Teoria dos Jogos

Quem nunca ouviu falar de Teoria dos Jogos poderá pensar que se trata de alguma teoria informática relacionada com jogos de computador, porém, quem viu o filme “Uma Mente Brilhante” poderá eventualmente fazer uma ideia do que se trata. A Teoria dos Jogos é uma área da Matemática que estuda as melhores estratégias a adoptar em determinados “jogos”. O “jogo”, nesta teoria, não contém necessariamente divertimento, trata-se de uma disputa entre vários indivíduos (jogadores) que têm um objectivo comum. Os jogadores podem adoptar diferentes estratégias para tentarem alcançar o seu objectivo, pelo que a questão fundamental com que cada um se depara é sobre qual a melhor estratégia a escolher. Como podem imaginar, em muitos casos é possível fazer uma descrição matemática do problema e da sua análise é possível encontrar a melhor estratégia.
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John Nash (1928 – ?). Matemático norte-americano que trabalhou na Teoria dos Jogos. No filme “Uma Mente Brilhante” é descrita parte da sua biografia, a qual inclui a luta contra a esquizofrenia.  Ganhou em 1994 o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel (não existe Prémio Nobel da Economia; este prémio usa fundos do Banco Central da Suécia).

Para concretizar, dou-vos o exemplo clássico do “Dilema do Prisioneiro”. Imaginem a cena cinematográfica de dois indivíduos que são capturados pela polícia por serem suspeitos de terem cometido um crime. Infelizmente, a polícia não tem provas suficientes para os condenar, e nenhum deles admite ser culpado. A polícia oferece então o seguinte acordo a cada um: “testemunha contra o outro e sais livre”. Existem três possibilidades:

  1. Ambos os suspeitos ficam calados. Nesse caso cumprem ambos um pequeno tempo de cadeia (6 meses), por não haver provas conclusivas.
  2. Um dos suspeitos acusa o outro. Nesse caso o “traidor” sai em liberdade e o acusado cumpre uma pena de prisão pesada (10 anos).
  3. Os suspeitos acusam-se mutuamente. Ambos são condenados a uma pena de prisão moderada (5 anos, menor que no caso anterior, porque não ficou claro qual deles cometeu o crime).

O prisioneiro encontra-se num dilema sobre que hipótese escolher. Se por um lado ficar calado, pode ter uma pena leve, ou muito pesada se for traído. Se por outro lado falar, pode sair livre ou ser condenado a uma pena moderada. O que vai fazer o colega? Trair ou não trair, eis a questão. (Nota: os anos de cadeia não estão segundo a Lei portuguesa, mas é irrelevante para a explicação.)
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Albert W. Tucker (1905-1995). Matemático canadiano que, entre outras coisas, formalizou o “Dilema do Prisioneiro”. Foi o orientador de John Nash no seu doutoramento.

Como provavelmente já constataram, este tipo de jogos são comuns em Economia. Podem imaginar um jogo em que vários indivíduos contribuem (ou não) para um fundo monetário comum que é mais tarde dividido em parcelas iguais pelos indivíduos (mas não se sabe quem é que efectivamente contribuiu). Naturalmente, se todos contribuírem, o fundo monetário irá ter um vencimento de juros superior, o que é benéfico para todos. Contudo, se um dos indivíduos não cooperar, mas ainda assim receber uma igual parcela do vencimento final, é óbvio que este terá sido aquele a ganhar mais com o negócio, porque tudo o que recebeu foi lucro. Se ninguém contribuir, ninguém recebe nada. Qual a melhor estratégia? De um ponto de vista global é evidente que cooperar é sempre a melhor estratégia, contudo o problema é que localmente (a nível individual) não se tem informação sobre o que os outros vão fazer. Se o número de não contribuidores for suficientemente grande face aos juros que se esperam ganhar, quem contribuiu pode ficar a perder dinheiro (como os juros, realisticamente, não são elevados, não é preciso que haja muitos não contribuidores para tal ocorrer).
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Em Teoria dos Jogos, existem jogadores (players), regras (rules), consequências (consequences) e recompensas (payoffs). Este tipo de jogo é bastante genérico em múltiplas situações diferentes. Embora muitas vezes seja claro qual é a melhor estratégia global para todos os jogadores, isso não impede que o “dilema” exista, isto porque os jogadores acabam sempre por desconfiar do egoísmo dos outros, o que os leva a pesar as consequências de também eles serem egoístas. Paradoxalmente, a razão pode conduzir a escolhas irracionais.

Se em vez de dinheiro, considerarmos alimentos, proteção, etc, poderemos transitar da Economia para a Biologia. Neste caso cooperar pode significar trabalhar colectivamente para o bem comum de uma comunidade (de abelhas, por exemplo). Se a “colheita” for dividida igualmente por todos, ficam a “ganhar mais” os “chicos espertos” que ficaram a dormir o dia todo, contudo, se ninguém trabalhar, morrem todos… Como podem entrever, a cooperação é na verdade uma vantagem em termos globais para a espécie, pelo que deve necessariamente ter um papel de relevo na evolução das espécies. Uma estirpe que coopere terá maiores hipóteses de sobrevivência que outra onde o “individualismo” seja mais acentuado. De facto, a Teoria de Jogos tem sido muito útil no estudo da evolução das espécies, onde cooperação e competitividade entre indivíduos são dois conceitos chave para compreender como aqui chegámos e para onde vamos.
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A Teoria dos Jogos permitiu estudar, por exemplo, os rituais de acasalamento que envolvem luta. A selecção natural não se resume à “lei do mais forte”, porque para haver vencedores, são necessários perdedores para manter o “equilíbrio”. Isto foi demonstrado matematicamente usando esta teoria, mostrando efectivamente que uma espécie é constituída tanto por “vencedores” como por “perdedores”, cuja distribuição se mantém de geração em geração. Por outras palavras, demonstrou-se que se uma espécie começasse com uma distribuição aleatória de vencedores e perdedores, a interacção entre os animais, e a preservação genética de geração para geração, conduziria a distribuição para a de equilíbrio (equilíbrio de Nash). Deste modo a Matemática justificou aquilo que já era conhecido na Biologia, mas que não era compreendido.

Um exemplo mais comum, e talvez mais facilmente assimilável pelo leitor, pode ser dado no ciclismo. Quando dois ciclistas se distanciam do pelotão, surge a questão: quem deve ir à frente? O que vai à frente tem que “cortar o vento”, enquanto que o vai atrás aproveita o “túnel de vento”, ou seja, o que vai à frente tem que vencer uma maior resistência do vento, o que significa um maior esforço. Se ambos os ciclistas forem tentando colocar-se atrás do outro, eventualmente são apanhados novamente pelo pelotão, o que não é proveitoso para nenhum dos dois. Cooperar, neste caso, seria repartir o tempo em que um vai à frente e o outro vai atrás de modo igualitário. Naturalmente, nenhum deles tem intenções de cooperar, pelo que acaba por ganhar aquele que tem ou maior capacidade física para manter sempre o primeiro lugar, ou aquele que aproveita o segundo lugar até perto do final, altura em que finalmente decide fazer o sprint para alcançar o primeiro lugar, fazendo uso das “energias” que “preservou” ao se ter mantido em segundo lugar (esta é efectivamente uma situação que acontece com frequência).
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As linhas verdes representam o vento. Como podem ver, atrás do ciclista cria-se um “túnel” sem vento, o qual é aproveitado por quem for atrás. 

Dei apenas alguns exemplos, mas com certeza o leitor será capaz de pensar em muitos outros. Na verdade a teoria tem aplicação em Ciência da Computação, Filosofia, Ética, Ciências Políticas, Ciências Militares, Jornalismo, Inteligência Artificial, entre outros. Neste artigo não discuti soluções, porque estas normalmente dependem das características específicas do jogo, do tipo de interacção que existe entre os jogadores, a informação conhecida, os parâmetros que definam as recompensas (e penalizações, caso existam), a forma como os indivíduos estão “ligados” entre si, etc. Como se pode deduzir, o foco está normalmente no comportamento global: dado um conjunto de regras de jogo, como vai a população comportar-se? Ao fim de muito tempo, existe um comportamento dominador? O sistema tende para um estado de equilíbrio? A Teoria dos Jogos permite responder a estas questões.correlation-v-causation-cartoon3

Tradução: (A) – Antigamente eu pensava que correlação implicava causalidade. Mas então tive aulas de estatística e agora já não penso isso.

(B) – Parece que essas aulas te ajudaram.

(A) – Bom, talvez.

4 comentários

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  1. Curioso é que os jogos são “quanticos” no sentido que ao se jogar se modifica os resultados.
    Isto é assim também com a bolsa de valores..

    1. O que está a dizer é que uma acção tem uma consequência e isso nada tem de “quântico”. No caso da bolsa de valores, é um sistema caótico, e a alteração de uma “condição inicial”, por menor que possa ser, poderá conduzir a grandes alterações no futuro.

      Cumprimentos,
      Marinho

  2. Quero dar os Parabéns pois está muito bem explicada a teoria dos jogos. Fez-me lembrar as aulas de Microeconomia III e como achava esta teoria, que parece simples a uma primeira vista, que é brilhante e funciona muito bem.

    1. Obrigado Jomi. De facto é uma teoria muito interessante.

      Cumprimentos,
      Marinho

  1. […] paradoxo, que nos surge em Teoria dos Jogos, foi criado por Juan Parrondo, físico espanhol, em 1996. Na verdade é apenas um “fenómeno” […]

  2. […] o objectivo de favorecer o bom funcionamento da “comunidade”). De facto, tendo em conta a Teoria dos Jogos, é fácil de perceber o porquê de as espécies terem criado códigos de conduta: estes são […]

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