Descoberta nuvem de gelo de metano na estratosfera de Titã

nuvem_estratosferica_metano_polo_norte_Tita_VIMS_Cassini_291206Nuvem estratosférica de metano fotografada pelo espectrómetro VIMS da sonda Cassini, a 29 de dezembro de 2006.
Crédito: NASA/JPL/University of Arizona/LPGNantes.

Cientistas identificaram uma nuvem de gelo de metano de grandes dimensões, pairando a uma altitude inesperadamente elevada, sobre a região do polo norte de Titã. Fotografada pela Cassini em dezembro de 2006, a estrutura tem características semelhantes às nuvens nacaradas – nuvens estratosféricas com irisação muito acentuada, semelhantes a cirros ou altocúmulos, formadas durante os meses de inverno, sobre as regiões dos polos terrestres.

“É completamente nova esta ideia de que se poderiam formar nuvens de metano a esta altitude, em Titã”, afirmou Carrie Anderson, investigadora da missão Cassini, e primeira autora deste trabalho. “Ninguém considerava isto possível.”

Sob as condições gélidas de Titã, o metano mimetiza o comportamento da água na Terra. Durante a primavera, as latitudes mais elevadas de Titã vão sendo progressivamente aquecidas, o que promove a vaporização do metano nos mares e lagos das regiões polares, e a sua ascensão até às regiões mais frias da troposfera, a camada mais baixa da atmosfera. A acumulação de metano nestas regiões conduz à formação de nuvens, que por sua vez produzem precipitação, devolvendo assim o metano à superfície.

A nuvem agora descoberta formou-se em plena estratosfera, a camada atmosférica situada logo acima da troposfera. Os cientistas tinham já observado outras nuvens nesta região, incluindo nuvens muito finas e difusas resultantes da condensação de compostos como o etano (C2H6), uma molécula formada pela decomposição fotoquímica do metano, e o dicianoacetileno (C4N2), o cianoacetileno (HC3N) e o ácido cianídrico (HCN), compostos resultantes de reações químicas entre os subprodutos do metano e o azoto atmosférico.

A presença de nuvens de metano na estratosfera de Titã era, no entanto, até agora, considerada altamente improvável. Uma vez que a troposfera aprisiona grande parte do vapor de metano, a sua condensação a altitudes mais elevadas requer temperaturas extremamente baixas na tropopausa (a fronteira entre a troposfera e a estratosfera, situada cerca de 40 a 44 quilómetros acima da superfície). Dados obtidos pelo instrumento HASI (Huygens Atmospheric Structure Instrument) da sonda Huygens, em janeiro de 2005, revelaram, porém, uma temperatura na tropopausa próxima dos -203 ºC, um valor ainda assim demasiado elevado para permitir a formação de nuvens de metano nesta região.

Estas medições foram realizadas cerca de 10º a sul do equador de Titã. No entanto, dados mais recentes, obtidos pelo instrumento CIRS (Composite InfraRed Spectrometer) da Cassini, sugerem que a distribuição das temperaturas na tropopausa não é homogénea, e que sobre os polos esta camada é aproximadamente 6º C mais fria do que nas regiões equatoriais. A diferença é suficientemente grande para se formarem cristais de gelo de metano na estratosfera sobre os polos, o que poderia explicar a presença da nuvem observada em 2006, sobre a região do polo norte de Titã.

De acordo com a equipa liderada por Anderson, esta identificação é suportada por outras evidências. A estrutura tinha uma altitude máxima de 55 quilómetros e apresentava uma opacidade relativamente elevada, em particular, a altitudes próximas dos 35 quilómetros, o que requer a presença de partículas com dimensões superiores a 10 µm. Ambas as condições sugerem o gelo de metano como único candidato viável para a composição dos cristais de gelo no interior da nuvem.

O mecanismo de formação destes sistemas de grande altitude parece ser diferente do que acontece na troposfera. Titã tem um padrão de circulação global, no qual o ar quente proveniente do hemisfério estival ascende até à estratosfera, circulando depois, lentamente, em direção ao polo hibernal. Quando atinge esta região, a ar afunda de regresso à superfície, arrefecendo durante a descida, o que permite a formação das nuvens estratosféricas de metano.

“A Cassini tem estado constantemente a reunir evidências deste padrão de circulação global, e a identificação desta nova nuvem de metano é outro forte indicador de que este processo funciona tal como nós pensamos”, disse Michael Flasar, investigador principal da equipa responsável pelo instrumento CIRS, e um dos coautores deste trabalho.

Tal como as nuvens nacaradas da Terra, a nuvem de metano agora identificada encontrava-se nas proximidades do polo hibernal, acima da latitude 65º N. Anderson e colegas estimam que a concentração de metano nestas regiões permita a formação destas estruturas em Titã, a uma altitude entre os 48 e os 20 quilómetros.

Estes resultados foram divulgados num artigo recentemente publicado na revista Icarus. Podem encontrá-lo aqui.

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