Primeiro, convém definir o que entendemos por evolução: esta definição de evolução não é uma definição propriamente adequada para todas as situações possíveis, nem pretende ser a definição final e acabada de evolução (sendo, antes disso, uma working definition). Apesar disso, é a definição mais amplamente usada nos livros-texto de biologia evolutiva:
– Evolução é a mudança, ao longo do tempo, nas proporções de entidades biológicas, diferindo geneticamente umas das outras.
O ponto importante a se destacar, aceitando como verdadeira e adequada a definição acima, é que o processo evolutivo é uma propriedade populacional, e não individual. No processo evolutivo, entidades vão se substituindo no decorrer das gerações, sendo que a proporção dos diferentes tipos de entidades se altera com o passar dessas gerações. A evolução é um atributo populacional porque depende necessariamente da composição de uma população dada, ou seja, da determinação dos elementos que constituem aquela população.
Você, como indivíduo, não pode evoluir. Tente analisar o enunciado “o indivíduo evolui” sob a luz da definição prévia de evolução e você verá que esse enunciado é totalmente destituído de sentido. O fato de você estudar, tentar progredir no mercado de trabalho, ser um bom marido ou uma boa mulher, começar a fazer terapia, cuidar bem de seus filhos, passar de um motorista violento para um com uma direção defensiva, tudo isso pode ser chamado de melhora, de aperfeiçoamento, de progresso individual, mas não de evolução. Evolução é outra coisa. Se, por exemplo, chamarmos de A os indivíduos que se preocupam com o ambiente e B os que o degradam, e supusermos que essa diferença tem bases genéticas, evolução seria um aumento, ao longo das gerações, da frequência de indivíduos A (perceba que a redução ao longo do tempo da frequência de indivíduos A também seria evolução…).
Alguns talvez falem das mutações, argumentando que alterações no material genético de um indivíduo podem constituir evolução. A coisa aqui é um pouco mais complicada, mas também pode ser explicada. Suponha uma população onde todos possuem a variante alélica A1 de um determinado gene. Se um filhote sofre uma mutação logo no início de seu desenvolvimento em que a variante A1 torna-se A2, e se essa mutação altera de tal forma as características do filhote que equivale a esse filhote já ter nascido de um gameta com o alelo A2, o que teríamos é uma alteração nas proporções de entidades biológicas na população; a população evolui, e não o indivíduo. Além disso, é bom lembrar que mutações são extremamente comuns. Segundo Alberts, em seu Molecular Biology of the Cell, cerca de 1016 divisões celulares ocorrem ao longo da vida de um ser humano; mesmo num ambiente com poucos mutagênicos, o número normal de mutações espontâneas é em torno de 10-6 mutações por gene por divisão. Multiplicando os dois números, vemos que cada gene de um ser humano sofre em torno de 1010 diferentes mutações ao longo da vida desse homem. Isso, contudo, não muda as proporções de entidades biológicas duma população, apesar de sua importância para a formação das gerações seguintes (particularmente se essas mutações se derem na linhagem germinativa).
A única forma válida de afirmar que um ser humano pode evoluir é tentar entender o ser humano como uma população, e seus constituintes, suas células por exemplo, como as entidades biológicas dessa população. Isso é exatamente o que se dá no câncer, e muitos oncologistas explicam didaticamente os cânceres como processos microevolutivos. Vamos dar um exemplo exageradamente simples, apenas para maior clareza: suponha que suas células são entidades do tipo A, até que surge uma célula neoplásica, que chamaremos de entidade do tipo B. Essa célula neoplásica reproduz-se mais rápido que as normais, e dessa forma as proporções de entidades do tipo A e do tipo B mudam ao longo do tempo nessa população (que é o corpo humano). Esse seria um exemplo de um ser humano evoluindo. Para quem já passou por isso, e eu perdi na semana do Natal uma criatura que eu amava muito por causa de um câncer no fígado, sabe que estamos falando de uma evolução nem um pouco interessante…
Quando um astrofísico fala da evolução de uma estrela (desde o berçário estelar passando pelo nascimento, maturidade, gigante vermelha até a anã branca…), quando um geólogo fala da evolução do relevo, ou quando um médico fala da evolução de um nemátodo, eles não estão usando o termo evolução no mesmo sentido que nós usamos na biologia evolutiva. Evolução, nesses casos que acabei de citar, significa desenvolvimento (ou seja, ontogênese, as diferentes fases na formação de uma determinada entidade). Vale a pena lembrar que os primeiros usos do termo evolução em um contexto biológico, como por Charles Bonnet em fins do século XVIII, referiam-se ao desenvolvimento ontogenético principalmente.
Evolução biológica, por outro lado, é um atributo populacional. É por essa razão que você não irá evoluir.
3 comentários
Pronto está bem, mas não era preciso ofender. 🙂
Agora a sério, gostei do post e acehi que o título foi muito bem conseguido.
E também uma “involução” pode ser uma vantagem, em algumas situações..
Portanto não podemo descartar que há a possibilidade de evoluirmos, pois se nos modificamos e nos adequamos melhor ao meio que vivemos, podemos dizer que evoluímos.
Mas claro, isto só valeria em raríssimas exceções.
Mas certamente ‘involuímos’, pois nossas células são clones das antepassadas e acumulam defeitos nos telômeros..