A pedido de algumas famílias, segue-se um artigo bastante simples sobre contas de cabeça, mas que ainda assim espero que possa servir de alguma coisa a alguém. Ao contrário da maioria dos outros artigos que aqui tenho publicados, este será um artigo “aberto”, ou seja, sempre que me lembrar poderei vir aqui acrescentar mais alguma coisa.
Há quem tenha mais facilidade a fazer contas de cabeça do que outras pessoas, no entanto, creio que todos podem melhorar se treinarem. Neste artigo vou dar algumas dicas de como pensar nas contas, de modo a torná-las mais simples na nossa cabeça, usando métodos que à partida são vossos conhecidos. Simultaneamente irei apresentando outros pequenos truques, ou chamadas de atenção, com o intuito de que algumas noções possam ficar mais claras para todos. Não pretendo ofender a inteligência de ninguém, portanto sempre que acharem algo muito simples, simplesmente ignorem e passem à frente.
Somar
Vou começar pela operação mais simples, a primeira a ser aprendida pelas crianças. Imaginando que queremos fazer “47+78”, como é que o fazem de cabeça?
O método mais simples, do meu ponto de vista, e que creio que a maioria das pessoas irá usar intuitivamente é a “decomposição” dos números: 47=40+7 e 78=70+8, logo, 47+78=(40+70) + (7+8)=110+15=125.
É claro que tendo números maiores que a centena, talvez dê jeito fazer uma decomposição diferente, ou mais decomposições (o que já se poderá tornar confuso).
Nesse caso, eu costumo pensar do mesmo modo como se fazem as contas no papel, em que se colocava um número debaixo de outro… Tendo “534+297”, primeiro somam-se as unidades, depois as dezenas e finalmente as centenas, tendo apenas o cuidado de verificar se a soma é superior a 9, pois nesse caso tem que se somar uma unidade à conta seguinte. Na verdade, o que se está a fazer nesse caso é bastante semelhante ao que se fez anteriormente, ainda que não estejamos a pensar no processo deste modo:
Embora o processo que é ensinado na escola seja intuitivo, isto é, qualquer pessoa compreende porquê que funciona, infelizmente não se costuma mostrar o porquê dele ser verdadeiro, como aqui mostrei com este exemplo. (Nota: a multiplicação pode ser representada com um ponto, como aqui uso.)
Se estiverem a somar mais que dois números em simultâneo, podem usar estes mesmos “métodos”, ou então ir somando sucessivamente.
Já agora, aproveito para esclarecer a noção nem sempre compreendida de que a subtracção não é mais que um caso particular da soma: simplesmente o número somado é negativo (daí que “mais com menos dê menos”). Do mesmo modo, a divisão é um caso particular da multiplicação: o número multiplicado é inferior a 1 (por exemplo, dividir por 2 é o mesmo que multiplicar por 0,5).
Multiplicar
O método que se usou na soma, pode ser usado na multiplicação de modo semelhante, só têm que aplicar as regras básicas:
A única dificuldade poderá ser o ter que ter em simultâneo quatro contas na cabeça. Podem, porém, fazer de uma forma mais sequencial, começando apenas por fazer 50.78, e depois somar 78.
Outro problema que algumas pessoas têm é que já não se lembram bem da tabuada para números superiores a 5. O “método” pode ser aplicado também nesses casos, substituindo por exemplo apenas um dos números por uma soma, ou uma multiplicação:
No caso de divisões, que como disse, são um caso particular da multiplicação, podem também aplicar a mesma “técnica”: podem sempre trocar um número pela multiplicação de dois (ou mais), ou à soma de dois ou mais números (embora neste caso tal só seja vantajoso se o número “alterado” estiver no numerador). Exemplo:
Notar que:
Quadrados
O quadrado de um número é a multiplicação dele por si próprio (o quadrado de A é AxA). Chama-se quadrado, fazendo a analogia com a geometria, ou seja, trata-se da área do quadrado cuja aresta tem de comprimento o número em causa.
Neste caso podem-se usar os “casos notáveis”. Vou relembrá-los para quem não se lembra:
Na verdade, o primeiro é igual ao segundo, porque ‘a’ e ‘b’ podem ser tanto números positivos, como negativos (até podem ser números complexos). Qualquer um dos “casos notáveis” é fácil de demonstrar, basta fazer as multiplicações (notar que a multiplicação também pode ser simbolizada sem qualquer sinal, como aqui usei). De modo semelhante, podem pensar em termos geométricos, caso tenham maior facilidade a entender áreas:
Assim, podem usar isto do mesmo modo que se usou anteriormente as outras propriedades:
Se tiverem a subtracção entre dois quadrados, já estão a ver o que fazer (usar o terceiro “caso notável”):
Por vezes o quadrado pode estar já feito, mas se os reconhecerem, poderão fazer o mesmo:
É claro que isto já é pouco proveitoso, porque normalmente as pessoas não conhecem muitos quadrados, apenas os mais pequenos, onde isto não tem grande utilidade, visto que se pode fazer directamente, como mostrei antes:
Infelizmente, na escola, os professores tendem apenas a ensinar os alunos a usar estas regras simples que aqui usei (distributiva, associativa, etc.) apenas num sentido, esquecendo-se de mostrar aos alunos como usá-las no sentido inverso, como aqui mostrei, o que, como vêem, pode ser útil.
Bom, para já é tudo. É claro que ninguém ficou a saber fazer melhor contas de cabeça tendo lido isto, pois só com a prática é que se vai lá. A quem não aprendeu nada, peço desculpa. Apenas usei propriedades simples, para que o artigo fosse mais visado a quem aprendeu menos de matemática. É claro que, usando por exemplo derivadas, integrais, expansão de Taylor, etc., é possível simplificar muitas outras “contas” ou problemas, no entanto, quem aprendeu isso parece-me que já terá aprendido suficiente matemática para o fazer por si próprio se o desejar.
Estejam à vontade para darem sugestões, ou partilharem os vossos próprios “métodos”.
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Quanto a este aspecto:
“Há quem tenha mais facilidade a fazer contas de cabeça do que outras pessoas, no entanto, creio que todos podem melhorar se treinarem. É claro que ninguém ficou a saber fazer melhor contas de cabeça tendo lido isto, pois só com a prática é que se vai lá. ”
Comento que concordo plenamente, mesmo quando se vive afastado desse tipo de actividade após a (conclusão?) dos estudos… e por causa disso muita gente (a maioria esmagadora da população?) tem essa capacidade “relativamente enferrujada”..
E quanto a facilidade ou dificuldade das coisas, tenho esta sugestão:
Why We Should Design Some Things to Be Difficult to Use
http://www.wired.com/2015/02/on-the-joy-of-mastery/
Algumas citações desse artigo:
“Mastery doesn’t just apply to complex products”.
A fork is about as simple as it gets, but the Edwardians wrote whole books about how ladies and gentlemen should use them.
It takes a lifetime to learn to use a sushi knife.
“Difficulty Makes Things Exclusive”
Before the 2007 crash, I consulted for a company that made software that helped banks analyze risk.
I can hear your hollow laughter right now. Bank risk software guy, you had one job.
Actually, the software did work really well.
The problem was, nobody bought it.
It seemed like a no brainer; at the time, heads of risk in banks simply waited for their counterparts around the world to email them a spreadsheet, then stitched them together.
The process took hours, and the information was a day or more out of date.
Our product oversaw every deal made by every trader and gave a real-time assessment of the dangers involved.
In spite of its brilliance, nobody was interested.
When we talked to the heads of risk at investment banks, we found out why.
They’d spent years learning how to glue all the data together, and had developed a lot of secret Excel wizardry to do so.
They were dammed if they were going to give it all up for a dashboard that any fool could read.
If only we’d found a way to make the interface acceptably difficult to use, heads of risk wouldn’t have felt threatened.
Banks would have understood the scary mess they were in more quickly, and the global economy might have been saved.
“Danger May Be Safer”
Last month, one of the smartest economists in the world passed away. His name was Gordon Tullock.
He spent his life studying how people made choices, and that led him to rethink everything we know about risk.
He showed that people have a fairly consistent attitude to danger.
If you make an activity safer, people push the limits of that activity to bring the risk back up to a level they find accessible.
Take driving. Put ABS brakes in a car, and people just tend to brake later, and less. Traction control just makes us less careful in slippery conditions.
Risk homeostasis, as it’s known, has been observed everywhere from football helmets to oilrigs.
😉
Este tema da “Risk Homeostasis” interessa-me muito: http://en.wikipedia.org/wiki/Risk_compensation#Risk_homeostasis
As an early predictor of the United States housing bubble, Calculated Risk developed a “cult following” and influence over US fiscal policy: http://en.wikipedia.org/wiki/Calculated_Risk
Site: http://www.calculatedriskblog.com/
Muita gente que duvida da ciência, fica arrepiada quando certas pessoas as tentam tranquilizar com frases do género:
Não tenha receio, eu sei o que estou a fazer, é um “risco calculado”…
Esta expressão “risco calculado” é curiosa, pois está sujeita a “erros de cálculo”….
Alguns erros de cálculo: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_economic_crises
Definição de Cálculo:
Que foi previsto ou antecipado (ex.: o projecto tinha riscos calculados).
“calculado”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/calculado [consultado em 16-02-2015].
Ainda não li este livro: http://en.wikipedia.org/wiki/Calculated_Risk_(novel)
Calculated Risk is a 1960 science fiction novel – specifically, a time travel story – by Charles Eric Maine.
The novel explores themes of personal moral responsibility, and in particular the responsibility of scientists to prevent abuse of the results of their research.
Desse autor só li este livro:
http://coleccaoargonauta.blogspot.pt/2011/09/n-96-2000-ano-do-terror.html
[…] Como deverá ser claro, para que o lado esquerdo dê zero precisamos que x-2=0 ou x-3=0, pelo que obtemos duas soluções: x=2 ou x=3. Outros exemplos também podem ser resolvidos de formas semelhantes, como seja o reconhecer da existência de um caso notável: […]
[…] Para simplificar a segunda igualdade é necessário ter um pouco de “olho” para a matemática e reparar que temos ali um “caso notável” (ver o artigo sobre as contas de cabeça): […]
[…] Usei aqui a “fórmula” da área do triângulo: lado ‘a’ a multiplicar pelo lado ‘b’ a dividir por 2 (o sinal de multiplicar foi omitido, que, recordo, é outra forma de representar a multiplicação). Coloquei a palavra fórmula entre aspas, porque é evidente que é essa a expressão, visto que um triângulo rectângulo é metade de um rectângulo de lados ‘a’ e ‘b’ (cuja área seria ‘ab’). (Relembro que em geral a área de um triângulo qualquer é igual à base a multiplicar pela altura, o que é fácil de verificar/ demonstrar se “desmontarem” o triângulo em triângulos rectângulos mais pequenos; no caso do triângulo obtuso, basta subtraírem um triângulo rectângulo.) Na resolução de cima usei ainda um caso notável da multiplicação. […]