Astrónomos Descobrem “Anti-Eclipse” em Sistema Binário

Segundo um artigo hoje publicado na revista Science, da autoria dos astrónomos Ethan Kruse e Eric Agol, da Universidade de Washington, Seattle, foi descoberto o primeiro sistema binário em que o efeito de lente gravitacional de uma das componentes não só compensa completamente a perda de brilho que resultaria de um eclipse mas aumenta ainda o brilho total do sistema. Este efeito foi previsto em 1973 pelo astrónomo suíço André Maeder, conhecido pelos seus estudos seminais da evolução estelar. Kruse e Agol descobriram o sistema ao estudar detalhadamente a enorme base de dados de curvas de luz acumulada pelo telescópio Kepler.

Situado a 2600 anos-luz, o sistema KOI-3278 (KOI – Kepler Object of Interest) é composto por uma estrela semelhante ao Sol em massa e luminosidade (tipo espectral G) e uma anã branca com cerca de 63% da massa do Sol e um raio de 8200 quilómetros (130% do raio da Terra). As anãs brancas são os núcleos nús e inertes de estrelas que passaram pela fase de gigante vermelha. Têm uma densidade elevadíssima (1 centímetro cúbico de material de uma tal estrela pesaria cerca de 1 tonelada) e na maioria são constituídas por uma mistura de átomos de carbono e oxigénio empacotados tão próximo quanto o permitido pelas leis da mecânica quântica. As componentes orbitam um centro de gravidade comum, com órbitas quase circulares, em aproximadamente 88.2 dias (semelhante ao período orbital de Mercúrio).

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A orientação orbital é tal que, vistas da Terra, cada uma das componentes passa à frente da outra periodicamente. Este tipo de sistemas é designado de binários com eclipse, por razões óbvias. Sempre que cada componente passa em frente da outra, a luminosidade total do sistema diminui pois parte da luz da componente eclipsada deixa de ser vista a partir da Terra. Vejam o vídeo seguinte que mostra uma reconstituição do sistema binário Algol (a estrela beta da constelação Perseu e o primeiro sistema binário com eclipses identificado, por John Goodricke em 1783). Notem a evolução da curva de luz do sistema à medida que os eclipses progridem.

A imagem seguinte, extraída do artigo de Kruse e Agol, mostra a curva de luz do sistema KOI-3278 em torno dos eclipses, cuja duração é de cerca de 5 horas devido à distância relativamente grande entre as estrelas. Do lado direito vemos o efeito da passagem da estrela de tipo espectral G em frente da anã branca. A luminosidade do sistema decresce de 1 para 0.999, uma diminuição de apenas 0.1%. Agora reparem no outro eclipse, à esquerda, quando a anã branca passa em frente da estrela de tipo G. Em vez de uma diminuição da luminosidade total do sistema, que deveria acontecer porque a anã branca tapa parte da superfície da estrela G, vemos pelo contrário um aumento da luminosidade total, cerca de 0.1% (de 1 para 1.001)!

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Este é precisamente o efeito previsto por André Maeder há cerca de 40 anos. O campo gravitacional da anã branca é tão poderoso, cerca de 100 mil vezes mais intenso do que o da Terra, que funciona como uma lente gravitacional amplificando e curvando a trajectória de parte da luz proveniente da estrela G, inclusivé luz que em circunstâncias normais seria ocultada por ela. O efeito é tão forte que consegue não só compensar a diminuição de luminosidade provocada pela ocultação de parte da estrela G como ainda fazer aumentar a luminosidade total do sistema.

Com base nos dados do Kepler os astrónomos conseguiram calcular com precisão os elementos orbitais do sistema e os tamanhos das estrelas. A massa da estrela G pode ser estimada com precisão pelas suas características espectrais. Por outro lado, a massa da anã branca foi estimada com base no efeito de lente gravitacional observado, obtendo-se os referidos 63% da massa do Sol. As anãs brancas são tanto mais pequenas quanto mais maciças devido à compressão gravitacional como podem ver na imagem seguinte.

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A determinação rigorosa do raio e massa das anãs brancas reveste-se de grande importância pois permite aos astrofísicos conhecer com mais detalhe a equação que descreve o estado da matéria nestas estrelas – a chamada Equação de Estado. Este conhecimento é importante, por exemplo, para a cosmologia, uma vez que uma das suas ferramentas essenciais, as supernovas de tipo Ia, resultam da explosão termonuclear de anãs brancas.

A referência para o artigo é: KOI-3278: A Self-Lensing Binary Star System, E. Kruse and E. Agol, Science, 344, 275 (2014).

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