No meu banheiro há duas torneiras, uma para água quente e outra para água fria. Felizmente a água é aquecida a gás, e não a carvão, que é a principal fonte de energia elétrica por aqui. Caso o aquecimento fosse elétrico — ou seja, no fim das contas, a carvão — é bem possível que eu, com minha preocupação ambiental, não usasse a água quente, cenário no qual me igualaria a Luis XIV, aquele adverso a banhos. Mas voltemos às torneiras.
Em todas as pias que já vi no mundo, seja qual for o país, a torneira de água quente fica à esquerda e a de água fria à direita. Essa padronização é bem útil, já abrimos a torneira correta inconscientemente. Mas na minha pia há, além dessa posição padronizada, uma codificação por cores: a torneira da água quente tem um círculo vermelho e a torneira da água fria tem um círculo azul. A associação do vermelho ao quente e do azul ao frio é bastante óbvia para qualquer um de nós. Não gosto de escrever sobre aquilo que eu não sei, mas me arrisco a dizer que essa associação linguística (“azul é uma cor fria”, “vermelho é uma cor quente”) é bem anterior à ascensão das artes plásticas no fim da idade média. A causa da correlação parece não precisar de maiores explicações: o fogo e a brasa, além da lava e do metal fundido, são vermelhos. Já a água e o gelo são azuis (rápida observação: a água absorve luz visível próxima à fronteira do infravermelho, e por isso é azulada, e não incolor. Para verificar isso, ponha água em um tubo opaco de alguns metros, tampado com vidro incolor nas duas extremidades, e observe uma fonte de luz branca pelo tubo).
E aí vem a curiosidade, razão pela qual eu escrevi essa pequena nota. Os físicos sabem disso, mas os físicos representam uma parcela mínima da humanidade: a luz azul tem mais energia que a luz vermelha! Se você vir um fogo azul e um fogo vermelho (caso não haja íons ou metais alterando a cor da chama), saiba que o fogo azul está numa temperatura maior que o fogo vermelho. Aliás, dá pra ver isso numa vela comum: a base da chama, onde a temperatura é maior, é azul, e seu topo é amarelo-avermelhado. O laser azul (Blue Ray) tem mais energia que o verde, que por sua vez tem mais energia que o vermelho.
Outra forma de compreender isso é ver a radiação emitida por um corpo negro ideal em diferentes temperaturas. Para quem não sabe, a radiação emitida por um corpo negro depende apenas da temperatura na qual ele se encontra, e não de sua composição química, formato ou textura. Um corpo negro a 1000 Kelvin, como por exemplo lava ou metal fundido, emite uma mistura de luzes onde predomina o vermelho. Um corpo negro a 4000 Kelvin, por sua vez, emite uma luz bem mais amarelada, já quase branca. E um corpo negro a 9000 Kelvin já emite uma luz bem mais azulada.
Psicologicamente, é fácil entender a associação entre azul e frio, e entre vermelho e quente. Evolutivamente (eu tinha que colocar o termo “evolução” em algum lugar desse post!) é o que era de se esperar. Mas a vida tem suas ironias: fisicamente, o azul é a cor mais quente.
Um físico teórico extraterrestre com reduzidas habilidades sociais, na minha pia, talvez tivesse alguma dúvida antes de escolher qual torneira abrir para lavar as mãos.
9 comentários
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Agora já não tenho dúvidas. Nem sei bem o que pensei. Talvez novas reações químicas pelo contacto com a atmosfera? Mas agora compreendo perfeitamente que é a temperatura que determina a cor da chama e que os produtos de reação são os mesmos.
Muito obrigada aos professores Carlos Oliveira e Marinho Lopes.
Não é bem isso. Eu compreendo que o cone exterior seja mais frio, por estar em contacto com o ambiente. Estava a pensar mais nas radiações envolvidas. Mas decerto é uma pergunta sem lógica.
Obrigada.
Olá Graciete,
Eu também não compreendo bem a questão. No interior do cone pode ser mais quente, mas ser na mesma (ainda) azul. Chamas muito mais quente poderão ter uma tonalidade branca no seu interior. Também a emissão em gamas não visíveis irá aumentar.
Cumprimentos,
Marinho
Eu compreendo bem a relação entre a temperatura e cor da radiação. A energia calorífica ligada ao comprimento de onda da radiação vermelha é menos intensa, ao contrário do que acontece com a cor azul. O calor é uma forma de energia menos nobre, digamos assim.Mas, de repente, surgiu-me uma dúvida. Então o que se passará no cone interior de uma chama, muito mais quente, mas azul? Será a Química a justificá-lo? Eu acho que deveria saber, mas os meus conhecimentos andam a fugir-me muito!!!!
Um abraço.
Graciete, pode explicar melhor a sua questão?
Está a perguntar porque o fogo “exterior” é mais frio, vermelho, porque está influenciado pelo ambiente exterior… enquanto o cone interior da chama é mais quente, azul, porque é donde a energia está a vir?
Acrescento que já respondi a uma questão semelhante no meu artigo sobre o fogo:
http://www.astropt.org/2014/05/21/o-fogo/ (Veja os comentários)
A temperatura medida na experiência do Hershel corresponde à temperatura do material usado (num termómetro de mercúrio, corresponde à temperatura do mercúrio), a qual depende não só da temperatura ambiente, mas também da radiação incidente. Mas não toda! O material absorve mais luz (radiação) para certos comprimentos de onda, do que para outros (o comprimento de onda caracteriza a radiação incidente). No caso da experiência do Hershel, o termómetro absorvia mais luz infra-vermelha do que luz visível, fazendo com que o termómetro onde esta incidiu tenha ficado mais quente (ainda que a luz visível fosse mais “energética”, isto é, tivesse um comprimento de onda menor).
Cumprimentos,
Marinho
Pois é, fiquei confuso. Em um episódio de COSMOS do Tyson ele afirma que a cor vermelha é a mais quente…
Não seria a azul com maior energia, mas com menor intensidade na terra? Ou seja, a luz vermelha tem menos energia por fóton,no entanto tem uma intensidade maior (mais fótons) que compensa isso e a faz esquentar mais…
Sei ĺá
Olá,
Está a falar deste episódio com a experiência de Hershel, certo?
http://evolution.about.com/od/Cosmos/fl/Cosmos-A-Spacetime-Odyssey-Recap-Episode-105.htm
“Herschel set up a prism that shown different colors onto a surface. He placed thermometers in each band of color and another one outside of the spectrum as a control. A control always lacks the thing that is being tested so that way you know it the variable that is responsible for any difference in data. In Herschel’s experiment, he was trying to determine if color and temperature were related, so his control was a thermometer that was not in the sunlight at all. Herschel comes back to check some time later and finds red light is warmer than blue light. Strangely enough, the control thermometer had an even higher temperature than the red light thermometer.
He had just discovered a new type of unseen light. Tyson tells us this light is called “infrared”, with the prefix “infra” meaning “below”. We can’t see this light, but we can feel it as heat. This is a really big discovery, but there were still greater secrets hiding deep inside the light.”
Note que isso foi para explicar a descoberta de energia não visível.
Aliás, Tyson também diz que o termómetro à sombra (de controlo) tinha temperatura mais elevada que comprimento de onda azul ou vermelho.
A resposta a isto foi a descoberta de luz infravermelha. É a luz infravermelha que chamamos popularmente de calor.
No entanto, a energia não vem só em calor (infravermelho). A energia do Sol vem também, por exemplo, em luz, radiação visível, por exemplo.
O comprimento de onda invisível do lado do “azul” tem muito mais energia. Chama-se ultravioleta.
Por isso é que se você ficar muito tempo ao Sol, o infravermelho (menor energia) pode provocar-lhe escaldões, mas o ultravioleta (mais energia) pode provocar-lhe tumores na pele.
Assim, na direção do azul, como ultravioleta e ainda mais os raios gama, tem mais energia e consequentemente uma maior temperatura.
Veja este diagrama:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/cf/EM_Spectrum_Properties_edit.svg
abraços!
Pior, nas lâmpadas o quente e frio também está “trocado” fico sempre baralhado com isso.