Ilustração da viagem da água, desde a nuvem molecular progenitora do Sol até à sua incorporação nos planetas.
Crédito: Bill Saxton/NSF/AUI/NRAO.
A água foi crucial no desenvolvimento da vida na Terra, pelo que a identificação da sua origem poderá ajudar a estimar a probabilidade da existência de vida noutros planetas. Uma equipa de investigadores abordou esta questão num estudo recentemente publicado na revista Science, e concluiu que uma parte importante da água no Sistema Solar poderá ter vindo de pequenos fragmentos de gelo de água formados no espaço interestelar. Esta descoberta sugere que a água é um ingrediente amplamente disponível para a formação de planetas, o que tem profundas implicações na abundância de sistemas planetários com planetas potencialmente habitáveis.
A água está em toda a parte no Sistema Solar. Podemos encontrá-la não só nos oceanos da Terra, mas também no interior de crateras permanentemente sombrias nas regiões polares de Mercúrio, no regolito da superfície da Lua, nas calotes polares de Marte, nas luas geladas dos gigantes gasosos, nos gelos dos cometas, ou nas rochas dos asteroides carbonáceos. Sendo os objetos mais primitivos do Sistema Solar, os cometas e os asteroides são particularmente interessantes porque retêm os traços gerais das condições presentes nos primórdios da formação dos planetas. Contudo, apesar de fornecerem informações inestimáveis acerca da distribuição de compostos voláteis logo após o nascimento do Sol, a origem da água nestes objetos permaneceu até hoje um mistério.
No início da formação do Sistema Solar, o Sol encontrava-se rodeado por um disco protoplanetário, a partir do qual viriam a emergir a Terra e os outros planetas. No entanto, até agora, os cientistas não sabiam se as partículas de gelo, que nesta altura vagueavam em redor do Sol, seriam as mesmas da nuvem molecular progenitora da nossa estrela, ou se esta água interestelar teria sido destruída e recriada por reações químicas no interior do disco protoplanetário.
“Porque é que isto é importante? Se nos primórdios do Sistema Solar, a água foi principalmente herdada do gelo proveniente do espaço interestelar, então é provável que gelos semelhantes, junto com a matéria orgânica prebiótica que contêm, sejam abundantes na maioria ou em todos os discos protoplanetários, em redor de estrelas em formação”, explicou Conel Alexander, investigador do Instituto Carnegie de Washington, nos Estados Unidos, e coautor deste trabalho. “Mas se a água presente nos primórdios do Sistema Solar foi, em grande parte, resultante de processamento químico local, durante o nascimento do Sol, então é possível que a abundância de água nos sistemas planetários em formação varie consideravelmente, o que obviamente teria implicações no potencial para o aparecimento de vida noutros locais.”
O planeta azul visto pela sonda MESSENGER, a 02 de agosto de 2005.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington/Gordan Ugarkovic.
Para determinarem o cenário mais provável, os investigadores focaram-se no hidrogénio e no seu isótopo mais pesado, o deutério. Os isótopos são átomos do mesmo elemento, mas com um número diferente de neutrões. A diferença de massa influencia de forma subtil o comportamento dos diferentes isótopos nas reações químicas, pelo que a razão de deutério/hidrogénio (D/H) nas moléculas de água varia de acordo com as condições em que estas são criadas.
Como no espaço interestelar a água é formada a temperaturas muito baixas e sob intensa radiação cósmica, as moléculas de água interestelares tendem a ter uma razão D/H cerca de seis vezes superior às encontradas na Terra e noutros corpos do Sistema Solar. Para esclarecerem a origem do deutério no Sistema Solar, os investigadores criaram modelos que simulam um disco protoplanetário desprovido de deutério. Partindo desta condição inicial, a equipa testou a formação de água com deutério, também conhecida por água pesada, durante um período de um milhão de anos. O objetivo deste exercício foi verificar se o sistema poderia atingir as razões D/H observadas em amostras de meteoritos, nos oceanos terrestres, e nos cometas.
“Deixámos a química evoluir ao longo de um milhão de anos – o tempo de vida típico de um disco protoplanetário – e descobrimos que os processos químicos no disco eram ineficientes na formação de água pesada por todo o Sistema Solar”, afirmou Ilsedore Cleeves, investigadora da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e primeira autora do trabalho. “O que isto implica é que, se o disco planetário não produziu a água, então herdou-a. Consequentemente, uma fração da água no nosso Sistema Solar é mais antiga que o Sol.”
Cleeves e colegas estimaram que 7 a 50% da água presente nos nossos oceanos terá tido origem no meio interestelar! “Estes resultados têm implicações bastante emocionantes”, acrescenta Cleeves. “Se a formação da água fosse um processo local (…), a quantidade de água e de outros ingredientes químicos importantes, necessários para a formação da vida, poderia variar de sistema para sistema. No entanto, porque alguns dos gelos quimicamente ricos da nuvem molecular são diretamente herdados, os jovens sistemas planetários têm assim acesso a estes importantes ingredientes.”
Podem encontrar todos os pormenores deste trabalho aqui.
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