Como nosso cérebro altera nossa linha do tempo mental

hipocampo

Testemunhas oculares são o pior tipo de evidência que se pode ter. É verdade. Embora este seja um ponto importante em, por exemplo, um tribunal (o que é preocupante), é altamente recomendável que não se leve em consideração testemunhas oculares para a observação de fenômenos a serem analisados cientificamente.

Por que testemunhas oculares devem ser ignoradas em alguns casos? Por um motivo muito simples: nosso cérebro não funciona perfeitamente, como muita gente pensa. Nosso cérebro é, realmente, muito complexo e uma maravilha da engenharia da seleção natural, mas está longe de ser perfeito.

Primeiro por que nosso cérebro não registra o mundo à nossa volta ipsis litteris. O que nosso cérebro registra é uma interpretação dos dados recebidos pelos nossos órgãos dos sentidos. Em outras palavras, é de certa forma verdade aquele comentário filosófico que diz que cada pessoa vê o mundo de forma diferente.

Nosso cérebro falha miseravelmente em diversas tarefas simples. Esse é o motivo pelo qual enxergamos uma porção de pontos coloridos numa foto como se fosse uma pessoa, e vemos um filme acreditando que as pessoas que vemos na tela são reais. Nos enganamos tão redondamente a respeito disso que uma foto é capaz de nos causar reações emocionais como se estivéssemos realmente vendo mesmo uma pessoa ou uma cena do passado ali, e não apenas uma ilusão.

Isso sem contar nossa memória. Diversos estudos já demonstraram que nós não lembramos das coisas exatamente como elas aconteceram e frequentemente adicionamos informações posteriores a essa memória, que juramos que faz parte da memória original. O “pânico satânico”, histeria que percorreu os EUA nos anos 80 e que fez as pessoas acharem que as crianças americanas estavam sendo usadas em alto número em rituais satânicos, é um exemplo clássico de como nossas memórias são maleáveis e nada confiáveis.

A forma como o cérebro organiza as memórias em relação umas às outras no tempo tem intrigado cientistas desde sempre. Num novo estudo, pesquisadores podem ter conseguido identificar a natureza da atividade cerebral que coloca um rótulo temporal em nossas memórias.

Segundo a pesquisadora Lila Davachi, professora associada da Universidade de Nova York, nossas memórias são conhecidas como versões “alteradas” da realidade, mas como o tempo é alterado não é bem compreendido. “As pessoas pensam que saus memórias refletem a realidade. De certa forma, sim, mas elas são um reflexo melhor do que está acontecendo dentro de nossa cabeça”, disse a professora para o Live Science.

A nova pesquisa mostrou um link entre padrões de atividade no hipocampo – uma região conhecida por estar envolvida na formação de memória – e quão perto ou longe no tempo as pessoas depositam suas memórias, de acordo com descobertas relatadas no periódico Neuron.

Para entender como as pessoas lembram a ordem na qual eventos ocorrem, os pesquisadores colocaram 21 participantes para observar imagens de rostos separadas por poucos segundos alternando com uma mesma imagem de uma cena de ambiente externo entre os rostos. A ideia era que cada rosto representava um evento, por exemplo, conhecer uma nova pessoa, e a cena representava onde o evento aconteceu, por exemplo, numa festa. Assim, a pesquisa buscou imitar o que acontece quanto você vai para uma sala ou festa e fica ali por um bom tempo. O contexto espacial básico é o mesmo, mas você está vendo diversas pessoas diferentes.

Enquanto isso, os pesquisadores usaram uma técnica de escaneamento cerebral para escanear a atividade cerebral do hipocampo dos participantes. Os participantes depois julgaram quão próximos no tempo dois rostos haviam aparecido, avaliando-os como muito perto um do outro, perto, longe ou muito longe. Eles não sabiam que todos os pares de rostos haviam aparecido num igual intervalo de 16 segundos.

Os pesquisadores descobriram que períodos de padrões de atividade estáveis no hipocampo se alinhava com quando os participantes diziam que um par de rostos tinham aparecido mais próximos no tempo.

Em compensação, quanto a estabilidade dos padrões de atividade diminuíam, participantes estavam mais inclinados a lembrar que os rostos estavam separados no tempo. Em outras palavras, a estabilidade da atividade no hipocampo deu uma medida de quanto as pessoas lembram de eventos próximos no tempo.

Às vezes, no entanto, os pesquisadores mudavam o cenário. Uma imagem diferente era mostrada aos participantes entre os rostos. O padrão serviu como modelo para uma experiência diferente da vida real, como se você saísse pela porta para a rua.

Os pesquisadores descobriram que mudar a cena levava as pessoas a dizer depois que os rostos apareciam mais separados (no tempo), ou seja, uma nova cena muda sua memória para o tempo. Todas estas pequenas mudanças ajudam a organizar memórias, e de uma forma que nossa memória se torna tendenciosa para coisas que aconteceram no mesmo contexto, por isso são colocadas mais próximas no tempo.

Esta é a forma como percebemos o tempo? Bom, isto os cientistas não sabem, mas Davachi pensa que o processo pode desempenhar um papel nisso. “Deve ter alguma influência na percepção de duração dos eventos”, diz, também comentando que novos estudos são necessários para uma melhor compreensão destes mecanismos.

Insights sobre a natureza temporal de como as pessoas armazenam memórias podem oferecer ideias sobre problemas psiquiátricos também, diz Davachi. Por exemplo, pessoas com esquizofrenia podem ter uma habilidade de organizar memórias no tempo debilitada, e isso poderia levar a conexões alucinatórias entre coisas que, na realidade, não estão relacionadas uma a outra.

“Ilusões em esquizofrenia frequentemente sentem uma causalidade no mundo que não está lá”, diz Davachi. “Será interessante solicitar pessoas com esquizofrenia para participarem de experimentos usados neste estudo, para ver se existe uma debilidade na memória temporal nestas condições”, completa.

Apesar de aparentemente simples, os resultados deste estudo podem dar alguns insights bem interessantes sobre nossos enganos de memória, tão comuns, mas em alguns casos tão pouco compreendidos.

Fonte:
Live Science
Artigo científico original

2 comentários

  1. Acho que este vídeo ajuda a explicar essa questão:

    http://www.youtube.com/watch?v=MFBrCM_WYXw

  2. Mais uma razão para o tempo ser considerado: “A big ball of wibbly wobbly timey wimey…stuff.”
    Mesmo nem sendo o tempo que passa na nossa vida mas o que desenrola no nosso cerebro.

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