As supernovas de tipo Ia resultam da explosão termonuclear de uma anã branca – o núcleo inerte de carbono e oxigénio que resta de uma estrela, depois de esta passar pela fase evolutiva de gigante vermelha. Existem argumentos teóricos e observacionais robustos que validam de forma espectacular essa génese para as supernovas deste tipo. O mecanismo que leva à explosão da estrela é a fusão explosiva do carbono, despoletada em um ou vários pontos em simultâneo no interior da anã branca. Trata-se de um reacção em cadeia, descontrolada, que depressa se estende ao resto da estrela destruindo-a por completo. No entanto, a fusão explosiva do carbono não ocorre espontaneamente numa anã branca isolada. As anãs brancas são corpos estáveis em que a compressão gravitacional é compensada por uma pressão interna de origem quântica designada de “degenerada”. De facto, devido à densidade extrema da matéria nestas estrelas, os átomos de carbono e oxigénio encontram-se extremamente compactados. Nestas condições, o Princípio de Pauli, o mesmo que obriga os electrões a organizarem-se por diferentes orbitais nos átomos resultando nas diferentes propriedades dos elementos químicos, impede os electrões de se aproximarem demasiado uns dos outros, dando origem à pressão degenerada.
[Uma anã branca é o nucleo de carbono e oxigénio de uma estrela semelhante ao Sol, exposto no final da fase de gigante vermelha. O núcleo pode conter até 1.4 vezes a massa do Sol. O seu tamanho é inversamente proporcional à raíz cúbica da massa. Um exemplo, a anã branca Sirius B tem uma massa solar e dimensões semelhantes à Terra. Uma anã branca isolada está condenada a arrefecer gradualmente no espaço ao longo de milhares de milhões de anos. No entanto, na companhia certa, podem ter um destino bem mais espectacular. Crédito: Space Telescope Science Institute]
Assim, para uma anã branca explodir, é necessário que a fusão explosiva do carbono seja despoletada por um factor externo. Ao longo de várias décadas, o estudo de modelos teóricos e alguns indícios observacionais, permitiram aos astrónomos identificar dois cenários passíveis de produzir uma tal explosão e a consequente supernova de tipo Ia. Ambos os cenários envolvem uma anã branca num sistema binário.
No primeiro cenário, designado de “Single-Degenerate” (SD), uma anã branca faz parte de um sistema binário com uma estrela normal. Se, ou quando, a estrela normal exceder o tamanho do seu “Lobo de Roche” (uma superfície imaginária em torno da estrela que define a sua zona de domínio gravitacional relativamente à companheira), parte do seu gás é transferido para um disco de acreção em torno da anã branca. Nem todo o material cai no disco de acreção, parte é dispersado no espaço que circunda o sistema. O material do disco de acreção é gradualmente transferido para as camadas exteriores da anã branca, aumentando a compressão gravitacional da mesma, até ao momento em que as condições de temperatura no seu interior despoletam a fusão explosiva do carbono e dão origem a uma supernova de Ia. Pensa-se que a estrela normal do sistema resiste à explosão.
[No cenário “Single-Degenerate”, uma anã branca faz parte de um sistema binário com uma estrela normal.]
No cenário alternativo, designado de “Double-Degenerate” (DD), duas anãs brancas orbitam em torno de um centro de gravidade comum. Este sistema emite ondas gravitacionais que resultam numa perda de energia orbital das anãs brancas. Ao longo de milhões de anos as estrelas aproximam-se até colidirem, despoletando então a fusão explosiva do carbono das anãs brancas e dando origem à supernova de tipo Ia. As duas estrelas são completamente destruídas.
[O cenário “Double-Degenerate”, um sistema binário com duas anãs brancas.]
Uma diferença fundamental entre os dois casos diz respeito à quantidade de gás (e poeiras) existente em torno do sistema binário imediatamente antes da ocorrência da supernova. No cenário SD, o gás da estrela normal que escapa do “Lobo de Roche” e não cai no disco de acreção da anã branca, acumula-se em torno do sistema, formando uma espécie de casulo, ao longo de milhões de anos. Em contrapartida, no cenário DD, o espaço que circunda o sistema será à partida desprovido de gás e poeiras. Esta observação é crucial para distinguir através de observações o tipo de sistema que deu origem a uma dada supernova de tipo Ia.
No dia 21 de Janeiro do presente ano, foi descoberta uma supernova de tipo Ia na galáxia Messier 82 (M82), designada de SN2014J. A apenas 12 milhões de anos-luz, M82 é uma vizinha próxima da nossa galáxia, pelo que a supernova foi particularmente brilhante, facilmente visível em telescópios modestos. Rapidamente foi organizada uma campanha de observação em que participaram telescópios espalhados por todo o mundo e telescópios espaciais capazes de observar o fenómeno em comprimentos de onda invisíveis a partir da superfície da Terra. Um destes telescópios foi o Chandra, que observa o céu numa banda dos raios X.
[SN2014J na galáxia Messier 82. Crédito: NASA / ESA / A. Goobar, Stockholm University / Hubble Heritage Team / STScI / AURA]
Observações realizadas pelo Chandra antes (em arquivo) e depois do aparecimento da supernova SN2014J (em 3 de Fevereiro de 2014) não detectaram raios X provenientes da região circundante. Isto mostra que a região em torno do sistema que deu origem à supernova tem muito pouco gás e poeiras. De facto, se existissem gás e poeiras em quantidades apreciáveis, a onda de choque da supernova teria comprimido esse material, elevando-o a temperaturas de milhões de Kelvin. A essas temperaturas o gás seria uma fonte brilhante de raios X facilmente detectada pelo Chandra. Esta observação crítica favorece claramente o cenário DD para o sistema progenitor da SN2014J. A mesma equipa de astrónomos planeia observar a supernova mais tarde para caracterizar melhor o espaço em torno do sistema.
Nos últimos anos, estudos semelhantes relativos a outras supernovas de tipo Ia, levaram a um consenso generalizado de que ambos os mecanismos são válidos. No entanto, a maioria dos eventos observados são devidos a progenitores do tipo DD. Este parece muito mais eficiente na produção de supernovas.
[A imagem mostra M82 observada pelo telescópio Chandra. Raios X de baixa, média e alta energia são representados, respectivamente, a vermelho, verde e azul. As caixas no fundo da imagem mostram a região da supernova em raios-X antes da explosão (esquerda) e em 3 de Fevereiro de 2014, depois da explosão (direita). A ausência de raios X em ambas as imagens é um indício importante de que o sistema que deu origem à supernova é do tipo DD. Crédito: NASA/CXC/SAO/R.Margutti et al]
O artigo que descreve estes resultados foi publicado na edição de 20 de Julho da revista The Astrophysical Journal. A notícia original pode ser consultada aqui.
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