Cientistas da University College London (UK) e da University of New South Wales (Austrália) desenvolveram um “novo método para conseguirem detetar vida extraterrestre”. Este método de espectroscopia resume-se à procura de metano, uma molécula orgânica simples, em temperaturas até 1220ºC.
Esta notícia tem sido bastante divulgada como um novo método para detetar vida extraterrestre (como está entre aspas na frase anterior). Até na revista Astronomy ou na Space.com “vendem” esse disparate.
No entanto, esse tipo de notícias parecem-me não só sensacionalistas como até abusivas (contra a ciência).
Ao contrário dos outros locais onde só se copiam as notícias sem qualquer sentido crítico, vamos, como sempre, fazer um exercício crítico de reflexão:
Como sabemos do que os objetos são feitos? Analisamos a sua composição.
Que tipo de composição? A sua composição química.
Ou seja, analisamos quimicamente os objetos para perceber quais as moléculas que o compõem.
Quando olhamos para planetas, estrelas, nebulosas, etc, tentamos perceber de que eles são feitos. Como? Analisando quimicamente, através do método da espectroscopia, a sua composição. As moléculas absorvem a luz/radiação, mas diferentes moléculas absorvem a luz de diferentes “formas”. Ao olharmos para o espectro de uma estrela, por exemplo, podemos ver o seu “retrato” químico, e percebermos quais os elementos que a constituem.
E que elementos constituem todos esses locais?
Obviamente, os mesmos elementos e moléculas que existem na Terra e no Sol, existem por todo o Universo. Obviamente…
Através da espectroscopia sabemos por exemplo que a composição solar inclui hidrogénio, hélio, oxigénio, carbono, ferro, etc.
Lembram-se da notícia há 5 anos de terem sido descobertos inúmeros “baldes de água” na Lua? Obviamente era um disparate de divulgação. Como expliquei nessa altura neste post, o que se passou foi uma análise química, por espectroscopia do pó lunar, e percebeu-se que continha a molécula de água. A molécula de água, e não água líquida na Lua.
Então que novo método é este?
Este “novo” método é o já conhecido: espectroscopia. E mede a absorção de luz pela molécula de metano. Como tem acontecido até aqui para sabermos que certos planetas têm metano.
A novidade agora é que, através de supercomputadores, é possível detetar essas moléculas de metano em locais com temperaturas até 1220ºC. Ou seja, em sítios mais quentes do que conseguíamos medir até agora. O objetivo será tentar detetar a molécula de metano na atmosfera de exoplanetas como Júpiteres Quentes, ou até mesmo na atmosfera de anãs castanhas/marrons.
Por exemplo, através deste novo “instrumento” é possível que o exoplaneta Júpiter Quente HD 189733b (que tem uma temperatura até 930ºC) possa ter 20 vezes mais metano do que se pensava. Isto muda alguma coisa? Não. O inferno que é HD 189733b faz com que esta maior percentagem de metano na sua atmosfera não mude basicamente nada na sua composição.
Claro que estes desenvolvimentos nas técnicas de deteção de moléculas são sempre importantes. Sobretudo, como esperam agora os investigadores, alargar a análise da espectroscopia não só para temperaturas maiores mas até para que seja possível detetar uma maior quantidade de moléculas (30 outras moléculas) a temperaturas superiores.
No entanto, calma com este novo método. Porque ainda não existem evidências de que este desenvolvimento é mais eficaz. É preciso testar e provar que dá resultados acertados.
Então onde entra a vida? Em lado nenhum!
Se lerem o artigo científico, percebem que os investigadores não falam de vida.
Quem fala de “vida” é quem erradamente na divulgação pensa que tudo tem que ter consequências para a vida.
Chove diamantes em Neptuno? Então só pode ser porque há humanos lá com cestos para os apanhar. A água correu na superfície marciana? Então só podiam ser marcianos a construir esses canais. Existem montanhas na Lua? Então é onde vivem aqueles que querem ficar mais perto da Terra.
São falácias non-sequitur. São interpretações que se tiram, sem existirem quaisquer evidências.
Ou seja, são imbecilidades.
É verdade que o metano pode ter uma origem biológica ou geológica.
“As principais fontes do gás Metano são: Emanação através de vulcões de lama e falhas geológicas, Fontes naturais (ex: pântanos), Extração de combustível mineral, Decomposição anaeróbica de resíduos orgânicos, Processo de digestão de animais herbívoros, carnívoros e onívoros, Bactérias, Aquecimento ou combustão de biomassa anaeróbica.”
Em que locais sabemos que pode ter ter origem biológica? Na Terra.
Em que locais sabemos que pode ter origem natural/geológica? Por todo o Universo, incluindo na Terra.
Vejamos:
– a ténue atmosfera de Mercúrio contém metano. Devido a vida? Não!
– a densa atmosfera de Vénus tem metano. Devido a vida? Não.
– a própria Lua tem o gás metano. Nada tem a ver com vida.
– Jupiter, Saturno, Urano, Neptuno, têm metano nas suas atmosferas. Nada tem a ver com vida.
– várias luas de Urano, como Ariel, têm metano. Devido a vida? Não.
– o próprio cometa Halley tinha metano na sua constituição geológica. Nada tem a ver com vida.
– análises de espectroscopia a nebulosas interestelares mostram que contém a molécula de metano. Nada tem a ver com vida.
Podem ver uma lista de locais onde já se detetou metano, aqui.
No nosso sistema solar, os sítios que levantam dúvidas sobre a origem do metano são: Marte e Titã. Em ambos os locais, provavelmente a origem é geológica, mas não se pode ainda descartar a origem biológica.
A verdade é que a molécula do metano, tal como a molécula da água ou o elemento oxigénio, têm “muito boa imprensa”. Mas é só isso.
Reconheço que a “boa imprensa” é justificada. Afinal, o metano é um hidrocarboneto e até é o mais simples de se formar. No entanto, passar disso para vida parece-me um gigantesco salto.
Quem ouve falar em “metano”, “água” ou “oxigénio” e imediatamente pensa em vida, está a ser levado pelo sensacionalismo. Nada mais.
Estes elementos (e moléculas) existem por todo o Universo, sem que isso determine a existência de vida. Nem sequer quer dizer que está no “estado” que imaginamos. Em Titã, por exemplo, existem provavelmente rios e lagos de metano líquido, que não estamos habituados. Já na Lua existe a molécula de água, mas nada tem a ver com água líquida (como estamos habituados).
Deixem-me repetir: isto existe em todo o lado. Não quer dizer vida.
Por outro lado, pensar em água líquida (um químico bastante perigoso), em metano (gás inflamável que nos pode fazer perder a consciência se o inalarmos durante um tempo), e em oxigénio (que extinguiu a vida inicial da Terra), como se fossem benéficos para a vida, é ter uma visão limitada e geocêntrica da vida.
Estas notícias a ligar imediatamente a existência de metano com a vida, denota não só sensacionalismo, mas também uma conceção errada sobre as possibilidades de vida no Universo.
1 comentário
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Excelente artigo, Carlos Oliveira. Provavelmente a ligação entre a detecção de metano e a possibilidade de vida resulta de perguntas e respostas de (maus) jornalistas.
Se um jornalista perguntar a um cientista: “o metano pode ser produzido pelos seres vivos?”, a resposta é: “pode e aqui na Terra a vida e a matéria orgânica são responsáveis pela maior parte do metano existente na atmosfera”.
Claro que um bom jornalista, que estivesse atento, em seguida perguntaria: “disse a maior parte… quer dizer que o metano pode ter uma origem não biológica?”
… mas a resposta a esta última pergunta não vende jornais.
[…] http://www.astropt.org/2014/06/21/novo-metodo-baseado-no-metano-para-descobrir-vida-extraterrestre-… […]