Neste artigo, entre outros temas, vou abordar a precessão dos equinócios, as fases da Lua, e os eclipses lunar e solar. Na parte I falei-vos dos movimentos que o nosso planeta descreve, rotação e translação, bem como as suas consequências. Expliquei ainda a origem das estações do ano. No final, de modo a suscitar o vosso interesse para esta segunda parte, informei-vos que daqui a uns milhares de anos o Natal será a meio do Verão (no hemisfério Norte)! Como é que tal será possível? É fácil! Se as estações do ano se devem à inclinação do eixo de rotação da Terra, então basta que o eixo não esteja fixo. Recordo aqui a animação que coloquei na primeira parte: Como podem ver, é Verão no hemisfério terrestre que recebe mais luz do Sol. Os hemisférios Sul e Norte não recebem (em simultâneo) a mesma “quantidade” de luz devido à inclinação (do eixo) da Terra, como vêem nesta figura. Concretizando, em Agosto temos o Verão no hemisfério Norte, e o Inverno no hemisfério Sul, porque o hemisfério Norte aparece “inclinado” em direcção ao Sol. Passados 6 meses, em Fevereiro, a Terra deu meia volta em torno do Sol, mantendo a mesma inclinação em relação ao plano da órbita, o que significa que agora o Sol aparece-lhe “do outro lado”, e como tal nesta altura temos o hemisfério Sul a receber mais luz. Como disse, para que o hemisfério Norte possa festejar o Natal no Verão, tal implica que esta inclinação do eixo tenha que variar, em particular, teremos que ter o hemisfério Norte “inclinado” para o “lado do Sol” em Dezembro. De facto tal irá acontecer, porque o eixo não está fixo! A este efeito de alteração de orientação do eixo terrestre dá-se o nome de precessão dos equinócios. O fenómeno de precessão não é exclusivo do eixo de rotação da Terra. Um peão também sofre precessão da mesma forma:
Não quero aqui discutir em detalhe a Física que concerne a precessão (ficará para um artigo futuro onde irei abordar giroscópios), pelo que digo-vos apenas que no caso da Terra o efeito resulta do facto de o planeta não ser uma esfera perfeita e uniforme, o que faz com que hajam efeitos gravíticos do Sol e da Lua sobre o eixo de rotação terrestre. Assim, a orientação do eixo de rotação varia periodicamente ao longo do tempo. O período é de cerca de 26 mil anos, o que implica que daqui a 26 mil anos tudo estará como está agora. Daqui a meio período, isto é, 13 mil anos, as estações do ano estarão invertidas, o que significa que poderemos ter o Natal e o Carnaval no Verão (no hemisfério Norte, enquanto que no hemisfério Sul será Inverno). Nessa altura, a Estrela Polar não irá indicar o Norte (no hemisfério Norte)! Notem que a Estrela Polar indica actualmente o Norte, porque o eixo de rotação está alinhado com ela. É por isso que no decorrer da noite esta estrela não muda de lugar: A Terra roda, mas a Estrela Polar mantém a sua posição no céu nocturno (de dia também lá está, mas o Sol é suficientemente brilhante para nos impedir de a ver). Em contraste, todas as outras estrelas rodam aparentemente no céu (a Terra é que roda). A animação de cima, bem como a primeira imagem deste artigo mostram isto mesmo: são fotos de longa exposição, o que é equivalente a uma sobreposição de várias fotos tiradas com um pequeno intervalo de tempo entre elas. Os arcos de circunferência são desenhados pelos trajectos que as estrelas fizeram aparentemente no céu durante o tempo em que foram tiradas as fotos. A Estrela Polar aparece no centro destes arcos de circunferência (não na primeira foto, porque essa foi tirada no hemisfério Sul). Como a orientação do eixo da Terra vai mudar, a Estrela Polar deixará de nos indicar o Norte. Daqui por 12 mil anos poderemos usar a estrela Vega (que é uma das estrelas mais brilhantes no céu nocturno). Por outras palavras, nessa altura o eixo da Terra estará a apontar para essa estrela. Faço aqui uma nota: o leitor sabe como encontrar a Estrela Polar no céu? Não, não é a estrela mais brilhante! Primeiro identifica a Ursa Maior (constelação em forma de mata-moscas com 7 estrelas bastante brilhantes, sendo a sua identificação normalmente fácil):
“Big Dipper” corresponde à Ursa Maior, enquanto que a “Little Dipper” é a Ursa Menor. A “Polaris” é a Estrela Polar.
De seguida, traça “virtualmente” a linha da seta como na imagem acima. Esta linha imaginária mede cerca de cinco vezes a distância (aparente) entre as duas estrelas da Ursa Maior da qual a seta parte. A Estrela Polar é então fácil de identificar nesta zona do céu, porque é bastante mais brilhante que as outras suas vizinhas (notar que identificar a Ursa Menor não é muito fácil, a menos que o leitor procure uma zona bastante escura para observar o céu, longe da poluição luminosa das cidades; nesse caso a Polar é a estrela da “cauda” da Ursa Menor, como indica a imagem de cima). Uma vez que a Polar está alinhada com o eixo de rotação, isso significa que se estivermos no Pólo Norte a Estrela Polar aparece-nos no zénite, ou seja, por cima da nossa cabeça. Como é evidente, neste local não consegue indicar o norte. À medida que nos distanciamos do Pólo Norte em direcção ao Equador da Terra, a posição da Estrela Polar vai ficando cada vez mais baixa (próxima do horizonte, que é como que a linha imaginária que separa o céu da Terra, veja a imagem abaixo.)
A linha do horizonte é a linha mais ou menos horizontal que divide o céu das montanhas nesta foto.
No hemisfério Sul não conseguimos ver a Estrela Polar, porque a Terra está literalmente a “estorvar”, claro. Caso o leitor se sinta um pouco confuso com esta explicação, convido-o a imaginar o problema, considerando uma esfera (Terra) e um ponto distante no espaço. Ao colocar um observador em diferentes locais da superfície da esfera, o ponto distante irá aparecer em posições aparentes diferentes para o observador. O leitor poderá perguntar: como pode a Estrela Polar aparecer sempre no mesmo sítio no céu nocturno tendo em consideração que a Terra tem um movimento de translação em torno do Sol? O leitor refere-se ao efeito de paralaxe (discutido no artigo das medições astronómicas para calcular a distância da Terra a uma estrela distante). De facto, este efeito faz com que a posição aparente da estrela varie um pouco, mas muito pouco, porque a Estrela Polar está muito distante. Este é um efeito bastante simples que o leitor pode comprovar: se focar os seus olhos num objecto próximo (o seu polegar, por exemplo), se fechar alternadamente o olho esquerdo e o olho direito verifica que a posição aparente do polegar muda, sendo que o desvio é tanto maior quanto mais próximo estiver o polegar dos seus olhos. Se olhar para um objecto muito distante, fechar alternadamente os seus olhos não irá alterar a posição aparente do objecto. Nesta analogia, a distância entre os olhos equipara-se ao diâmetro da órbita da Terra em torno do Sol (considerando em boa aproximação a órbita circular). Voltando à precessão dos equinócios, como o ciclo demora 26 mil anos, tal implica que o leitor durante a sua vida não irá constatar alterações significativas nas estações do ano devido a este fenómeno. O fenómeno só é apreciável a uma escala de milhares de anos. Aqui surge-nos a Astrologia, inventada há milhares de anos, a qual tenta correlacionar a vida de cada um de nós com a posição dos astros. A correlação não existe, e os astrólogos nem se preocuparam em actualizar a posição dos astros tendo em conta a precessão dos equinócios (como referi no artigo Astronomia versus Astrologia). Se o signo do leitor for o Leão, por exemplo, fique sabendo que isso era verdade há milhares de anos, mas não agora: será Caranguejo (aproximadamente um signo “para trás”). Mas não se preocupe em passar a ler as previsões para o seu “novo” signo, porque a aldrabice é a mesma. Passo agora a um outro movimento celeste, o mais fácil de reparar no céu nocturno. A protagonista é a Lua, que periodicamente nos mostra diferentes fases (ainda que a face seja sempre a mesma, como discuti no artigo sobre o efeito de maré). A Lua demora pouco menos de um mês a dar uma volta em torno da Terra, e enquanto dá essa volta, aparece-nos de formas diferentes durante a noite: A imagem de cima mostra o movimento da Terra em torno do Sol distante durante aproximadamente 1 mês, bem como o movimento da Lua em torno da Terra. Para diferentes posições da Lua em relação à Terra e ao Sol, temos sucessivamente Lua Nova (1), Quarto Crescente (3), Lua Cheia (5), Quarto Minguante (7), e novamente Lua Nova (9). A área verde na última Lua Nova representa o trajecto que a Lua teve que fazer a mais para voltar a apresentar-se como Lua Nova. Confuso? O leitor recorda-se da distinção entre dia sideral e dia solar apresentada na primeira parte? Neste caso temos algo semelhante: a Lua demora 27.3 dias a dar uma volta em torno da Terra, contudo, como a Terra também anda em torno do Sol, isto implica que a posição relativa da Terra, Sol e Lua sejam diferentes passados 27.3 dias (mês sideral), pelo que a Lua tem que “andar” um pouco mais de modo a ter a mesma aparência no céu nocturno. Assim, o chamado mês sinódico tem 29.5 dias, e corresponde ao período completo que a Lua leva a repetir a sua fase. A posição do Sol é importante porque nós vemos a luz que a Lua reflecte. A Lua em si reflecte sempre a mesma “quantidade” de luz (exceptuando eclipses lunares), mas dependendo da sua orientação em relação à Terra, podemos receber mais ou menos luz (em Lua Nova, a luz é reflectida em direcção ao Sol, não chegando à Terra nenhuma luz proveniente dessa reflexão). Pela imagem podem tirar uma conclusão óbvia: o Sol, a Terra e a Lua não estão no mesmo plano. Se estivessem, não conseguiríamos ver a Lua Cheia, porque a Terra estaria à frente do Sol, impedindo que a luz solar iluminasse a Lua. Notem que na imagem as fotos das fases da Lua correspondem àquilo que podemos ver no hemisfério Norte. No hemisfério Sul observa-se o simétrico (em relação a um eixo de simetria vertical). Por outras palavras, enquanto que em Portugal chamamos mentirosa à Lua por ela se nos apresentar na forma de um ‘C’ enquanto “diminui” de tamanho, e de um ‘D’ quando “cresce”; já no Brasil a Lua não é mentirosa!… Um outro aspecto que se pode compreender da análise da imagem de cima é sobre o porquê de a Lua não aparecer sempre há mesma hora no céu. Como se deve depreender da imagem e do senso comum, em Lua Nova, a Lua não aparece, enquanto que em Lua Cheia podemos contemplar a Lua durante toda a noite. No caminho intermédio entre os dois extremos, temos a noite a aparecer à tarde e a pôr-se cedo, enquanto “cresce”. Depois de passada a Lua Cheia, a Lua vai aparecendo cada vez mais tarde, à medida que “decresce”, aparecendo já só de madrugada antes de voltar a ser Lua Nova. Desafio o leitor a tentar compreender isto apenas analisando a imagem de cima (bastará considerar cada um dos casos representados na figura de cima, e imaginar a Terra a rodar sobre si própria – durante um só dia poderá considerar a posição da Lua e do Sol fixos). Já agora acrescento que a órbita da Lua em torno da Terra não é um círculo perfeito, é uma elipse. Consequentemente, por vezes está mais próxima, outras vezes está um pouco mais distante. Quando calha a estar mais próxima e a ser Lua Cheia, dá-se aquilo a que chamamos uma Super Lua, onde a Lua aparenta ser ligeiramente maior (muito ligeiramente). E os eclipses, como é que ocorrem? Já dei a dica essencial em cima: se a Lua, a Terra, e o Sol ficarem no mesmo plano e em linha, então teremos um eclipse. Eclipsar significa tornar invisível, por isso, um eclipse lunar ocorre quando a Lua desaparece do céu nocturno devido à presença da Terra, que impede que a luz do Sol ilumine a Lua. Como é evidente, este eclipse acontece durante a Lua Cheia e é observado de noite: Em Lua Nova, temos a situação contrária, isto é, neste caso é a Lua que se coloca à frente da Terra, impedindo a luz solar de chegar à Terra. Como a Lua é relativamente pequena (e tendo em conta a sua distância em relação à Terra), é difícil termos a sorte de estar num local onde a luz solar seja totalmente impedida de nos chegar aos olhos. (É escusado referir que este eclipse ocorre durante o dia.) Não temos eclipses todos os meses porque o plano orbital da Lua não coincide com o plano orbital da Terra (em torno do Sol). Os planos intersectam-se, e de vez em quando temos a sorte de encontrar os três astros alinhados (todos estes movimentos são bem conhecidos, de modo que é possível prever com a antecedência que se desejar o próximo eclipse). Faço notar também que é tão provável ter um alinhamento perfeito para um eclipse lunar como para um eclipse solar. Contudo, tendo em conta que a Terra oculta muito mais facilmente de forma parcial ou completa a Lua, do que a Lua oculta o Sol, é então muito mais fácil observar eclipses lunares. Uma vez tendo referido eclipses, para completar, tenho que referir a “eclíptica”. Como já aqui referi várias vezes (neste artigo e na primeira parte), a órbita da Terra em torno do Sol define um plano, o plano da eclíptica: O nome provém do facto de os eclipses ocorrerem quando a Lua intersecta este plano (em linha com a Terra e com o Sol). No céu diurno, o Sol tem um dado trajecto que corresponde a este plano. O leitor está recordado que o sistema solar aparenta a forma de um disco como na imagem seguinte? Isto significa que os planetas do sistema solar (a despromoção do Plutão já foi discutida noutro artigo) partilham (mais ou menos) a mesma eclíptica. Consequentemente, o trajecto que o Sol faz de nascente para poente no céu diurno é acompanhado por semelhante trajecto, em “linhas” bastante próximas, por todos os planetas do sistema solar (se não está a compreender a que “linhas” me refiro, recorde a antepenúltima imagem da primeira parte). A Lua também anda lá perto, porque a inclinação da sua órbita em relação à eclíptica é de apenas 5º.
A própria galáxia (Via Láctea) tem a forma de um disco (em espiral, como referido na primeira parte). Este disco define um plano que não coincide com a eclíptica, mas que também define uma “linha” no céu, sendo a mesma bem visível no céu nocturno (principalmente em locais escuros, longe da poluição luminosa): O nome “Via Láctea” tem origem neste espectáculo visual, claro. Esta “via” é definida pelos milhares de milhões de estrelas que constituem a nossa galáxia. A galáxia não é um disco perfeito, pelo que também encontramos muitas outras estrelas dispersas pelo céu. Todas as estrelas que vêem no céu pertencem à nossa galáxia! Com um pequeno telescópio é possível observar outras galáxias, as quais aparecem ao telescópio como uns pequeníssimos aglomerados de pontinhos luminosos.
Se o leitor gostar de Astronomia e se tiver um smartphone, recomendo-lhe a instalar a aplicação “Google Sky Map”, a qual o ajudará a identificar as constelações, estrelas e planetas visíveis no céu nocturno. No seu computador poderá instalar o Stellarium, com o qual poderá conhecer melhor o céu nocturno, bem como planear futuras observações. Por outro lado, informo que no Verão a Ciência Viva organiza o “Astronomia no Verão” (em Portugal), em que é dada a oportunidade grátis a qualquer pessoa de observar o céu em inúmeros pontos do país através de telescópios (se nunca experimentou, fica o desafio). Infelizmente, a descoberta de como iluminar as nossas cidades conduziu a um ofuscar da beleza dos céus. Contudo, a beleza permanece “lá”, só exige que procuremos o lugar certo para a apreciar.
“Quem é que não rezou esta manhã ao Deus Sol?”
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[…] mais alto. Por outro lado, se o Sol estiver alto, os 42º fazem-vos olhar para um ponto abaixo da linha do horizonte, de tal modo que será difícil visualizar um arco-íris. Realço que o arco-íris que vêem não […]
[…] Para saberem um pouco sobre os equinócios e os solstícios podem consultar este texto. […]