A sucessão de rochas sedimentares de Yellowknife Bay, num mosaico de imagens captadas pelo robot Curiosity a 24 de dezembro de 2012.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.
No final de 2013, cientistas da missão Curiosity anunciaram a descoberta de vestígios de um antigo sistema fluviolacustrino em Yellowknife Bay, no interior da cratera Gale. Uma análise detalhada de imagens captadas pelo robot da NASA vem agora revelar surpreendentes semelhanças entre rochas observadas numa das unidades estratigráficas de Yellowknife Bay e estruturas sedimentares terrestres criadas por microrganismos bênticos. Estas observações estão longe de representarem uma prova definitiva de que estas rochas tiveram uma origem biológica, mas são, sem dúvida, uma das mais encorajadoras pistas na procura de vida marciana, até agora desvendadas na superfície do planeta vermelho.
“Tudo o que posso dizer é: aqui está a minha hipótese e aqui estão todas as evidências que tenho; apesar de pensar que estas evidências são muito significativas”, afirmou Nora Noffke, investigadora da Universidade de Old Dominion, nos Estados Unidos, e autora do artigo recentemente publicado na revista Astrobiology.
Noffke passou os últimos 20 anos a estudar a influência dos biofilmes na formação de microbialitos conhecidos por estruturas sedimentares induzidas por microrganismos (MISS). Os biofilmes são comunidades de microrganismos bênticos altamente organizados, tipicamente encontrados no leito e margens de sistemas aquáticos. Os MISS são, por sua vez, formados pelo aprisionamento e precipitação de partículas sedimentares na matriz extracelular dos biofilmes. No ano passado, Noffke anunciou a descoberta de MISS com 3,48 mil milhões de anos, na formação Dresser, na Austrália Ocidental – uma das mais antigas evidências de vida na Terra.
As imagens analisadas neste novo trabalho foram captadas pelo Curiosity num dos três membros da sucessão de rochas sedimentares de Yellowknife Bay. Denominado Gillespie Lake, este afloramento rochoso é maioritariamente composto por arenitos formados pela compacção e cimentação de sedimentos depositados no leito de um lago de águas tranquilas, há menos de 3,7 mil milhões de anos.
Comparação de estruturas sedimentares em Gillespie Lake (A e C) com estruturas sedimentares criadas pela erosão de MISS modernos, na ilha de Portsmouth, nos Estados Unidos (B e D). As setas vermelhas em E e F indicam a direção das correntes de água em retrocesso.
Crédito: Noffke, 2015.
De acordo com Noffke, o litofácies de Gillespie Lake exibe um conjunto de estruturas sedimentares com características morfológicas macroscópicas comparáveis às de remanescentes erosivos de MISS terrestres antigos e modernos. A investigadora americana sublinha ainda que a sua distribuição não é aleatória, mas sim organizada em associações espaciais e sucessões temporais, que sugerem mudanças estruturais ao longo do tempo.
Na Terra, este tipo de organização é interpretada como um registo da evolução de um ecossistema dominado por microrganismos que proliferam em ambientes aquáticos, que acabam por, mais tarde, secar por completo. Estas mudanças ambientais deixam marcas distintivas nos MISS, que incluem formas similares às observadas em Gillespie Lake, como, por exemplo: bolsas erosivas, fragmentos de biofilmes arrastados e dobrados pela passagem das águas em retrocesso, e fraturas e cúpulas criadas pela exposição ao ar e consequente dissecação da matriz extracelular.
Estas estruturas não são de forma alguma provas definitivas da presença de vestígios de antigas formas de vida na superfície do planeta vermelho. Para confirmar a sua origem seria necessário a recolha e envio de amostras para a Terra, para a realização de análises microscópicas complementares.
No seu artigo, Noffke descreve processos alternativos que possam ter dado origem às intrigantes estruturas observadas em Gillespie Lake. Por exemplo, algumas formas poderiam ter sido um produto da erosão pelo sal, água ou vento. “Não obstante, se as estruturas marcianas não têm uma origem biológica, então, as semelhanças na morfologia e nos padrões de distribuição, relativamente aos MISS terrestres, seriam uma extraordinária coincidência”, disse Noffke. “Neste ponto, tudo o que quero sublinhar são estas semelhanças. Terão de ser providenciadas novas evidências para verificar esta hipótese.”
Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.
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Ora!!! Fiquei com uma dúvida: caso a missão curiosity venha a provar que realmente houve vida em Marte, e que esta vida era semelhante, citando, às ” estruturas sedimentares terrestres criadas por microrganismos bêntico “, poderemos pensar que a vida terrestre e marciana têm a mesma origem. Isto claro, se for provado que são fósseis. Seria uma descoberta excelente, que seguramente iria levar a que os Estados financiassem mais a ESA e a NASA. 🙂
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