O leitor sabe que se deixar cair uma bola de uma dada altura, esta depois de embater com o chão não consegue alcançar uma altura superior àquela de onde foi largada. No entanto, se em vez de uma bola, usarmos duas bolas (por exemplo, uma de ténis e uma de basket como na imagem de cima), colocando a menor em cima da maior, e repetirmos a experiência, o resultado é bastante diferente:
Como vêem no vídeo, a bola mais pequena alcança uma altura muito maior que aquela de onde foi largada. Como é que tal é possível? Se o leitor aprendeu Física na escola, é possível que saiba a resposta à pergunta anterior. Saberá também deduzir qual a altura que a bola mais pequena consegue alcançar?
Em relação ao primeiro caso com uma só bola, esta não pode ultrapassar a altura inicial de onde foi largada devido à conservação da energia (leia o artigo das Leis da Conservação e também o artigo sobre os pêndulos). Nas demonstrações abaixo irei aplicar esta lei. A bola nem chega a alcançar a altura inicial, porque a resistência do ar fá-la perder energia, e além disso existe também perda de energia na colisão com o “solo”. A este tipo de colisão dá-se o nome de colisão inelástica. As perdas de energia correspondem, por exemplo, à criação de som e produção de calor. Idealmente, se uma colisão se der sem perdas de energia, a colisão diz-se elástica.
No segundo caso, não só temos que considerar a conservação da energia, como também a conservação do momento linear (também já discutido no artigo das Leis da Conservação). A bola maior embate primeiro no chão e colide com a bola pequena que vinha a cair junto da bola maior. Se tivéssemos apenas a bola maior, a situação seria análoga ao primeiro caso, ou seja, a bola maior teria uma velocidade que lhe permitiria à partida alcançar uma altura perto daquela de onde tinha sido deixada cair. O choque da bola maior com a bola mais pequena pode ser comparado à colisão de um camião com uma mota: como o nosso senso comum nos diz, o camião mal “sente” o choque, enquanto que a mota “vai pelos ares”. Isto deve-se ao facto de o corpo maior ter um momento linear (massa x velocidade) muito maior que o corpo menor. Não existe qualquer violação da conservação da energia, porque a bola pequena só atinge uma altura maior que aquela de onde foi largada porque recebeu energia da bola maior. Note-se que a altura alcançada pela bola maior é necessariamente menor que aquela que alcançaria caso não tivesse a bola pequena em cima, visto que transmitiu parte do seu momento (e energia) para a bola pequena.
Na verdade, aplicando a lei da conservação da energia e a lei da conservação do momento linear, podemos calcular a altura que a bola pequena atinge (e se quisermos também a altura que a bola grande alcança). Caso o leitor não tenha interesse nos detalhes matemáticos, poderá ignorar a componente matemática que se segue e considerar apenas os resultados. Não obstante, é importante ter bem presente que a Física sem a Matemática não é Física. O poder da Física reside no seu poder de previsão quantitativo, o qual só é possível usando a Matemática.
Vou começar por expor o problema de forma completamente geral, sem usar qualquer valor numérico. Mais abaixo irei aos casos particulares. Considerem que as duas bolas têm massas ‘m1’ e ‘m2’, e são deixadas cair de uma altura ‘h’ (uma bola está sobre a outra, pelo que efectivamente a altura da bola de cima seria igual a ‘h+r1+r2’, em que ‘r1’ e ‘r2’ são os raios das bolas, mas é uma consideração desnecessária, porque o que interessa é a variação da energia potencial, que é a mesma para ambas as bolas por irem juntas; para não se preocuparem com este detalhe basta considerarem que ‘h’ é muito maior que os raios). Vou desprezar o atrito do ar, e vou considerar que a colisão com o solo é elástica (as bolas mantêm a sua energia). (Se o leitor tiver vontade, poderá resolver o problema por si, e depois compare com a minha resolução.)
1) Determinar a velocidade com que as bolas chegam ao chão.
A energia mecânica (EM) é dada pela soma da energia potencial (EP) e energia cinética (EC):
em que:
onde ‘m’ é a massa do objecto em causa, ‘g’ é a aceleração gravítica (aproximadamente ), ‘h’ é a altura, e ‘v’ é a velocidade do objecto.
Quando deixamos cair as bolas da altura ‘h’, a velocidade é nula, pelo que a energia cinética também o é. A massa do “objecto” corresponde à massa de ambas as bolas, claro. Assim:
Quando as bolas chegam ao chão, a energia mecânica é a mesma devido à conservação da energia, mas a energia potencial e a energia cinética variaram. Agora, a altura é zero e a velocidade é não nula:
Assim, igualando a EM nos dois momentos distintos, obtemos:
Resolvendo em ordem à velocidade, tem-se:
A velocidade não depende da massa das bolas, por isso as bolas ao serem largadas juntas chegam ao solo também juntas.
2) Determinar a velocidade das bolas depois da colisão.
Esta parte pode ser algo confusa tendo em conta que as bolas vão juntas. Para simplificar a interpretação, podem considerar que na verdade as bolas vão separadas por uma distância infinitesimal. Assim, primeiro a bola maior bate no solo, altera de imediato a direcção do seu movimento (vinha de cima para baixo e passou a ter um movimento de baixo para cima) e depois choca com a bola menor que ainda vinha a cair. Estou a considerar que as colisões se dão de forma instantânea e são elásticas (conservação da energia cinética). É um caso ideal (no sentido em que as colisões não são instantâneas e há sempre perdas de energia), mas é uma boa aproximação a muitos casos reais como aquele considerado em cima das bolas de ténis e de basket.
A bola maior ao embater no solo com velocidade ‘v’ adquire velocidade ‘-v’, em que o sinal menos significa que a velocidade tem sentido contrário depois do choque. Sendo a colisão elástica, e estando o solo “parado”, a bola maior mantém a mesma energia cinética (tanto a massa como o quadrado da velocidade não variaram).
Assim, no momento da colisão da bola maior com a bola mais pequena, temos que a velocidade das bolas são iguais em módulo, mas simétricas em sentido.
Eu aqui vou resolver o caso geral em que dois corpos com massas ‘m1’ e ‘m2’, e velocidades ‘u1’ e ‘u2’, colidem de forma elástica, e adquirem as velocidades ‘v1’ e ‘v2’, respectivamente.
A conservação do momento linear diz-nos que a soma dos momentos lineares dos objectos é constante (não se altera com a colisão):
(Equação 1)
Por outro lado, a conservação da energia cinética (por se tratar de uma colisão elástica):
Que é o mesmo que ter:
(Equação 2)
Nas equações 1 e 2 sabemos as massas (m1 e m2), e as velocidades antes da colisão (u1 e u2). Queremos saber as velocidades após a colisão (v1 e v2). Temos duas equações e duas incógnitas, portanto basta reorganizar as equações para encontrar as soluções. Desafio o leitor a tentar.
Usando as equações 1 e 2, começo por colocar um objecto para um “lado” das equações e o outro objecto para o “outro lado”:
Assim obtemos uma relação bastante interessante entre as velocidades e a razão entre as massas:
Para simplificar a segunda igualdade é necessário ter um pouco de “olho” para a matemática e reparar que temos ali um “caso notável” (ver o artigo sobre as contas de cabeça):
Portanto:
Os termos com a subtracção “cortam” porque aparecem de ambos os “lados” da equação, e assim obtêm:
(Equação 3)
Esta é uma relação bastante interessante: a soma das velocidades dos objectos antes da colisão é igual à soma das velocidades dos objectos depois da colisão, independentemente das massas consideradas!
Usando a equação 1 e a equação 3, facilmente se obtêm as relações desejadas resolvendo em ordem a v1 e a v2:
(Equação 4)
(Equação 5)
A equação para v1 transforma-se na equação para v2, substituindo m1, m2, u1, e u2, por m2, m1, u2, e u1, respectivamente. Esta simetria de resultados é evidente tendo em conta que o “cenário” para o objecto 1 é em tudo igual ao “cenário” para o objecto 2.
No caso das duas bolas, como vimos, a bola maior (massa m1, e velocidade -v) de baixo bate na bola pequena (massa m2, e velocidade v) de cima. Ou seja, u1=-v, e u2=v, em que ‘v’ é a raiz quadrada de ‘2gh’, como vimos em cima. Assim, as duas bolas partem com as seguintes velocidades depois da colisão:
Ou seja:
3) Determinar a altura atingida pelas bolas.
Usamos novamente a conservação da energia mecânica. As bolas agora têm velocidades diferentes, pelo que temos que as considerar separadamente. A altura máxima alcançada corresponde ao momento em que a bola não sobe mais, ou seja, velocidade e energia cinética nulas. Denomino as alturas máximas pelas letras A1 (bola grande) e A2 (bola pequena).
Resolvendo em ordem às alturas:
Substituindo as velocidades encontradas em cima, tem-se o resultado final:
Como podem ver, a altura final depende apenas da altura inicial e das massas dos objectos. Isto significa que se fizessem a experiência na Lua (por exemplo), o resultado era o mesmo, apesar de a aceração gravítica ser menor que a terrestre. Em contraste, as velocidades calculadas em cima dependem da aceração gravítica.
Consideremos agora um caso particular, isto é, aquele em que estamos interessados, semelhante ao do vídeo. Nesse caso, a bola de baixo tem uma massa (m1) bastante maior que a massa (m2). Se m1 é muito maior que m2, isto significa que somar ou subtrair a m1 a massa de m2, é quase igual a m1. Assim obtemos as alturas aproximadas:
A bola maior atinge a mesma altura de onde tinha caído: é o que seria de esperar neste caso ideal, sem a existência da bola pequena, que como é muito pequena, praticamente não altera a altura alcançada pela bola maior. O surpreendente é que a bola pequena consegue alcançar uma altura de aproximadamente nove vezes a altura de onde tinha sido deixada cair!
Permitam-me concretizar com alguns números: consideremos que a massa da bola de basket é de 623 grama, a massa da bola de ténis é de 57 grama, e a altura inicial da qual deixamos cair as bolas é de 2 metro.
Assim, basta usar as fórmulas antes obtidas:
Como a bola de basket não é muito mais pesada que a bola de ténis, a aproximação de cima não se aplica: a bola de basket não chega a alcançar 1 metro de altura, enquanto que a bola de ténis atinge mais de 14 metro de altura!
Infelizmente, esta é uma experiência algo difícil de testar de forma quantitativa, porque, como se vê no vídeo, a bola de ténis dificilmente adquire uma trajectória vertical depois de colidir com a bola de basket (teria que colidir exactamente no topo da bola de basket de forma a receber uma velocidade apenas com direcção vertical).
Para concluir, quero ainda deixar algumas considerações sobre as equações 4 e 5 que, como disse, são gerais para a colisão elástica de quaisquer dois corpos. Primeiro, se os corpos em causa tiverem igual massa (m1=m2=m), e um dos corpos estiver parado (u1=0), quando o outro corpo lhe bater com velocidade u2 diferente de zero, verificamos que o corpo que estava parado adquire velocidade v1=u2, enquanto que o que bateu fica parado (v2=0). Existe uma “transmissão” completa de energia e momento entre os dois corpos. Esta situação corresponde exactamente ao seguinte mecanismo ideal:
Se m1 for muito maior que m2 (de tal modo que m1+m2 é aproximadamente igual a m1, e m2/m1 é aproximadamente zero), tem-se que v1=u1, tal como esperado (quando um carro colide com uma mosca, a velocidade do carro não se altera significativamente; na verdade a colisão não seria elástica, porque claramente a mosca ficaria esborrachada no carro e não sairia a voar com velocidade v2=-u2+2u1).
Friso que todas estas previsões teóricas podem ser facilmente testadas experimentalmente caso se consigam reproduzir as condições referidas: a colisão tem que ser aproximadamente elástica (esta condição não é difícil), e não pode haver atrito. Para estudar colisões pode-se usar algo semelhante a uma mesa de air hockey soccer, onde a resistência ao movimento do disco é bastante reduzida:
Com uma mesa destas podem verificar que a teoria se adequa bem à realidade.
Caso o leitor tenha ficado com dúvidas em relação às demonstrações, não se abstenha de colocar as suas dúvidas nos comentários.
Nota: Neste artigo usei de forma quase indiferenciada a menção ao tamanho e à massa. Como é evidente, tal só é verdade se os objectos em causa tiverem a mesma densidade.
“A razão pela qual não se pede a professores de ciências para supervisionar o recreio.”
1 comentário
A “nota” foi importante e apenas para complementar a estória da pobre mosca; pode interferir na equação se os objetos tiverem repulsão elétrica, magnética ou qualquer outro fenômeno de repulsão ou, ao contrário, como uma massa de ouro chocando-se com uma massa de mercúrio (aconselho a não testarem). rsrsrsrsrsrsrsr. Ótima didática que, como físico, odiei a experiência de ser professor, não é minha vocação.