Planck e Van Gogh

A ciência cruza-se, não raras vezes, com a arte. As imagens produzidas para facilitar a visualização de dados são frequentemente de grande beleza. Não só permitem que compreendamos mais facilmente algumas características do Universo que nos rodeia, mas despertam também o mesmo prazer estético que sentimos quando apreciamos uma foto, uma pintura, um bailado ou uma música.

Lançado em 2009, o Observatório Planck, da ESA, foi concebido para realizar medições da radiação cósmica de fundo de microondas com uma precisão sem precedentes, a partir do ponto L2, a cerca de 1.5 milhões de km da Terra. O observatório recolheu dados de forma contínua, até se esgotar o hélio líquido que arrefecia os instrumentos e lhe permitia realizar as medições sem interferências da sua própria estrutura. A missão terminou oficialmente em Outubro de 2013, mas a quantidade de dados recolhida pelo Planck será alvo de estudo durante anos.

O Observatório Planck foi concebido para realizar observações muito precisas da radiação cósmica de fundo em microondas. Os dados por ele recolhidos são essenciais para a compreensão da formação e evolução do Universo, mas permitem também inferir informação importante sobre a estrutura da Via Láctea. Crédito: ESA.

O Observatório Planck foi concebido para realizar observações muito precisas da radiação cósmica de fundo em microondas. Os dados por ele recolhidos são essenciais para a compreensão da formação e evolução do Universo, mas permitem também inferir informação importante sobre a estrutura da Via Láctea. Crédito: ESA.

Esta semana está a decorrer em Ferrara, Itália, uma conferência sobre os resultados obtidos até à data, a partir dos dados recolhidos pelo Planck. Durante a conferência, circularam não oficialmente algumas imagens que permitem visualizar, com um detalhe nunca antes visto, a estrutura do campo magnético da Via Láctea. Para além de nos proporcionarem esta informação sobre a nossa galáxia, as imagens constituem verdadeiras obras de arte que fazem lembrar as vibrantes, quase alucinogénicas, paisagens nocturnas de Vincent Van Gogh.

As imagens, preparadas por Marc-Antoine Miville-Deschenes, investigador do CNRS e membro da missão Planck, cobrem regiões do céu com 30 por 30 graus e contêm informação sobre a temperatura da poeira interestelar e sobre a polarização de fotões com uma frequência de 353GHz. As cores são utilizadas para representar a temperatura da poeira interestelar, desde o mais frio (azul escuro), passando pelo azul claro, branco, amarelo, laranja, vermelho até ao preto (mais quente). A temperatura da poeira é inferida facilmente a partir dos dados do Planck, com base na luminosidade em diferentes comprimentos de onda, na região das microondas.

A esta informação térmica, Miville-Deschenes adicionou uma camada adicional, visível sob a forma de estrias, que representa a orientação do campo magnético da Via Láctea. Esta informação foi também inferida de dados recolhidos pelo Planck, mas de forma mais subtil do que a térmica. De facto, na presença de um campo magnético, como o que permeia o espaço interestelar, as partículas de poeira actuam como pequenos ímanes, alinhando os seus eixos magnéticos com as linhas do campo magnético local. Quando os fotões da radiação cósmica de fundo colidem com grãos de poeira alinhados desta forma, tornam-se polarizados, isto é, passam a vibrar preferencialmente numa determinada direcção. A polarização destes fotões foi medida pelo Planck em diferentes regiões do firmamento, permitindo reconstruir a estrutura do campo magnético interestelar. Miville-Deschenes usou depois a sua criatividade para encontrar uma forma efectiva e esteticamente apelativa de representar essa estrutura.

O campo magnético de um íman de barra é facilmente visualizado colocando-o sobre uma superfície coberta com limalha de ferro. As partículas de limalha alinham-se ao longo das linhas do campo. Estas linhas são análogas às estrias que vemos nas imagens de Miville-Deschenes, mas a estrutura do campo magnético da nossa galáxia é muito mais complexa.

O campo magnético de um íman de barra é facilmente visualizado colocando-o sobre uma superfície coberta com limalha de ferro. As partículas de limalha alinham-se ao longo das linhas do campo. Estas linhas são análogas às estrias que vemos nas imagens de Miville-Deschenes, mas a estrutura do campo magnético da nossa galáxia é muito mais complexa.

Deixo-vos com as imagens…

Arco complexo de poeira interestelar, na região das constelações Ursa Maior e Ursa Menor. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

Arco complexo de poeira interestelar, na região das constelações Ursa Maior e Ursa Menor. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

A constelação de Orionte e vizinhança. A maior mancha escura, quase no centro da imagem, corresponde à nebulosa de Orionte. Mais acima, à direita, está o complexo da Nebulosa da Chama e da Nebulosa da Cabeça de Cavalo. A Nebulosa da Roseta é visível no topo da imagem, ligeiramente à direita do centro. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

A constelação de Orionte e vizinhança. A maior mancha escura, quase no centro da imagem, corresponde à nebulosa de Orionte. Mais acima, à direita, está o complexo da Nebulosa da Chama e da Nebulosa da Cabeça de Cavalo. A Nebulosa da Roseta é visível no topo da imagem, ligeiramente à direita do centro. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

O plano galáctico na região das constelações austrais do Centauro, Mosca, Cruzeiro do Sul e Quilha. A Nebulosa da Eta Carinae é a maior mancha escura na imagem, à direita do centro. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

O plano galáctico na região das constelações austrais do Centauro, Mosca, Cruzeiro do Sul e Quilha. A Nebulosa da Eta Carinae é a maior mancha escura na imagem, à direita do centro. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

A Grande Nuvem de Magalhães, a maior galáxia satélite da Via Láctea. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

A Grande Nuvem de Magalhães, a maior galáxia satélite da Via Láctea. Crédito: ESA-Planck Collaboration e Marc-Antoine Miville-Deschenes.

1 comentário

    • Dinis Ribeiro on 13/12/2014 at 18:48
    • Responder

    Já nos anos 70 que em debates a que assisti quando era adolescente e que decorreram no “Palais de la Découverte” ( http://en.wikipedia.org/wiki/Palais_de_la_D%C3%A9couverte ) se debatia em público as influências mútuas entre as ideias da teoria atómica, a química e diversas expressões artísticas (precursoras?) tais como como por exemplo o pontiismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Pontilhismo … Van Gogh não era 100% pontilista… era talvez mais “ondulista”.

    …possuía muitas searas de trigo, vinhas e olivais, que transformaram-se na principal fonte de inspiração para os quadros seguintes, que marcaram nova mudança de estilo: as pequenas pinceladas evoluíram para curvas espiraladas…
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Vincent_van_Gogh

    Uma análise interessante mas talvez um pouco superficial:
    http://www.brainpickings.org/2014/11/13/van-gogh-starry-night-fluid-dynamics-animation/

    Curiosidade:
    http://www.citylab.com/commute/2014/11/this-dutch-city-built-a-glowing-van-gogh-bike-path-for-psychedelic-cyclists/382761/

    Sugestão:

    http://physicsworld.com/cws/article/news/2012/nov/01/spooky-action-with-twisted-beams

    This rather vivid Pointillist-style image depicts a feat of quantum physics, showing 20 photons entangled using their “orbital angular momentum”. It was created by researchers based in Austria, who say that the large amount of orbital momentum they have imparted to the photons paves the way for the entanglement of macroscopic objects. Giving photons orbital angular momentum means twisting a beam’s wavefront so that, as the beam travels forward, its wavefront rotates around the propagation axis. The false-colour image shows a laser beam exhibiting a superposition of 10 right-handed and 10 left-handed quanta of orbital angular momenta, making 20 bright spots on the inner ring. This research was also featured as one of our top 10 breakthroughs of 2012.

    The researchers say that the large amount of orbital momentum they have imparted to the photons paves the way for the entanglement of macroscopic objects and could also find applications in remote sensing and quantum computing.
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Computador_qu%C3%A2ntico & tanbém http://www.nas.nasa.gov/quantum/quantumcomp.html

    Mais fotos:
    http://physicsworld.com/cws/article/news/2012/dec/19/our-favourite-pictures-of-2012

    Para pensar:

    Quantum theorists often speak of the world as being pointillist at the smallest scales. Yet a closer look at the laws of nature suggests that the physical world is actually continuous—more analog than digital…
    http://www.scientificamerican.com/article/is-quantum-reality-analog-after-all/

    Para aprofundar: http://gow.epsrc.ac.uk/NGBOViewGrant.aspx?GrantRef=EP/C544951/1

    Citação do link acima:

    In the 19th century the impressionist painters invented a new style of painting.

    Actually, there were two schools of impressionist painters, with very different philosophies.

    One school was the `pointillists’. If you look closely at a pointillist painting you’ll see that it is constructed from individual dots of colour that are bit like ‘atoms’ of paint.

    The other school of impressionist painters–let’s call them the ‘ondulists’–painted in a very different way. From afar, an ondulist painting may look similar to a pointillist painting, but if you look closely you see just a vague wash of brushstrokes. No dots.

    Any ordinary material has a structure analogous to a pointillist painting. It may appear continuous, but will betray its atomic nature under sufficiently powerful magnification.

    Could there be extra-ordinary materials that are analogous to an ondulist painting?

    Well, there is a physical analogy of the ondulists’ method: holography.

    A laser holograph is a piece of film through which laser light is shone to produce a 3D image. An equally remarkable property of a holograph is that any small part of it can be used to produce the entire image! If the negative of an ordinary photograph is cut in half, and one half discarded, then one has lost half the image.

    Not so with a laser holograph; the whole image is still there, but fuzzier.The word material suggests something substantial, but modern physics, based on the ideas of quantum mechanics and Einstein’s theory of ‘general relativity’, views even the vacuum as a kind of material–let’s call it spacetime .

    Quantum mechanics, which tells us how the atoms of ordinary materials behave, also tells us that spacetime should have a ‘quantum’ structure. Until recently, we were pointillists, imagining some kind of atomic structure, but now our best theories hint that Nature is an ondulist, and that holography is the appropriate metaphor.

    My aim is to elucidate the fuzzy nature of quantum spacetime, and work out its consequences for the physical world, via what is called ‘M-theory’.

    In M-theory, the basic building blocks for matter are branes , which is a generic term derived from membranes for an extended object. M theory is not yet a true theory, but rather a collection of interlocking view points, in each of which one brane is dominant. From one such view point, M theory appears to be a theory of fivebranes .

    I aim to understand how this perspective may lead to a theory of quantum spacetime. …”

    Mais informação:

    1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria-M

    2) http://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_spacetime

    3) http://plus.maths.org/content/os/issue43/features/noncom/index

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