Nem tudo o que é natural é bom…

O slogan inerente aos produtos naturais é que se é natural então é porque é bom, e se tem “feito artificialmente” então é porque tem químicos nocivos.
Mas todos sabemos que isto é mentira.

Tudo tem químicos, seja natural ou artificial. Os elementos químicos e as reacções químicas estão em todo o lado.
Por outro lado, mesmo aquilo que é natural pode ser nocivo e até mortal: veneno de cobra é natural; vírus mortais são naturais; elementos radioactivos são naturais; etc. Também se sabe que se não modificarmos quimicamente aquilo que algumas plantas nos poderão dar, então morreremos se as “comermos ao natural”.

Da mesma forma, é uma falácia assumir que por ser aplicado há muitos séculos na Ásia então tem que ser bom. O “conhecimento milenar” é uma falácia/treta se não for estudado devidamente.

Daí ser importante um artigo como este no jornal Público:

aristoloquias

“Extracto de planta medicinal é mais cancerígeno do que o tabaco.

Se toma ervas medicinais, sabe exactamente o que contêm esses produtos? As aristolóquias, plantas trepadeiras que até há alguns anos eram usadas como ervas medicinais, têm uma substância que causa cancro nos rins.

O ácido aristolóquico, extracto de plantas medicinais que há muitos séculos têm sido usadas na China para tratar a artrite reumatóide e outras inflamações, é mais cancerígeno do que o tabaco. Neste caso, provoca cancro do trato urinário, alertam dois estudos publicados nesta quarta-feira na revista Science Translational Medicine.

Este ácido presente em diversas espécies de aristolóquias já é bem conhecido pelos efeitos nocivos que provoca nos rins, podendo provocar tanto a falência destes órgãos como cancro.

(…)

Os cientistas sabem há alguns anos que o ácido aristolóquico provoca mutações genéticas, que podem conduzir ao cancro no trato urinário. Os seus efeitos tóxicos e carcinogénicos tornaram-se evidentes na década de 1990, quando a administração de Aristolochia fangchi a 1800 mulheres na Bélgica, como tratamento para reduzir o peso, resultou em mais de 100 casos de falências renais.

Entretanto, nos Balcãs descobriu-se que as aristolóquias – que cresciam espontaneamente nos campos, contaminando depois os alimentos à base de trigo – eram um carcinogéneo ambiental, provocando cancro do trato urinário. Percebeu-se que misturados nos grãos de trigo iam também sementes de Aristolochia clematitis. Ficava assim esclarecida a origem de uma misteriosa doença conhecida por nefropatia endémica dos Balcãs, descrita nos anos de 1950 e que afectava apenas os habitantes das comunidades rurais na bacia do Danúbio.

Estudos mais recentes em Taiwan vasculharam uma base de dados sobre prescrições. Resultado: entre 1997 e 2003, a cerca de um terço da população foi receitado algum produto com Aristolochia, género que inclui várias espécies desta planta trepadeira. Taiwan tem, aliás, a taxa mais alta no mundo de novos casos por ano de cancro do trato urinário superior.

(…)

Mas até agora ignorava-se a amplitude das mutações genéticas que o ácido aristolóquico é capaz de provocar. Margaret Hoang, do Hospital Johns Hopkins, e colegas sequenciaram o genoma de cancros dos rins de 19 doentes de Taiwan que estiveram expostos ao ácido aristolóquico e de outros sete doentes com cancro renal que nunca estiveram expostos a esta substância.
Desta forma, os cientistas puderam identificar especificamente as mutações genéticas desencadeadas neste cancro – concluindo que o ácido aristolóquico é responsável, em média, por 753 mutações em cada cancro analisado. Como comparação, os sete doentes que não tinham estado em contacto com o ácido aristolóquico apresentavam 91 mutações, em média.
A equipa de Margaret Hoang concluiu que este nível elevado de mutações é mais importante do que aquele que se encontra no melanoma, um cancro da pele provocado pela radiação ultravioleta, e no cancro dos pulmões provocado pelo tabaco.

A equipa de Song Ling Poon, do Centro Nacional do Cancro de Singapura, que sequenciou o genoma de cancros dos rins de nove doentes, também encontrou uma taxa elevada de mutações genéticas. Tal como a outra equipa, Song Ling Poon e os colegas consideram que essa taxa de mutações excede as do cancro dos pulmões associadas ao tabaco e as do melanoma associadas à radiação ultravioleta.

(…) a equipa de Song Ling Poon também pôde concluir que o ácido aristolóquico provoca cancro do fígado. (…)”

Artigo completo do Público, aqui.

2 comentários

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  1. O hipericão interage com determinados medicamentos para o coração e pode levar à morte. O mote “o que é natural é bom” não tem qualquer base científica, reflete isso sim o medo implícito no desconhecimento do mundo. Não importa se uma molécula é natural ou artificial, importa saber a forma como interage com os tecidos vivos. Não há nada mais natural do que a cicuta(existe por aí aos pontapés), mas se experimentar-mos a sua ingestão não ficaremos cá para contar como é.

  2. Convido os adeptos da falácia naturalista, especialmente os anti-OGM, a comerem uma bela banana selvagem intocada pela perversa artificialidade humana presente nas bananas de supermercado. Mas cuidado com os dentes: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/eb/Inside_a_wild-type_banana.jpg

    Alternativamente podem experimentar qualquer outra planta desta lista (http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_poisonous_plants) incluindo as batatas: “The concentration of glycoalkaloid in wild potatoes suffices to produce toxic effects in humans. The toxin affects the nervous system, causing headaches, diarrhea and intense digestive disturbances, cramps, weakness and confusion, and in severe cases coma and death”

  1. […] estes anúncios de curas são um crime devemo-nos insurgir contra eles. O pseudo-argumento do ser natural está na moda, assim como o vegetarianismo ou a cozinha […]

  2. […] La Evidence. Teresa Lago. Rosália Vargas. Energias Desconhecidas. Radiação. Química venenosa. Natural. Leitura a Frio. Feynman. Shermer (padrões). Definição de Ciência. Como funciona. Senso Comum. […]

  3. […] têm mais a ver com os princípios orientais de Yin e Yang, crenças milenares que como sabemos não servem para nada. Note-se que testemunhos pessoais, como são apresentados nos vídeos, não contam como […]

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