Neste blog já publiquei um outro post sobre a Teoria das Cordas, pelo que este tem uma abordagem um pouco diferente da desse – ainda mais simples e com menos detalhe. Aqui tentarei responder a algumas das questões típicas sobre a teoria. O facto de não entrar em pormenores também se deve ao facto de eu próprio não saber muito do tema. Para terem uma ideia, é uma teoria que nunca se ensina num curso “normal” de Física, em nível de licenciatura ou mestrado. Só mesmo quem quiser fazer investigação na área é que a começa a estudar. Bom, neste caso, a razão não é apenas por ser uma teoria bastante complexa – de facto, o impasse em que ela se encontra actualmente deve-se em grande parte a isso mesmo, dado que a matemática envolvida transcende em grande medida a matemática necessária para a maioria das outras teorias físicas que existem. A razão principal é por ser uma ser teoria incompleta e, por isso, apenas uma hipótese entre outras para explicar o seu domínio de aplicação, enquanto que em cursos de Física só se aprende, como é natural, as teorias completas e confirmadas pela experiência, aquelas que não têm alternativas à altura discutíveis no mundo científico.
Passemos então às questões e respectivas respostas (as questões têm encadeamento lógico de umas para as outras). Espero que as questões sejam de facto aquelas que o leitor pretende ver respondidas. Caso não o sejam, podem propor outras em comentário.
1. Qual o objectivo dessa teoria? Procura explicar o quê?
A Teoria das Cordas é uma tentativa de explicar o funcionamento de todo o universo, quer o que ele é hoje, quer o que foi, bem como o que será, ou seja, será uma teoria que terá que explicar tudo o que aconteceu no universo (a nível cosmológico) desde o Big Bang até ao “fim dos tempos” (que não se tem a certeza que seja um Big Freeze, ou um Big Crunch, fazendo aqui um esquecimento propositado ao Big Rip). Este é pelo menos o “potencial” da teoria. Em primeira instância é uma tentativa de unificar: Teoria da Relatividade Geral com Mecânica Quântica, como alternativa ao “Modelo Padrão” (ver O Mundo das Partículas II); unificando as quatro Forças da Natureza.
2. Tanto “big” na resposta anterior. O que vem a ser tudo isso?
A Teoria do Big Bang é a teoria actualmente aceite para explicar o início do universo, que basicamente diz que todo o universo partiu de um único ponto de energia (há cerca de 13.8 mil milhões de anos atrás) e se expandiu até ao que hoje se vê. Esta teoria assenta fundamentalmente em dois factos experimentais: radiação cósmica de fundo e a observação de Hubble de que tudo se parece estar a afastar de nós. O Big Freeze, o Big Crunch e o Big Rip são as três hipóteses de como pode acabar o universo, sendo que na primeira o universo continuará a expandir-se para sempre, no segundo a expansão pára e regride, acabando numa “grande” implosão, e o terceiro (bem mais recente que as outras hipóteses) sugere algo semelhante ao primeiro, mas com a diferença que neste até os próprios átomos se irão desintegrar devido à expansão (enquanto que o Big Freeze prevê que os aglomerados de matéria se poderão manter juntos, devido à gravidade). Estas hipóteses dependem da medição de um parâmetro que curiosamente se encontra num valor tão próximo do valor crítico entre uma situação (Big Crunch) e outra (juntando o Big Freeze e o Big Rip), que é para já impossível de se ter certezas, ainda que a balança penda para o lado da segunda hipótese. (Um maior conhecimento sobre a matéria e energia negras terá certamente consequências nesta questão.)
Evolução do universo prevista pela teoria do Big Bang. A temperatura actual a que podemos encontrar o “espaço vazio” provém de um calor residual proveniente do próprio Big Bang (que é agora a radiação cósmica de fundo).
3. Voltando à Teoria das Cordas, porquê que é uma teoria tão conhecida?
Muitos dos entusiastas por Ciência têm como ídolo aquele que foi possivelmente o maior génio do século XX – Albert Einstein. Ao lerem sobre as suas descobertas, é bastante provável “tropeçarem” com o chamado «sonho de Einstein», que seria o concluir da sua teoria do Campo Unificado, algo que ele não conseguiu fazer. Essa teoria teria como objectivo criar um modelo que explicasse em simultâneo as quatro forças da natureza: força forte, força fraca, força electromagnética e força gravítica. A seguir a Einstein, muitos cientistas continuaram o seu trabalho, como é óbvio. Desse trabalho resultou, entre outras teorias, a Teoria das Cordas, que é ainda considerado por muitos a mais promissora teoria a conseguir explicar aquilo com que Einstein almejara (ainda que haja alternativas). Penso que é este um dos pontos que faz a teoria ser conhecida. Um outro ponto será com certeza o facto usar algumas premissas que parecem desconcertantes.
O cientista mais conhecido do século passado – Albert Einstein.
4. Que tipo de premissas desconcertantes são essas?
Restringindo-me apenas às mais notórias: prevê a existência de 11 dimensões, em vez das 4 que conhecemos (três espaciais e uma temporal), e assume que as unidades fundamentais deste universo são “corpos” unidimensionais – filamentos, ou como são conhecidas: cordas (daí o nome da teoria).
5. Onze dimensões?? Como é isso possível?
Na verdade é possível de duas formas: podemos ter dimensões adicionais “dobradas” a nível sub-atómico (muito abaixo da escala atómica, na verdade), de tal modo que são impossíveis de “observar”, ou então são tão grandes que nem as sentimos. Esta é fácil de compreender, pensando numa analogia de duas e três dimensões: se pensarem que vivem num mundo a duas dimensões (sobre um plano, portanto), nada se altera para vós se o plano for dobrado, mas na verdade isso indica a existência de uma outra dimensão “oculta”.
6. E isso das “cordas”, o que é e para que serve?
A “corda”, como disse, é um objecto unidimensional de tamanho extremamente reduzido (não é algo que possa ser “visto” num acelerador de partículas) e que é a unidade básica no universo. Podem existir vários tipos de cordas, com vários comprimentos, o que lhes darão propriedades diferentes, de modo a explicar a existência de todo o tipo de partículas conhecidas (quarks, por exemplo).
7. O que havia de errado com as partículas, para que viessem inventar a existência de cordas?
Primeiro, porque na Física de partículas convencional (Modelo Padrão) ainda não se encontrou uma forma de conseguir explicar o porquê de haver tantas partículas “fundamentais”, e que correm o risco de deixarem de o ser, por aparecerem outras mais “fundamentais”. Ninguém quer acreditar que o universo tenha sido de tal modo “desenhado” que haja tantos corpos distintos ao nível mais pequeno – seria de esperar algo mais “elegante”. (Talvez estejam a pensar: a Natureza é como é, não interessa o que achemos dela, temos que simplesmente ver o que ela nos diz e não considerar premissas perigosas, que nos possam afastar da verdade – isso tem lógica, mas a história da Ciência, e da Física em particular, ensina-nos algo diferente, e isso não deve ser descartado só por razões de lógica – a hipótese mais simples é muitas vezes a correcta.)
Em segundo, a Mecânica Quântica e a Relatividade Geral (a teoria do muito pequeno e a teoria do muito grande – ambas comprovadas experimentalmente) parecem não concordar uma com a outra quando têm que ser usadas em simultâneo, o que implica que uma delas esteja errada, ou que as não estejamos a usar correctamente. A introdução do conceito de corda nesta discussão pode resolver a questão (em princípio resolve mesmo, mas não entrarei nesses pormenores).
8. Quando é que a teoria é concluída?
A questão, neste momento, não é o quando, mas sim o “se”. Actualmente é impossível prever se a teoria será concluída. Aliás, mesmo que o seja, ainda se tem dúvidas se será possível comprová-la, ou não. Na verdade é uma teoria que é vista por muitos como uma perda de tempo, de dinheiro e de muito talento (muitas das melhores mentes humanas estão a investir o seu esforço numa questão que pode não ter resposta, havendo, porém, muitas outras áreas onde o sucesso seria quase garantido e as consequências para a humanidade estariam asseguradas).
Tradução: Teoria das Cordas resumida: “Acabo de ter uma grande ideia. Supõe que toda a matéria e energia é feita de pequenas “cordas” vibrantes.” – “OK. O que implicaria isso?” – “Não sei.”
12 comentários
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Excelente explicação
Só uma correção, o universo tem aproximadamente 13,7 biliões de anos de existência e na pontuação número 2 esta escrito que o universo tem 13,8 MILHÕES de anos.
Recomendo que leia novamente. A sua correcção está errada…
abraços
Author
Segundo os dados da missão Planck, o valor é 13,8 mil milhões de anos (o valor anterior era 13,7, ainda que a margem de erro contivesse o novo valor).
Faço notar que “1 milhar de milhão” em português de Portugal corresponde a “1 bilião” no português do Brasil.
Primeira vez no seu Blog, e gostei muito do post, já estou conferindo outros.
😀
Marinho, por não haver evidências das cordas e por ser extremamente complicado de ter evidências experimentalmente, cordas não estaria mais para o mundo das hipóteses do que para teoria?
Muito bom o post.
Author
Obrigado. 🙂
Se quiser pode-lhe chamar uma “teoria em hipótese”, visto ainda não ter sido verificada experimentalmente e ainda nem estar completa. Porém, é mais que uma mera hipótese, visto ela própria conter várias hipóteses e conclusões. O formalismo e desenvolvimento assemelha-se mais a uma teoria, do que a uma hipótese, pelo menos do ponto de vista matemático. Mas bom, estes conceitos são muitas vezes limitadores e um pouco subjectivos, dependendo um pouco do que se entende por “teoria” e por “hipótese”. Mais importante que qualificar as cordas como uma coisa ou outra, é entender que, como disse, ainda não pode ser verificada experimentalmente, o que a impede de certo modo de ser uma “teoria” física, e também por não estar completa, o que de algum modo acarreta falhas de coerência.
Obrigado! 🙂
Não creio que seja perda de tempo, mesmo que a teoria totalmente inválida, os esforços concentrados nela acabam evoluindo a ciência.
A teoria é “uma grande sacada” mas não explica oq seria o mais fundamental.
Que na minha opinião é uma energia, que consegue atuar como uma matéria
expliquei ela aqui => http://forum.intonses.com.br/viewtopic.php?f=77&t=147809
Author
Pois, eu também não concordo que seja uma “completa” perda de tempo, pois nesse caso, poder-se-ia ir ao extremo de afirmar que a investigação fundamental em Matemática de nada serve também. A Matemática é a única forma que conhecemos de descrever o universo, e desde sempre se tem verificado, para nosso fascínio, que mesmo teoremas que houveram sido descobertos na Matemática “pura”, tinham na realidade aplicabilidade a algo no mundo físico. Embora não seja possível verificar, poderemos até imaginar que não existe Matemática que não tenha um reflexo na natureza!… No caso desta teoria, a Matemática implicada até poderá não servir os intentos físicos pretendidos, mas quem sabe se não poderão vir a ser usados para explicar outras coisas.
De qualquer forma, já tinha respondido a isto nos comentários ao outro artigo:
http://www.astropt.org/2013/09/25/teoria-das-cordas/
Quanto às suas ideias, sem uma base Matemática coerente que as justifique, não passam de ideias soltas. Para fazer Física é absolutamente necessário dominar a Matemática, de modo a criar um modelo que permita validação experimental e coerência com todo o conhecimento já adquirido e confirmado na Ciência actual. Caso contrário não estamos a discutir Física, mas antes poesia.
… ou pior, discutir pseudociência…
Sou brasileiro e admirador deste blog. Acho muito interessante a teoria das cordas, mas isto acaba me deixando mais confuso em relação ao desconhecido.
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