Cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko, visto pela sonda Rosetta a 31 de janeiro de 2015.
Crédito: ESA/Rosetta/NavCam.
Investigadores americanos reproduziram em laboratório a formação da crusta rígida de um cometa. Usando um crióstato denominado Himalaya, Antti Lignell e Murthy Gudipati, do Laboratório de Propulsão a Jato, nos Estados Unidos, demonstraram que, à medida que os cometas se aproximam do Sol, o gelo “esponjoso” das camadas superficiais cristaliza e endurece, segregando moléculas orgânicas que se depositam na superfície. O resultado é a formação de uma crusta dura e quebradiça, polvilhada com partículas de poeira orgânica. Este trabalho foi apresentado num artigo recentemente publicado na revista The Journal of Physical Chemistry, e é um importante contributo para a compreensão da estrutura interna destes objetos.
“Um cometa é como um gelado frito”, afirmou Gudipati. “A crusta é feita de gelo cristalino, ao passo que o interior é mais frio e mais poroso. Os [compostos] orgânicos são como uma camada final de chocolate no topo.”
As missões Deep Impact e Rosetta tinham já reunido evidências de que os cometas têm uma estrutura interna pouco densa e porosa, mas foi apenas em novembro passado que a sonda Philae demonstrou que o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko esconde uma crusta de gelo muito dura por baixo de uma fina camada superficial de poeira. A pequena sonda europeia realizou esta surpreendente descoberta após ter ressaltado duas vezes na superfície do cometa, e ter sido incapaz de perfurar mais de alguns milímetros no gelo sólido sobre o qual finalmente se imobilizou.
O crióstato Himalaya.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.
Para compreenderem como esta camada de gelo duro se forma, Lignell e Gudipati construíram em laboratório um modelo da estrutura interna do núcleo de um cometa. Usando o crióstato Himalaya, os investigadores criaram uma mistura de gelo amorfo e partículas orgânicas conhecidas por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP) – o tipo de material que se pensa estar presente no interior dos cometas.
O gelo amorfo forma-se a partir de vapor de água submetido a temperaturas de aproximadamente 30 K (cerca de – 243 ºC). Nestas condições, a entropia do sistema fica preservada, pelo que as moléculas de água permanecem misturadas de forma desorganizada com outras moléculas. De acordo com Gudipati, o gelo amorfo possui um aspeto semelhante ao do algodão doce – um material leve e fofo, com imensos espaços vazios no seu interior.
Quando os investigadores aqueceram lentamente a mistura até uma temperatura de 150 K (cerca de – 123 ºC), observaram um fenómeno surpreendente. “Os HAP agregaram-se e foram expulsos da matriz de gelo, à medida que este cristalizava”, explicou Lignell. “Esta poderá ser a primeira observação de moléculas em agregação devido a uma transição de fase do gelo, e isto tem certamente muitas e importantes consequências para a química e física do gelo.”
Superfície do cometa 67P/Churyumov–Gerasimenko, vista pela sonda Rosetta a 05 de setembro de 2014.
Crédito: ESA/Rosetta/MPS para a equipa OSIRIS/UPD/LAM/IAA/SSO/INTA/UPM/DASP/IDA.
A agregação dos HAP deixa espaços livres para que as moléculas de água se organizassem em estruturas mais compactas de gelo cristalino – a única forma de gelo existente na superfície da Terra. “O que nós vimos no laboratório – uma crusta cometária cristalina com [compostos] orgânicos no topo – condiz com o que é sugerido pelas observações no espaço”, disse Gudipati. “O gelado frito é, realmente, a analogia perfeita, porque o interior dos cometas deverá permanecer ainda muito frio, e conter o gelo amorfo, mais poroso.”
Esta descoberta é importante para a compreensão da formação do Sistema Solar, em particular, de como os cometas poderão ter transportado água e compostos orgânicos até à superfície da Terra. Resultados recentes da missão Rosetta sugerem que foram os asteroides os principais responsáveis pela chegada dos ingredientes essenciais à vida ao nosso planeta. Contudo, não está ainda afastada a possibilidade dos cometas terem desempenhado também um papel relevante.
“É maravilhoso pensar o quanto avançámos na compreensão dos cometas”, afirmou Gudipati. “Missões futuras, destinadas a trazerem amostras geladas de cometas no seu regresso à Terra, poderão permitir-nos desvendar totalmente os seus segredos.”
Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.
1 comentário
Quando peço sobremesa nos restaurantes chineses, não sabia que estava a pedir cometas 😀 ehehehehe 😀