Vivemos uma época em que a superstição e os fundamentalismos voltam a crescer como ervas daninhas no jardim da razão. Mas se calhar sempre foi assim. Sempre houve aqueles que se aproveitam da ignorância dos outros para lhes impingir crenças vãs, banhas da cobra milagrosas, elixires rejuvenescedores que cegam o inevitável envelhecimento. Mas, quais velas a incendiar a escuridão, a humanidade tem sido capaz de gerar mentes brilhantes que nos legam caminhos de conhecimento.
O astrónomo norte-americano Carl Sagan, exímio e elegante divulgador de ciência para todos, lutou fulgurantemente contra os “demónios” que infestam o mundo do conhecimento e que impedem que tenhamos uma consciência mais livre e esclarecida. O seu exemplo, inscrito na sua obra literária, que entre nós foi publicada pela editora Gradiva, é inspirador para o melhor que há em cada um de nós. Ao ler Carl Sagan somos despertados para a inteligência e convidados à aventura que tem como destino o conhecimento.
Vem isto muito a propósito da reedição do último livro que Carl Sagan escreveu, com o título “Biliões e Biliões – pensamentos sobre a vida e a morte no limiar do milénio”. Editado pela 1ª vez em Portugal em 1998, na colecção “Ciência Aberta”, da Gradiva, foi recentemente publicado nova edição agora com o número 10 da colecção que esta editora dedica às “Obras de Carl Sagan”. E saúda-se esta reedição que permite uma leitura cómoda e elegante desta fascinante obra.
Ao longo de 288 páginas Carl Sagan examina, com a sua inconfundível escrita fluída e elegante, clara e concisa, sonhadora e rigorosa, questões pertinentes sobre a vida, sobre a nossa relação ecológica com o planeta em que vivemos, sobre as questões por resolver do universo em que existimos.
Apesar de ter sido escrito há mais de 15 anos, na fronteira do novo milénio, a leitura deste livro encontra eco em problemas actuais e, também por isso, merece mais do que um olhar interessado. O modo como Sagan problematiza as questões que tenta responder conduz-nos a um pensamento científico que nos liberta das superstições, que nos permite debater ideias contrárias sobre a vida, a morte, a espiritualidade humana, com a liberdade democrática que advém do respeito pela individualidade.
Sagan acabou de escrever este livro já muito fragilizado com a doença que o vitimou. E esta confrontação com a morte transparece na sua escrita com uma coexistência pacífica entre a ciência e uma compaixão pela vida entendida no seu sentido mais sublime. Um rio de curiosidade cósmica transporta-nos ao longo desta derradeira obra numa reflexão sobre os desafios do presente e dos próximos séculos.
Por fim, “Biliões e Biliões” é um excelente ponto de partida para uma abordagem crítica a problemas como o aquecimento global, a convivência entre religião e ciência, o aborto, a morte e a vida, a reflexão sobre o nosso lugar no imenso mar cósmico.
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