Comunidades de cianobactérias hipolíticas vivendo na superfície de uma rocha no deserto de Mojave, nos EUA.
Crédito: NASA.
O aparecimento e evolução da vida na Terra teve, sem dúvida, um enorme impacto na evolução da química dos oceanos e da atmosfera. No entanto, a influência da biosfera no nosso planeta poderá ter sido muito mais alargada, e com implicações muito mais profundas.
Num artigo publicado recentemente na revista Planetary and Space Science, investigadores alemães mostram como os primeiros organismos moldaram a superfície terrestre ao ponto de desencadearem a formação dos primeiros grandes continentes. Usando um novo modelo numérico que relaciona a taxa de erosão continental promovida pela actividade biológica com o crescimento da área dos continentes e o estado de hidratação do manto, Dennis Höning e colegas demonstraram o papel fundamental que a biosfera teve na formação e dinâmica das placas continentais.
“Esta foi a primeira vez que a biosfera foi tida em conta em modelos de evolução do interior da Terra”, afirmou à revista New Scientist Tilman Spohn, investigador do Instituto de Investigação Planetária, em Berlim, na Alemanha, e um dos co-autores deste trabalho.
A chave deste novo modelo é a erosão promovida nas superfícies rochosas pelos organismos vivos. De acordo com os autores deste trabalho, a actividade biológica amplifica a taxa de erosão dos continentes, aumentando assim o volume de sedimentos que entram nos oceanos e, como consequência, nas regiões de convergência da crusta terrestre nas margens das placas continentais. “Pensem nos líquenes que cobrem as rochas nuas, e que providenciam um contacto contínuo entre a água e a rocha. Ou as bactérias que produzem ácidos e dissolvem as rochas”, afirma Spohn.
Neste novo modelo, os sedimentos retêm água nas camadas superficiais da crusta, impedindo a sua perda quando as placas atingem as zonas de subducção. Este processo conduz a um aumento da concentração de água no interior do manto e, consequentemente, a uma baixa viscosidade e elevada flutuabilidade das suas camadas superiores, pelo que o magma ascende e a emerge com maior facilidade na superfície da crusta, alimentando violentas erupções vulcânicas que aumentam a área das placas continentais. “Este é o principal factor que faz com que a vida aumente a taxa de formação dos continentes”, afirma Höning.
No modelo, o equilíbrio é atingido quando as taxas de destruição e de formação de crusta continental são equivalentes. No fim, os continentes ocupam cerca de 40% da superfície terrestre, um valor muito semelhante ao que actualmente observamos na Terra.
Höning e colegas aplicaram o mesmo modelo a uma Terra alternativa, sem a intervenção de seres vivos. O que descobriram foi deveras fascinante. Durante os primeiros 1,5 mil milhões de anos, a evolução geológica é muito semelhante à da Terra com biosfera. No entanto, ao fim de 2,5 mil milhões de anos, tudo começa a divergir. Apesar de nesse período emergirem as primeiras placas continentais, a hidratação do manto decresce ao ponto deste não conseguir suster o crescimento de massas continentais significativas. No final, tudo o que resta é um planeta coberto com um vasto oceano ponteado por vulcões.
Este trabalho sugere, ainda, a existência de um ponto de viragem na taxa de sedimentação, um ponto além do qual a formação de continentes é praticamente inevitável. No entanto, o modelo não permite determinar qual teria sido o nível de actividade biológica presente nos primórdios da Terra para induzir a formação das grandes massas continentais que hoje observamos.
Os processos descritos pelo novo modelo estão em consonância com as evidências indirectas de actividade biológica observadas em antigas rochas provenientes de zonas de subducção. A presença de óxidos de alumínio em rochas graníticas continentais sugere que os primeiros organismos vivos promoviam a erosão continental, produzindo sedimentos que seriam transportados até às margens das placas continentais. Tais óxidos têm origem em argilas, minerais produzidos, principalmente, pela degradação biológica de rochas.
Podem encontrar mais detalhes sobre este modelo aqui.
1 comentário
É impressionante como a vida tem a capacidade de se transformar em matéria inanimada e vice-versa.