O Sistema Solar Visto à Distância

O que veríamos se pudéssemos observar o nosso Sol a uma distância de dezenas ou mesmo algumas centenas de anos-luz? Para além da nossa estrela conseguiríamos detectar alguma evidência que nos permitisse inferir a existência de um sistema planetário em seu redor? Imagens fantásticas de um conjunto de estrelas semelhantes ao Sol dão-nos uma ideia do que poderíamos esperar.

O Sistema Solar formou-se há cerca de 4.6 mil milhões de anos a partir de um fragmento de uma nuvem de hidrogénio molecular, num frio intenso e escuridão quase completa. Em torno do Sol em formação existiu um disco rotativo de gás, rochas, metais e, mais longe do Sol, gelos de vários tipos. Foi com a matéria prima existente neste disco protoplanetário que se formaram, ao longo de muitos milhares de anos, os planetas, asteróides, cometas e restantes corpos do Sistema Solar. Ao fim de milhões de anos o gás e as partículas de rocha e gelo outrora abundantes no disco, desapareceram quase por completo, eliminados pela interacção com o vento e a radiação solar, ou capturados pela gravidade de corpos maiores como planetas e asteróides.

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[O disco protoplanetário da estrela jovem HL Tauri, situada na nuvem molecular do Touro-Cocheiro, a 450 anos-luz, observado em comprimentos de onda submilimétricos. A HL Tauri está no centro do disco. Os anéis negros correspondem a zonas onde o gás e poeira foram capturados por planetas embrionários que orbitam a estrela a essa distância. Crédito: ALMA (ESO/NAOJ/NRAO).]

A grande distância do Sol, para lá da órbita de Neptuno, o que restou do material do disco protoplanetário deu origem a uma enorme população de objectos celestes formados por rocha e, principalmente, gelos de várias moléculas como a água, monóxido de carbono, dióxido de carbono, metano e nitrogénio, entre outros. A esta região do Sistema Solar dá-se o nome de Cintura de Edgeworth-Kuiper, em memória dos dois cientistas que propuseram a sua existência. Os objectos que aí deambulam são designados de KBOs (Kuiper Belt Objects). A maioria dos KBOs são pequenos, com poucos km de extensão, mas há uma minoria com dimensões consideráveis da qual são representantes Plutão e Eris. Estima-se que existam pelo menos 70 mil KBOs com diâmetros superiores a 100km.

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[Representação artística da Cintura de Edgeworth-Kuiper com uma infinidade de objectos de pequena dimensão e poeira de rocha e gelo formada nas colisões entre objectos. Crédito: NASA/JPL-Caltech.]

A grande quantidade de KBOs torna a possibilidade de uma colisão bem real. Um tal evento liberta uma infinidade de partículas de gelo e rocha que se espalham pelo espaço envolvente e entram em órbita do Sol. Estas partículas dispersam a luz do Sol de forma muito eficiente pelo que, se ocorrer um número suficiente de colisões entre KBOs num intervalo de tempo de alguns milhares de anos, a densidade destas partículas no disco atinge níveis que permitem que este seja visível a uma distância de dezenas ou centenas de anos-luz. Estas colisões podem ocorrer em qualquer altura na evolução de um sistema planetário. No entanto, simulações realizadas em computador sugerem que durante a juventude do Sistema Solar a densidade de poeira na Cintura de Edgeworth-Kuiper era muito superior à actual, aumentando a probabilidade de colisões e, consequentemente, a sua visibilidade.

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[Discos de poeira de rocha e gelo em torno de 5 estrelas com idades entre os 10 milhões e os mil milhões de anos. Os discos têm diferentes orientações no espaço — uns vistos de frente, outros de perfil. A mancha escura no centro dos discos é o local onde se encontra a estrela central, ocultada pelo coronógrafo do instrumento STIS do Telescópio Espacial Hubble. Compare-se o tamanho do disco com o da órbita de Neptuno em cada exemplo. Crédito:NASA, ESA, e Z. Levay (STScI).]

Os astrónomos pensam, e com boas razões para isso, que o cenário geral descrito nos parágrafos anteriores para o Sistema Solar é válido para as outras estrelas e respectivos sistemas planetários. No entanto, não há dois sistemas iguais. Imagens recentes obtidas com o Telescópio Espacial Hubble mostram uma grande variedade de formas nos discos de partículas em torno de estrelas próximas do Sol. Estes discos aparecem a distâncias semelhantes à da Cintura de Edgeworth-Kuiper no Sistema Solar, o que reforça a ideia de que resultam de colisões de objectos ricos em gelo nessa região do respectivo sistema planetário. As imagens foram obtidas na banda do espectro visível com um dos instrumentos do Hubble, o STIS (Space Telescope Imaging Spectrograph). O STIS inclui um coronógrafo, um dispositivo que permite bloquear a luz de uma fonte de luz intensa — e.g., uma estrela — para que seja possível observar objectos de luminosidade débil em seu redor.

Os discos observados são extraordinários pela sua variedade, com anéis assimétricos, deformados, curvados nas extremidades, provavelmente devido à interação gravitacional com planetas nos respectivos sistemas planetários (não visíveis nas imagens) ou com estrelas que atravessam a vizinhança do sistema. Se as deformações forem provocadas por planetas as suas órbitas devem ser consideravelmente diferentes das dos planetas do Sistema Solar, e.g., muito inclinadas relativamente ao plano do disco ou com excentricidades muito elevadas. Observado à distância, o Sistema Solar, se tivesse um disco detectável, teria provavelmente um aspecto mais simétrico e regular, semelhante talvez ao da estrela HD107146, na figura seguinte.

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[Mais discos de poeira (alguns repetidos da figura anterior) observados pela equipa de Glenn Schneider com o telescópio Hubble. Crédito: NASA, ESA, G. Schneider (Universidade do Arizona) e equipa HST/GO-12228.]

As estrelas fotografadas pelo Hubble têm idades entre 10 milhões e mil milhões de anos o que mostra que estes discos de poeiras podem formar-se em momentos distintos na evolução de um sistema planetário. As imagens foram obtidas no âmbito de um projecto liderado pelo astrónomo Glenn Schneider, da Universidade do Arizona, que pretende fazer um censo detalhado de estrelas que apresentam discos visíveis.

(Fonte: STScI)

4 comentários

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  1. Excelente artigo! 😀

    • Samuel Junior on 14/11/2014 at 15:05
    • Responder

    Excelente texto, como o nosso universo é o máximo. 😀

    • Graciete Virgínia Rietsch Monteiro Fernanbdes on 13/11/2014 at 21:29
    • Responder

    Tão lindo!!!! É um prazer consultar o AstroPT. Espero melhorar para continuar a caminhada.

    1. Graciete, as melhoras! 😉

  1. […] Há ano e meio, saiu uma notícia sobre a estrela HL Tauri, em que o ALMA tinha feito uma imagem espetacular do disco de poeira ao redor da estrela, mostrando gaps, ou vazios, que poderiam estar relacionados com a presença de planetas recém-formados. Leia aqui e aqui. […]

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