Arp 299 é um par de galáxias espirais barradas em colisão, localizado na constelação da Ursa Maior, no interior do asterismo formado pelas estrelas Dubhe, Merak, Phecda e Megrez. As galáxias foram catalogadas por observadores no século XIX como um só objecto, com a designação de NGC 3690, no New General Catalogue. Apesar de se encontrar a uma distância de 130 milhões de anos-luz, o par é visível com telescópios relativamente modestos, acessíveis aos astrónomos amadores, sob um céu bem escuro.
O nome bizarro deste par — Arp 299 — advém do facto de ser uma das entradas de um catálogo de associações peculiares entre galáxias, elaborado pelo astrónomo norte-americano Halton Arp, em meados do século XX. Como se pode ver na imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble, a colisão deformou a estrutura espiral original das duas galáxias. A imagem mostra também que as duas galáxias estão a experimentar uma espécie de baby boom estelar, um período de milhões de anos durante o qual as galáxias produzem estrelas a um ritmo frenético. Este fenómeno, frequente em galáxias em interacção, resulta da colisão e compressão das grandes nuvens de hidrogénio molecular das duas galáxias que por sua vez despoleta a formação de gerações sucessivas de estrelas. De facto, os objectos luminosos, de cor branca ou azulada, que vemos na imagem de Arp 299 não são mais do que enormes enxames e associações estelares, formados por milhares ou mesmo milhões de estrelas, onde são abundantes estrelas supergigantes muito maciças e luminosas.
Arp 299 é um objecto ultra-luminoso no infravermelho. Esta radiação é proveniente de estrelas em formação nas inúmeras maternidades estelares que se formaram como resultado da colisão. Aparece também, com o número 171, no célebre catálogo elaborado pelo astrónomo arménio Benjamin Markarian, de galáxias com um excesso de emissão ultravioleta nas suas regiões nucleares, um indicador de forte actividade. Como seria de esperar, com um tal ritmo de formação estelar, Arp 299 é também uma fábrica de supernovas, tendo sido detectadas 8 até à data: SN1990al, SN1992bu, SN1993G, SN1998T, SN1999D, SN2005U, SN2010O e SN2010P.
A maioria das galáxias, sabemos hoje, tem na sua região nuclear um buraco negro supermaciço, com milhões ou mesmo milhares de milhões de vezes a massa do Sol. Várias décadas de estudo mostraram que estes buracos negros estão intimamente ligados à evolução das galáxias hospedeiras. No Universo actual a maioria destes “monstros” mantém-se num estado quiescente, uma dieta forçada, devida à escassez local do seu “alimento” favorito — o gás interestelar. Durante uma colisão entre galáxias, no entanto, este material é manietado pela gravidade mútua das galáxias, perde energia orbital e cai em grande quantidade nos campos gravitacionais dos buracos negros centrais das galáxias. Nestes eventos, e depois de um longo jejum, os buracos negros são presenteados com um festim.
O gás interestelar não cai directamente num buraco negro. Em vez disso, forma um disco de acreção onde se acumula e cai lentamente, numa trajectória em espiral, até ao horizonte de eventos. Durante a sua estadia no disco, o gás é submetido a elevadas temperaturas devido à fricção e ao intenso campo magnético, libertando grande quantidade de radiação. A região interior do disco, adjacente ao horizonte de eventos, é mais quente e liberta raios X de alta energia; mais para a periferia a temperatura do gás desce para níveis em que é possível a formação de poeira que emite principalmente no infravermelho.
Como seria de esperar, Arp 299 tem dois buracos negros. Observações realizadas com os telescópios espaciais Chandra, da NASA, e XMM-Newton, da ESA, que detectam raios X de baixa energia, tinham já indiciado a presença destes objectos. No entanto, os dados obtidos com estes observatórios não tinham permitido determinar se apenas um ou os dois buracos negros estavam activos. Mas os astrónomos não desistiram e utilizaram desta feita o observatório NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array), que observa raios X de energias mais elevadas do que o Chandra e o XMM, os quais conseguem penetrar através do espesso casulo de gás e poeira interestelar que rodeia os buracos negros.
Estas observações permitiram aos astrónomos determinar que o buraco negro da galáxia da direita (veja-se a figura seguinte) está com grande actividade, ao passo que o buraco negro da galáxia da esquerda está num estado quiescente (ou então, com menor probabilidade, a radiação por ele emitida é fortemente absorvida por poeira na galáxia ao longo da nossa linha de visão — esta possibilidade não pode ser colocada de parte). Esta observação é interessante pois mostra que, durante uma colisão entre duas galáxias, um dos buracos negros supermaciços pode ser abundantemente alimentado com material, desenvolvendo um disco de acreção muito luminoso, ao passo que o outro pode manter-se em “jejum”.
Na realidade, como diz Ann Hornschemeier — uma das co-autoras do estudo apresentado na reunião anual da AAS (American Astronomical Society) que decorreu em Seattle, na última semana —, “a probabilidade de, numa colisão, ambos os buracos negros supermaciços estarem activos num dado momento é baixa”. Ann continua: “quando os núcleos galácticos se aproximarem o suficiente, as forças de maré exercidas sobre o material circundante serão tão fortes que os 2 buracos negros supermaciços de Arp 299 poderão ficar activos em simultâneo”. Andrew Ptak, o primeiro autor deste estudo, que foi aceite para publicação no Astrophysical Journal, diz-nos: “até agora [sem as observações do NuSTAR] não nos era possível descobrir quem era o verdadeiro monstro neste par de galáxias em colisão”.
Este assunto pode parecer algo esotérico a alguns leitores, apesar de, espero, o acharem fascinante. No entanto, é bom lembrar que a nossa própria galáxia, A Via Láctea, e a Galáxia de Andrómeda estão numa trajectória de colisão estimando-se que daqui a uns 5 mil milhões de anos possam estar num estado semelhante ao que observamos hoje em Arp 299. O que acontecerá nessa altura aos buracos negros supermaciços da Via Láctea e da Galáxia de Andrómeda?
(Fonte: NASA/NuSTAR)
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