Em finais do século XIX, muitos eram os físicos que pensavam que o “trabalho” deles estava a chegar ao fim, pois a maioria dos fenómenos físicos observados eram compreendidos através de leis bem definidas. Faltava apenas um ou outro ponto que tinha que ser limado, para que a Física ficasse completa, ou seja, usando as leis desta conseguir-se-ia prever o comportamento de qualquer sistema. (Diz-se que um aluno teria perguntado a Lord Kelvin o que estudar em Física, e este aconselhou-o a mudar de área, pois esta estava quase “arrumada”.)
Felizmente estavam a ser demasiado optimistas. Esses “pequenos pontos por laminar” vieram trazer à luz toda uma Física revolucionária que nos mostrava o quanto ainda estávamos longe de ter compreendido tudo. Surge então no princípio do século XX duas grandes novas teorias a explorar os limites das escalas conhecidas: a escala do muito grande pela Relatividade e a escala do muito pequeno pela Mecânica Quântica.
Um dos problemas sem solução nos finais do século XIX era o problema do corpo negro (que não irei detalhar aqui). Planck resolveu este problema introduzindo um conceito completamente novo em Física: a energia envolvida neste problema estava quantificada. Ainda assim, não foi Planck que descobriu que este “comportamento da energia” acontecia do mesmo modo com a luz (embora seja afirmado isso em muita literatura), tal apenas foi descoberto por Albert Einstein, como referi no artigo do Efeito Fotoeléctrico.
O efeito fotoeléctrico mais o efeito Compton vieram assegurar que a luz se comportava como partícula, o que implicava que a luz tinha um comportamento dual, pois os fenómenos ondulatórios desta também já eram conhecidos. (Mais sobre o assunto no post do Carácter Dual da Luz e Matéria.)
Este é um dos primeiros resultados quânticos – perceber que tudo o que conhecemos que é constituído por partículas, se pode comportar como uma onda. Como compreender isto? Bem, é contra a nossa intuição, mas devemos notar que a nossa intuição apenas assimila até uma dada escala – fenómenos quânticos não fazem parte desta escala, portanto não podemos esperar que o que pensamos ser lógico se aplique neste novo mundo. Fazendo os cálculos constata-se facilmente que a uma escala “normal” para nós não faz sentido pensar numa qualquer “coisa” segundo a sua onda, no entanto, na escala dos átomos isto já não é verdade, a função de onda (expressão matemática que descreve completamente a onda de matéria) tem que ser tida em conta para descrever quer a posição, quer qualquer outra grandeza física referente à partícula.
De considerações puramente matemáticas, Heisenberg deduziu que o facto de as propriedades físicas de uma partícula serem descritas através de uma função de onda, implica necessariamente que estas grandezas estejam agrupadas duas a duas, de tal modo que a sua precisão esteja limitada nessas “intersecções”! O exemplo trivial destes pares é o caso da posição e o momento linear (produto da massa com o vector velocidade):
‘x’ refere-se à posição de uma partícula e ‘p’ ao seu respectivo momento linear. Assim, o produto entre as incertezas de cada um tem que ser maior que a constante representada (h é a constante de Planck), ou seja, a incerteza não pode ser nula, pois desse modo a condição apresentada seria impossível, por outro lado, se se pretender diminuir a incerteza de uma das grandezas, a da outra irá necessariamente aumentar! Por outras palavras: é impossível medir a posição e a velocidade de uma dada partícula num dado instante, sem que haja uma imprecisão associada a essa medida (não interessa o quão rigoroso seja o instrumento de medida).
Einstein não gostava deste princípio, talvez por ele representar uma grande limitação para a Física, portanto, propôs uma experiência (genial) para contrariar o Princípio da Incerteza:
Poder-se-ia fazer um sistema de duas partículas exactamente simétricas, quer em posição, quer em velocidade em relação a um dado referencial (com massas iguais); assim se medíssemos a posição de uma partícula, saberíamos exactamente a posição da outra por questões de simetria, e de igual modo para a velocidade. Deste modo, o Princípio seria vencido, pois poderíamos determinar com precisão infinita tanto a posição quanto o momento linear, usando apenas o auxílio de uma partícula suplementar (ou seja, media-se uma grandeza numa das partículas, e a outra grandeza na outra partícula – supostamente as imprecisões deveriam ser independentes). Incrivelmente o Princípio de Heisenberg sobreviveu a esta experiência: ao se medir a posição de uma das partículas, o momento linear não era apenas alterado nessa partícula, mas também na sua simétrica!! Este é de resto o princípio que está por de trás do teletransporte quântico – notar que o transporte deste tipo de “informação” não se faz à velocidade da luz, mas sim instantaneamente! (Na verdade não é considerada informação, devido a pormenores que podem ficar para outro artigo. Caso fosse informação, a teoria da Relatividade era violada, o que não é o caso.)
Numa outra linha de investigação, Schrodinger desenvolveu a equação que ficou conhecida pelo seu nome – Equação de Schrodinger:
Em que:
- – constante de Planck;
- – massa da partícula;
- – função de onda;
- – energia potencial;
- – energia total;
- – vector posição;
- – laplaciano, ou seja, a segunda derivada na posição.
Embora a função de onda descreva em si todo o sistema, a verdade é que a função em si não tem qualquer significado físico. No entanto, determinou-se que o seu quadrado (multiplicação por si própria) define a probabilidade de encontrar a partícula em questão numa dada posição.
Quem for mais dado à matemática poderá compreender que implicações bastante interessantes advêm destes factos.
Deixando, no entanto, a matemática um pouco de lado, resolvendo a equação de Schrodinger surge mais uma solução que contradiz todo o senso comum: tomando o exemplo de uma partícula com uma dada energia E, que tenta ultrapassar uma barreira de energia (potencial) V, seria de esperar que se V>E, a partícula não poderia passar (fazendo o paralelo com o mundo “real”, imaginem que disparam um tiro contra uma parede: a bala só irá atravessar a parede se tiver energia suficiente para a atravessar), no entanto, no mundo quântico isso não é verdade, existe realmente uma probabilidade não nula de haver passagem (este é o fenómeno que está na base do funcionamento dos microscópios electrónicos de varrimento, por exemplo). Este é o chamado efeito de túnel. Reparem, se vivessem num mundo quântico, atravessar uma parede ou mandar-lhe uma cabeçada, seria meramente uma questão de probabilidades!
As implicações desta nova conceptualização do mundo teve consequências profundas na nossa forma de encarar o universo: nem sempre tudo é como parece ser; com mudança de escala, o senso comum pode não ser aplicável!
A nanotecnologia (tecnologia à escala nanométrica – um milhão de vezes inferior ao milímetro) ainda é uma área de investigação jovem, não obstante, grandes inventos já foram produzidos e muitos mais deverão surgir nos próximos anos.
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Muito interessante a matéria, sem dúvida.
Gostaria de complementar o que foi dito aqui, que o “Princípio de Heisenberg sobreviveu a esta experiência: ao se medir a posição de uma das partículas, o momento linear não era apenas alterado nessa partícula, mas também na sua simétrica”, com uma condição muito importante: isto ocorre, desde que haja um “entrelaçamento (ou emaranhamento) quântico” entre as duas partículas, caso contrário nada aconteceria com a outra partícula.
E imagino que um “emaranhamento quântico” não seja tão trivial nem natural assim – ou é? Afinal, na prática como se consegue fazer um emaranhamento quântico?
O entrelaçamento (ou emaranhamento) quântico talvez pudesse ser considerado algo que transporte as duas (ou pelo menos uma das) partículas para uma outra dimensão ou universo quântico, diferente do nosso macro-universo, onde este evento fantasma possa ocorrer naturalmente, ao contrário daqui no mundo real (vamos dizer assim)?
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Olá Ronaldo,
Sim, eu não quis introduzir mais jargão técnico no artigo, mas nessa parte estou de facto a falar de “entanglement”. Para se criar o tal sistema exactamente simétrico que refiro, tal só é possível, que eu saiba, caso as partículas sejam “geradas” de forma correlacionada, o que implica que a forma de preparar o sistema exija que o produto esteja “entrelaçado”. O problema normalmente é manter esse estado sem o destruir.
Um método tradicional consiste em criar fotões correlacionadas na sua polarização:
https://en.wikipedia.org/wiki/Spontaneous_parametric_down-conversion
Possa ocorrer “naturalmente”? Nós não precisamos de outro universo para que as coisas que se passem no nosso sejam “naturais”. Tudo o que observamos é o “natural”, ainda que o nosso conhecimento incompleto da natureza nos possa por vezes fazer pensar que algo observado não é “natural”.
Cumprimentos,
Marinho
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