Ninguém tem dúvidas de que a linguagem científica pode ser confusa e uma potencial razão para o desinteresse generalizado sobre ciência. Por exemplo, ao ler o título de um artigo como “Disulfide bond reduction-triggered molecular hydrogels of Folic acid-Taxol conjugates” *, é compreensível que as pessoas que não trabalham nesta área não se dediquem a tentar perceber o que é que isto significa.
Contudo este artigo, assim como muitos artigos científicos, não se trata de uma descrição de algo abstrato desfazado da realidade. Na verdade, os autores do artigo descrevem uma possível via de administração do Taxol (medicamento utilizado no tratamento de alguns tumores) que aparenta vantagens significativas relativamente ao método tradicional, que é a administração por via intravenosa. Através da utilização de um tipo de gel, o medicamento pode ser melhor direcionado para os tumores que pretende combater (com redução dos efeitos secundários) e podem ser administradas doses mais elevadas do medicamento, que será libertado do gel de um modo controlado, implicando um menor número de visitas ao hospital para receber este tratamento.
Não é de esperar que toda a gente consiga perceber esta informação a partir do artigo original. Quem tem o dever de fazer a tradução da linguagem científica para a linguagem corrente, que muitas vezes exige um forte background no tema, é o jornalista de ciência.
E quem tem a ganhar com a divulgação da ciência? Se for um profissional, o jornalista será o primeiro a obter alguma vantagem em publicar um artigo. Mas o número de beneficiários prolonga-se não só ao público geral, mas também aos próprios cientistas.
Através do acesso a informação relativa ao que é feito em ciência, o público tem a oportunidade de ver aquilo em que parte do dinheiro público (cada vez menos, infelizmente) é investido. Tem a possibilidade de compreender em que medida é que o trabalho feito em laboratório se insere no “mundo real” e em que medida é que o influencia. Se tiverem a oportunidade de estar a par dos desenvolvimentos científicos, as pessoas ganharão também conhecimento sobre aquilo que funciona e aquilo que não funciona, passando a ter capacidade de se afastar das tentativas de burla baseadas numa linguagem científica despropositada ou em ciência deturpada que se têm multiplicado.
Por outro lado, os cientistas e a ciência também ganham com a divulgação de investigações desenvolvidas. Apenas quando a sociedade compreender o papel que a ciência possui no bem-estar de cada um e no aumento da qualidade de vida é que as pessoas estarão preparadas para compreender que a ciência é um tema de debate público tão importante como o futebol e as quezílias políticas.
E é apenas com debate público que os atentados contra a ciência que têm decorrido, desde o desinvestimento em investigação até às fracas condições laborais dos trabalhadores de ciência (tanto em Portugal como no mundo) deixarão de ser silenciosos. E este último ponto é importante, porque apesar de os divulgadores científicos terem também a capacidade de atrair novos estudantes para as áreas da ciência, engenharia e matemática através da descrição dos últimos e supreendentes avanços científicos, é necessário garantir que as pessoas que consideram trabalhar em ciência tenham a garantia de que se poderão dedicar efetivamente à manutenção e desenvolvimento do grande pilar da sociedade moderna que é a Ciência.
* Hidrogéis de conjugados de Taxol e Ácido Fólico desencadeados por reduções de ligações dissulfureto, em tradução livre.
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