­nhas e os tremoços.

«A cer­veja pode não ser cer­veja, pode ser um lí­quido que en­gane os sen­ti­dos», avisa o en­ge­nheiro Pedro Cotrim, au­tor de vá­rios li­vros de di­vul­ga­ção ci­en­tí­fica. Bebe um go­li­nho à cau­tela, mas pa­rece fi­car sa­tis­feito com os re­sul­ta­dos da ex­pe­ri­ên­cia. «No que diz res­peito à cer­veja, sou um tipo di­fí­cil de en­ga­nar

A cer­veja é au­tên­tica e três sóis erguem-se di­ante de nós nos céus do pla­neta Gliese 667Cc, um dos sete do sis­tema (falta con­fir­mar a exis­tên­cia do sé­timo, mas é muito pro­vá­vel que exista) e uma das três super-Terras que os as­tró­no­mos des­co­bri­ram – não sei o que vo­cês pen­sam so­bre o as­sunto, mas con­tem­plar um sis­tema tri­plo numa pai­sa­gem se­mi­de­sér­tica ex­tra­ter­res­tre é um pre­texto tão bom como qual­quer ou­tro para mo­lhar a garganta.

Neste sí­tio tão lon­gín­quo todo o cui­dado é pouco — pode ha­ver gente es­qui­sita de ou­tras ga­lá­xias a co­mer no res­tau­rante. Abstenho-me de pe­dir o car­dá­pio por­que te­nho um estô­mago im­pres­si­o­ná­vel e es­tou pronto a ju­rar a pé jun­tos que o car­bono é pre­ju­di­cial ao co­les­te­rol ali­e­ní­gena. Alguns ET’s po­de­rão es­tar en­fras­ca­dos. Já os ima­gino a apon­tar para nós, di­zendo «George Lucas» em voz alta e de­sa­tando a rir.

Somos «es­tra­nhos numa terra es­tra­nha», como di­ria Robert Heinlein, e não co­nhe­ce­mos a cli­en­tela da es­pla­nada em Gliese 667Cc. Podemos até apa­nhar uma be­be­deira como eles, mas nada de ex­cla­mar triun­fal­mente «a noite ainda é uma cri­ança» por­que os hi­po­té­ti­cos cli­en­tes que vi­vem no he­mis­fé­rio per­pe­tu­a­mente no­turno do pla­neta po­dem pen­sar que es­ta­mos a go­zar com eles.

Cheers! A ima­gi­na­ção é o com­bus­tí­vel mais po­de­roso que existe e os lu­ga­res aonde nos con­duz po­dem ser aco­lhe­do­res como ber­ços ou in­qui­e­tan­tes como bu­ra­cos ne­gros. O res­tau­rante não fica no fim do Universo, como o do ge­nial Douglas Adams, mas ainda as­sim é bas­tante dis­tante: 22 anos-luz da Terra.

Vinte e dois anos-luz é uma coisa ir­ri­só­ria no grande es­quema cós­mico das dis­tân­cias, mas não deixa de ser um nú­mero tramado.

Se er­guer a mi­nha ca­neca de cer­veja para brin­dar com o as­tro­bió­logo Carlos Oliveira à saúde das ama­zo­nas su­e­cas de Aldebaran-4, o meu gesto e a ca­neca se­rão ob­ser­va­dos ao mesmo tempo pe­los ou­tros ob­ser­va­do­res na mesa – é as­sim a tre­menda ve­lo­ci­dade da luz, real e ilu­só­ria, ca­paz de pren­der ao pre­sente ges­tos que já per­ten­cem ao passado.

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Um pouco de de­pres­são cós­mica só para dar mais ambiente

Enquanto Carlos Oliveira vai pen­sando na me­lhor ma­neira de apa­nhar um au­to­carro es­pa­cial para Aldebaran-4, ou­tro ci­en­tista con­si­dera a ve­lo­ci­dade da nave mais rá­pida cons­truída pelo ho­mem – a Voyager 1 – e faz as con­tas: «18 qui­ló­me­tros por se­gundo. A essa ve­lo­ci­dade, para per­cor­rer 22 anos-luz, se­riam ne­ces­sá­rios mais de 366 mil anos», ex­plica Ricardo Cardoso Reis, do nú­cleo de di­vul­ga­ção do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto.

«Se usar­mos a ve­lo­ci­dade de 50 km por se­gundo do mo­tor ió­nico que apre­goa a maior ve­lo­ci­dade, o VASIMR», pros­se­gue Ricardo, «ainda as­sim de­mo­ra­ria (sem con­tar com o tempo de ace­le­ra­ção e de­sa­ce­le­ra­ção), pouco me­nos de 132 mil anos a fa­zer 22 anos-luz. Ah, e quero ca­ra­cóis a acom­pa­nhar a im­pe­rial

Caracóis? Com cer­teza. Cento e trinta e dois mil anos? Estes já cus­tam a en­go­lir. Mesmo na es­pla­nada de Douglas Adams é um nú­mero im­pres­si­o­nante. Há 132 mil anos a Humanidade ainda an­dava en­tu­si­as­mada a go­zar o úl­timo grito da tec­no­lo­gia: a fo­gueira. Coisa de hips­ters friorentos.

Se o te­les­có­pio de uma ci­vi­li­za­ção ex­tra­ter­res­tre a 150 mil anos-luz de dis­tân­cia cap­tar a luz de um ho­mi­ní­deo al­gu­res em Zhoukoudian, uma al­deia chi­nesa 50 qui­ló­me­tros a su­deste do que é hoje Pequim, po­derá tes­te­mu­nhar a des­co­berta do fogo – mas nada sa­berá so­bre as nos­sas na­ves ma­ra­vi­lho­sa­mente pri­mi­ti­vas e o que já con­se­gui­mos ob­ser­var com as nos­sas lu­ne­tas cósmicas.

Bem sei que a com­pa­nhia é boa, as pai­sa­gens des­lum­bran­tes e a cer­veja por conta da casa, mas es­tes cál­cu­los deixam-me de­pri­mido: não me fa­lem em oce­a­nos cós­mi­cos e dispensem-me as ana­lo­gias com os gran­des des­co­bri­do­res do pas­sado, por favor.

Aqueles aven­tu­rei­ros não ca­mi­nha­ram na di­re­ção dos seus na­vios em câmara-lenta. Quanto tempo de­mo­ra­ria Fernão Magalhães a circum-navegar o globo se ele e as suas naus fos­sem mi­lha­res de ve­zes mais lentos?

«A ve­lo­ci­dade vec­to­rial da Voyager é de cerca de 0.006% da ve­lo­ci­dade da luz. E se­ria para um fly-by, pas­sar por aqui du­rante uns três dias e zar­par dis­pa­rada em frente, e muito mais de­pressa» — re­força o fí­sico Manuel Rosa Martins, sem qual­quer pre­o­cu­pa­ção com a forma como a cer­veja me cai mal quando penso na nossa in­sig­ni­fi­cân­cia cós­mica. – «Para tra­var e fa­zer um voo or­bi­tal do sis­tema de­mo­ra­ria mais do que o do­bro do tempo».

«Fui con­fir­mar à pá­gina da Voyager Interstellar Mission», con­ti­nua Ricardo Cardoso Reis, ci­ente de que na es­pla­nada de Douglas Adams as li­ga­ções sem rede não só têm bom si­nal como são in­te­res­te­la­res. «Segundo o que lá está, a Voyager está a ‘es­ca­par’ do Sistema Solar a 3,6 uni­da­des as­tro­nó­mi­cas por ano, ou seja, cerca de 538,5 milhões km por ano. Portanto, para fa­zer 22 anos-luz (cerca de 2×10^14 km) pre­cisa de mais de 386 mil anos».

Carlos Oliveira re­sume a pro­ble­má­tica numa única frase: «É bué da longe».

Eis uma vi­são da Humanidade, con­tem­plando as es­tre­las como uma cri­ança in­ca­paz de al­can­çar uma gu­lo­seima na pra­te­leira de cima. Acabámos de des­co­brir três super-Terras, acha­mos que po­de­rão ter con­di­ções pro­pí­cias ao sur­gi­mento da vida mas não po­de­mos con­fir­mar pes­so­al­mente as nos­sas sus­pei­tas – a não ser que es­te­ja­mos a be­ber umas cer­ve­jo­las à saúde do Douglas Adams.

Super-Terras, já agora, são pla­ne­tas enor­mes – não têm mais massa do que Úrano ou Neptuno, por exem­plo, mas pos­suem mais do que a Terra.

Estarem na cha­mada zona ha­bi­tá­vel da es­trela — onde a água pode exis­tir em es­tado lí­quido à su­per­fí­cie — é uma cir­cuns­tân­cia pro­mis­sora, mas não sig­ni­fica que exista vida. No nosso sis­tema so­lar, Vénus está no li­mite mais in­fe­rior dessa zona e Marte no li­mite ex­te­rior, e to­dos sa­bem que o pri­meiro é uma es­pé­cie de pan­queca vul­câ­nica ina­bi­tá­vel e o se­gundo um de­serto seco e frio — ameno para um es­quimó, mas pouco hos­pi­ta­leiro para uma es­cola de samba.

Isaac Asimov

Isaac Asimov

Quando a noite de­saba so­bre as nos­sas cabeças

Uma ca­rac­te­rís­tica co­mum aos três pla­ne­tas fez-me lem­brar um li­vro de fic­ção ci­en­tí­fica es­crito a meias por Isaac Asimov e Robert Silverberg, Anoitecer, ba­se­ado num conto do pri­meiro pu­bli­cado em 1941.

A ca­rac­te­rís­tica a que me re­firo é o facto de qual­quer um des­ses três pla­ne­tas apre­sen­tar sem­pre a mesma face vol­tada para a es­trela, o que sig­ni­fica que os seus dias e os seus anos têm a mesma du­ra­ção e num lado do pla­neta é sem­pre dia e no ou­tro sem­pre noite.

Que me­lhor oca­sião para ima­gi­nar­mos vida ex­tra­ter­res­tre do que es­tar­mos numa es­pla­nada mon­tada num des­ses bi­zar­ros cor­pos cósmicos?

A bió­loga Diana Barbosa co­meça por dei­tar água na fer­vura es­pe­cu­la­tiva: «É quase im­pos­sí­vel con­je­tu­rar como será a vida nou­tro pla­neta. Na Terra te­mos o que se de­signa por ‘vida ba­se­ada em car­bono’. Noutro pla­neta pode ser di­fe­rente. Ainda que pu­desse ser ‘vida como a da Terra’, as con­di­ções am­bi­en­tais se­riam tão di­fe­ren­tes que a evo­lu­ção te­ria um rumo tam­bém com­ple­ta­mente di­fe­rente».

Na no­vela Anoitecer, o pla­neta fic­tí­cio tem seis sóis e a ci­vi­li­za­ção que o ha­bita nunca co­nhe­ceu o cre­pús­culo, quanto mais a noite cer­rada. Nunca pre­ci­sou de in­ven­tar lâm­pa­das ou qual­quer ou­tro sis­tema de ilu­mi­na­ção, por­que sem­pre ob­teve toda a luz de que necessita.

Asimov lembrou-se de es­cre­ver o conto quando o edi­tor da Astounding Science Fiction lhe mos­trou uma ques­tão lan­çada pelo fi­ló­sofo Ralph Waldo Emerson: «Que acon­te­ce­ria se ti­vés­se­mos 2050 anos de dia e só en­tão noite?»

Asimov de­ci­diu res­pon­der com uma das me­lho­res his­tó­rias de FC al­guma vez es­cri­tas. Quando pela pri­meira vez em 2000 anos se dá um ali­nha­mento que mer­gu­lha o pla­neta na mais cer­rada es­cu­ri­dão, sem sóis no céu e com as es­tre­las vi­sí­veis pela pri­meira vez, a ci­vi­li­za­ção fica à beira do caos e da lou­cura, di­vi­dida en­tre o fa­na­tismo re­li­gi­oso e o ra­ci­o­na­lismo dos cientistas.

Que tipo de ci­vi­li­za­ção ex­tra­ter­res­tre po­de­ria emer­gir numa super-Terra per­pe­tu­a­mente di­vi­dida en­tre a noite e o dia? A vida se­ria, se­quer, possível?

O pri­meiro a fi­lo­so­far é Paulo Palma Ramos, en­ge­nheiro de soft­ware: «Não será a vida ape­nas uma de­sig­na­ção para fe­nó­me­nos quí­mi­cos com­ple­xos? A in­te­li­gên­cia hu­mana sur­giu quando pri­ma­tas frá­geis au­men­ta­ram a ca­pa­ci­dade de ino­var para re­sol­ver pro­ble­mas de so­bre­vi­vên­cia e pro­ble­mas ge­ra­dos pela pró­pria fan­ta­sia.»

«Gostamos de criar pro­ble­mas para os re­sol­ver» — con­clui Paulo Ramos, não sendo claro desta vez se es­tava a referir-se a vida ex­tra­ter­res­tre, sis­te­mas Windows ou se Ecrã Azul da Morte e pro­ble­mas de so­bre­vi­vên­cia têm, para ele, o mesmo significado.

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Um bi­lhete para Aldebaran-4 a quem es­pe­cu­lar mais

«Por que não exis­ti­rem ci­vi­li­za­ções dis­tin­tas, uma diurna e ou­tra no­turna?» — Pergunta a jor­na­lista Maria João Pratt en­quanto bebe um co­pi­nho de vi­nho branco fres­qui­nho para es­pan­tar o tri­plo ca­lor nos céus. — «Com ca­rac­te­rís­ti­cas quí­mi­cas se­me­lhan­tes (com base em car­bono, si­lí­cio, ar­sé­nio, o que qui­se­rem) e até mesmo fí­si­cas. Apresentariam di­fe­ren­ças adap­ta­ti­vas, por causa do am­bi­ente em que vi­vem: os que vi­vem na lu­mi­no­si­dade, de­pen­dem da vi­são; os que vi­vem na es­cu­ri­dão, te­rão ou­tros sen­ti­dos apu­ra­dos.»

«A exis­tir vida fora da Terra é mais pro­vá­vel que seja ba­se­ada em car­bono do que nou­tra coisa qual­quer, pelo sim­ples facto de o car­bono ter sido cri­ado pri­meiro do que ou­tros ele­men­tos com pro­pri­e­da­des se­me­lhan­tes, como o si­lí­cio» — in­ter­vém Marco Filipe, Mestrado em Biotecnologia para as Ciências da Saúde. «A vida ba­se­ada em car­bono já teve muito mais tempo para evo­luir do que a hi­po­té­tica vida ba­se­ada em si­lí­cio.»

O as­tro­bió­logo Carlos Oliveira sa­code a pa­la­vra ci­vi­li­za­ções como se fosse uma da­que­las mos­cas que nos azu­crina os pi­que­ni­ques na dis­tante Terra. «Mas por que raio se pensa logo em ci­vi­li­za­ções? É um con­ceito bas­tante an­tro­po­cên­trico

«Mas não me cho­ca­ria exis­tir vida nes­sas con­di­ções, tal como existe aqui na Terra em am­bi­en­tes sem luz ne­nhuma e vida em am­bi­ente onde existe 24 ho­ras de Sol. E por­que não um tipo de vida e in­te­li­gên­cia que não con­se­gui­ría­mos se­quer clas­si­fi­car ou re­co­nhe­cer como in­te­li­gente ou mesmo como vida, à se­me­lhança do que su­cede no ro­mance Solaris, do Stanislaw Lem?»

Carlos Oliveira refere-se ao oce­ano in­te­li­gente do pla­neta Solaris – aca­bou de as­so­biar uma can­ção de fic­ção ci­en­tí­fica muito agra­dá­vel aos meus ouvidos.

O ali­e­ní­gena in­te­rage de forma in­di­reta com os ci­en­tis­tas que o ten­tam es­tu­dar. A um de­les faz sur­gir um amor per­dido: a mu­lher fa­le­cida há muito, agora uma ré­plica per­feita cri­ada pelo oce­ano, es­pe­lho da sua pró­pria me­mó­ria mas imor­tal e auto-consciente, do­tada de uma força e re­sis­tên­cia sobre-humanas.

Essas ré­pli­cas têm um pro­pó­sito be­nigno ou ma­ligno? Essa ques­tão faz se­quer sen­tido? Qual a sua fi­na­li­dade? A res­posta não se en­con­tra ao al­cance da mo­ral hu­mana — e é essa au­sên­cia de res­posta com sen­tido ético que, pouco a pouco, vai en­lou­que­cendo toda a tripulação.

Vá lá que neste pla­neta diurno po­de­mos di­va­gar e per­der tempo à von­tade que não há re­ceio que se faça tarde – ou noite, neste caso.

Marco Filipe faz si­nal para eu es­que­cer os ad­mi­rá­veis mun­dos fic­tí­cios de Stanislaw Lem por­que ainda há umas quan­tas de­cla­ra­ções re­le­van­tes que se po­dem acres­cen­tar. «A vida no­turna, isto é, sem luz so­lar, é pos­sí­vel, atra­vés de ou­tras for­mas al­ter­na­ti­vas de ob­ten­ção de ener­gia: a vida te­ria de basear-se em qui­mi­os­sín­tese e não em fo­tos­sín­tese– sendo a pri­meira muito me­nos efi­ci­ente do que a úl­tima. Acho du­vi­doso que dê ori­gem a ci­vi­li­za­ções», con­si­dera.

«Contudo, pode dar-se o caso de es­pé­cies mais com­ple­xas que evo­luí­ram no lado ex­posto ao Sol mi­gra­rem mais tarde para o lado no­turno, adaptando-se e vi­vendo de or­ga­nis­mos mais sim­ples que pra­ti­cam qui­mi­os­sín­tese, da mesma forma que ver­mes e ca­ran­gue­jos mi­gra­ram para as fon­tes hi­dro­ter­mais para se ali­men­ta­rem de bac­té­rias.»

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Flutuações quân­ti­cas

«E li­mi­ta­mos a vida à bi­oquí­mica», pa­rece queixar-se Paulo Palma Ramos. «Não po­derá exis­tir vida em pro­ces­sos quân­ti­cos ou em plasma su­per­quente?»

«E por­que não se­res mi­nús­cu­los e in­te­li­gen­tes a vi­ver den­tro de um ser vivo?» — per­gunta o fí­sico José Gonçalves, que es­teve todo este tempo en­tre­tido com ama­zo­nas ima­gi­ná­rias e só agora se lem­brou da tertúlia.

«Tu tens se­res mi­nús­cu­los a vi­ver den­tro de ti. Imensos até», ex­plica Carlos Oliveira, com o copo cheio de ce­vada pe­da­gó­gica. «E há de­fi­ni­ções de in­te­li­gên­cia que en­tram den­tro da­quilo que po­des con­si­de­rar como in­te­li­gen­tes.»

«E se o ví­rus for um uni­verso den­tro de um or­ga­nismo?» — de­sa­fia Cláudio Tereso, ou­tro in­for­má­tico que vai ga­nhando ca­be­los bran­cos à conta de tanto me­xer em lin­gua­gens de pro­gra­ma­ção como o SQL e em fra­meworks como o ASP.NET. — «Melhor! E se o or­ga­nismo for um uni­verso den­tro de um ví­rus?»

«E se o Universo for um ví­rus den­tro de um or­ga­nismo…» — con­tra­põe José Gonçalves. –  «Os bu­ra­cos ne­gros se­riam os an­ti­cor­pos.»

«Eu sou gaja» — es­cla­rece Maria João Pratt en­quanto sa­bo­reia umas gam­bas ao alhi­nho, muito ra­ras nesta re­gião da ga­lá­xia. «Vou mais para uma ver­são ga­lác­tica do Romeu e Julieta. Um tipo da es­cu­ri­dão apaixona-se por uma tipa da cla­ri­dade.»

Estão a ver o que pode acon­te­cer quando a cer­veja cir­cula li­vre­mente em Gliese 667Cc — vi­nho branco, no caso da Maria João? Adivinharam, flu­tu­a­ções quân­ti­cas: tanto se pode con­ver­sar como des­con­ver­sar e nin­guém con­se­gue pre­ver qual dos es­ta­dos pre­va­le­cerá. Felizmente te­mos aqui um ca­va­lheiro na mesa que co­loca esta malta toda na ordem:

«Falta abor­dar um ponto im­por­tante», re­corda Pedro Cotrim. «A vida pre­cisa de um su­porte lí­quido. Os su­por­tes só­li­dos não per­mi­tem mo­vi­mento às mo­lé­cu­las – às gran­des mo­lé­cu­las, en­tão, nem se fala. Os flui­dos ga­so­sos tam­bém não ser­vem como am­bi­ente de gé­nese de vida: vo­la­ti­li­dade e falta de su­porte. Para mim, a vida tem sem­pre que apa­re­cer num meio aquoso e nin­guém me con­se­gue con­ven­cer do con­trá­rio.»

Com ou sem ver­mes ex­tra­ter­res­tres num meio am­bi­ente aquoso, este pla­neta é um mundo es­pan­toso: três sóis bri­lham no céu, mas só o mais fraco – uma es­trela de classe M, uma anã ver­me­lha com pouco mais de 1,4 por cento da lu­mi­no­si­dade do nosso sol – está su­fi­ci­en­te­mente perto para fa­zer a di­fe­rença. As res­tan­tes duas, es­tre­las de classe K, duas anãs la­ranja, são mai­o­res mas encontram-se mais longe: vis­tas da­qui, pa­re­cem dois sal­pi­cos ex­ce­ci­o­nal­mente bri­lhan­tes, in­tru­sas da noite que bri­lha­riam na Terra com a mag­ni­tude de duas luas cheias.

«O sé­timo exo­pla­neta foi con­fir­mado por­que ti­nha que es­tar ali para o sis­tema ter es­ta­bi­li­dade or­bi­tal de longo prazo», ex­plica Manuel Rosa Martins. «Isso e ser uma M-anã de baixa massa in­dica que o sis­tema pode ser ve­lhi­nho, ter cerca de 10 mil mi­lhões de anos».

É a pri­meira vez que des­co­bri­mos três pla­ne­tas na zona ha­bi­tá­vel, o que sig­ni­fica que do­ra­vante os as­tró­no­mos po­de­rão pro­cu­rar pla­ne­tas ha­bi­tá­veis numa única es­trela na es­pe­rança de des­co­brir vá­rios, como acon­tece aqui, em vez de ras­trear dez es­tre­las à pro­cura de um único.

Independentemente do que pos­sa­mos vir a des­co­brir em Marte, no pro­vá­vel oce­ano sub­ter­râ­neo da lua Europa ou nos exo­pla­ne­tas con­si­de­ra­dos ha­bi­tá­veis, a vida emerge à mí­nima opor­tu­ni­dade e nem pre­ci­sa­mos de per­cor­rer im­pos­si­bi­liões de qui­ló­me­tros para des­co­brir as mais bizarras:

«Os ex­tre­mó­fi­los, se­res vi­vos aqui mesmo no nosso ponto azul claro, vi­vem em con­di­ções há uns anos con­si­de­ra­das com­ple­ta­mente im­pos­sí­veis para a exis­tên­cia de vida», lem­bra Ricardo Cardoso Reis. «Por exem­plo, ao largo da costa dos Açores existe uma fauna ex­tre­ma­mente rica à volta das fon­tes hi­dro­ter­mais, ou seja, se­res vi­vos que pros­pe­ram a tem­pe­ra­tu­ras de 400 graus num meio cheio de en­xo­fre».

Um brinde à vida, en­tão – que flo­resça em paz, aqui e em to­dos os pla­ne­tas do Universo.

Crédito: PHL @ UPR Arecibo

As 3 Super-Terras potencialmente habitáveis (Ilustração: PHL@UPR Arecibo)

8 comentários

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  1. Espectacular! mesmo! que pena que cheguei tarde!! 🙁 espectaculo!!! 🙂

    • Sérgio Martins on 04/07/2013 at 18:49
    • Responder

    Muito muito bom!
    Tema actual, com uma dualidade inseparável entre ciência e humor.

    P.S.: A minha parte favorita foi “Há 132 mil anos a Humanidade ainda an­dava en­tu­si­as­mada a go­zar o úl­timo grito da tec­no­lo­gia: a fo­gueira.”. Uma pessoa imagina logo os Homens da altura a comportarem-se como os actuais, quando é lançado um novo telemóvel, totalmente revolucionário na sua tecnologia. Toda a gente quer saber mais, comprar e é a santa loucura. É a Tamagochi-mania. 🙂

    • Rubens Sayegh on 04/07/2013 at 15:06
    • Responder

    Onde se diz “‘…a es­ca­par’ do Sistema Solar a 3,6 uni­da­des as­tro­nó­mi­cas por ano, ou seja, cerca de 538,5 mil km por ano.”, deve-se ler “538,5 MILHÕES de km por ano. “

    1. Corrigido. Obrigado 😉

    2. Pois isso foi uma gralha e não um erro, acontece.
      O Ricardo não viu que queria escrever milhões e escreveu mil, eu não vi que ele escreveu mil e o Carlos Oliveira também não. É daquelas coisas. Obrigado Rubens.

  2. Está muito boa a história. Adorei ler!

  3. Brilhante…

  4. Os meus agradecimentos ao pessoal que aceitou participar na brincadeira. As suas declarações foram feitas com a maior das seriedades – bem, tirando a fase mais “quântica” da conversa – embora soubessem (ou presumissem, tendo em conta o meu historial ;)) que o contexto iria ser sempre leve e descontraído.

  1. […] 581, Gliese 581d (aqui), Gliese 581g (notícia), Gliese 667Cc (descoberta, arte, habitabilidade, conversa, 3 planetas), Gliese 163c, GJ 1214b (atmosfera de água), Kepler-186f, HD 189733b, KOI-500, […]

  2. […] Mas o as­tró­nomo ita­li­ano tam­bém gos­tava de «es­pe­cu­lar» – de­sig­na­ção mais eru­dita do ve­lho ato de «dar à pa­lheta» e que por ve­zes cos­tuma re­sul­tar em mo­men­tos bem pas­sa­dos. Por mais ci­en­ti­fi­ca­mente inó­cua que seja a con­versa, é quase sem­pre di­ver­tido. […]

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