Europa: os segredos da nova princesa

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Antes de ser um continente austero e uma lua de Júpiter, Europa foi uma princesa fenícia. Os fenícios – prendados na navegação e no comércio – viviam na área ocupada atualmente por Israel, Palestina e Líbano.

Quando Zeus viu Europa, ficou embevecido com a beleza da rapariga. Ser filha de um homem muito importante – Agenor, Rei de Tyre – não perturbou os maquiavélicos planos do todo-poderoso governante do Monte Olimpo. Dominado pela cobiça, decidiu raptá-la.

Zeus foi surpreendentemente paciente e ardiloso, tendo em conta que era uma divindade excitada e podia satisfazer os impulsos num abrir e piscar de olhos, sem nada a temer dos mortais. O deus dos deuses preferiu primeiro metamorfosear-se em touro branco e misturar-se entre a manada do rei como um agente bovino à paisana.

A princesa Europa – bela, generosa mas inevitavelmente ingénua – acabou por afeiçoar-se ao magnífico touro branco que pastava mansamente à beira-mar. Decorou-o com uma grinalda de flores e acabou por saltar-lhe para o lombo.

O rapto de Europa, Felix Vallotton, 1908.

O rapto de Europa, Felix Vallotton, 1908.

A Problemática Braguilha de Zeus

Mal Europa o montou, o touro lançou-se ao mar e levou-a para a ilha de Creta com a clara intenção de reverter os papéis.

Sendo um predador sexual com poderes divinos, não é difícil imaginar o desfecho da história: a rapariga foi violada repetidamente e acabou por dar à luz três filhos de Zeus. Este deus supremo da mitologia grega também era um sentimental, pois mandou colocar a imagem de um touro no firmamento em memória do rapto e violação da princesa que deu nome ao Velho Continente.

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Não admira que muitos europeus estejam convencidos de que os habitantes atuais do Monte Olimpo estejam a fazer-lhes o mesmo que Zeus fez à princesa tantos anos antes – mais do que uma reminiscência de velhas lendas, é uma desconfiança cultural sustentada pela experiência. A moeda grega de dois euros mostra-nos precisamente a cena em que o touro Zeus rapta a princesa Europa.

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Marion Cotillard, europeia, podia ter sido uma princesa fenícia

Muito tempo depois do desafortunado destino da deleitosa princesa fenícia, o astrónomo alemão Simon Marius sugeriu que uma das luas de Júpiter se deveria chamar Europa. Por essa altura, Marius e Galileu andavam às turras, porque o alemão reivindicava para si a descoberta das quatro maiores luas de Júpiter, enquanto o italiano o acusava de se ter apropriado das conquistas da sua luneta.

Só uma das luas foi descoberta por Marius primeiro, mas é possível que as outras tenham sido descobertas de forma independente, sem gamanços.

Talvez como resultado desta desavença, o alemão acabou por atribuir a proposta de batizar a nova lua – Galileu chamava-lhe Júpiter II – a um compatriota, o matemático e astrónomo Johannes Kepler.

Marius não pensava no continente Europa, mas na mitologia greco-romana: Júpiter, o planeta gasoso gigante, também fora um deus – versão romana do lascivo Zeus, menos mundano que este e mais versado nos assuntos do céu do que nos caprichos da terra.

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Levantando o véu sobre Europa

Séculos depois destes desaguisados medievais, aqui estamos nós prestes a contemplar a princesa como ainda não o tínhamos feito: o congresso dos EUA deve aprovar o pedido inicial de 30 milhões de dólares adicionais feito pela NASA para começar a planear uma missão a Europa.

Temos missão, portanto. Para quando? 2020, se tudo correr na perfeição; 2030, para os menos otimistas; Entre 2030 e 2039, diz a NASA.

Portanto é melhor apontar lá para o ano 2045.

Não há, tanto quanto sabemos, nenhum local mais prometedor do que esta lua para obter respostas a uma das mais importantes questões científicas de todos os tempos: existe vida extraterrestre? Marte é seco, árido e provavelmente estéril, mais excitante pelo que poderá ter sido do que pelo que é atualmente. Europa é o presente. Se a vida existir, poderá estar lá agora.

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Diane Kruger, europeia, podia ser uma princesa onde quisesse

A proposta da NASA baseia-se num conceito que a agência há muito tem estado a desenvolver – o chamado Projeto Clipper.

A ideia não é aterrar na lua – as dificuldades técnicas e o dinheiro necessário para o conseguir desencorajam este tipo de empreitadas –, mas sobrevoar Europa o mais perto possível da superfície: 25 quilómetros na sua órbita mais baixa. Como um Sherlock Holmes cósmico, a nave conduzirá uma investigação exaustiva apoiando-se nos seus próprios poderes de observação e nas nossas capacidades de fazer deduções acertadas a partir dos dados que coligimos.

É por sermos bons a deduzir coisas a partir de observações aparentemente não relacionadas que estamos quase 100 por cento convencidos de que sob aquele manto esbranquiçado de gelo de água existe um oceano com um volume de água duas ou três vezes maior do que todos os nossos oceanos e lagos juntos.

Representação artística das plumas de vapor de água em Europa

Representação artística das plumas de vapor de água em Europa

Sabemos que deve existir um oceano subterrâneo de água líquida em Europa porque a superfície é quase toda gelo de água, polvilhada por bizarras áreas avermelhadas, provável mistura de gelo com sulfato de magnésio ou ácido sulfúrico. As fissuras visíveis na superfície são semelhantes às que vemos aqui na terra em crostas de gelo flutuando em água líquida.

E existe um mecanismo capaz de criar o calor necessário para que tal oceano exista: as forças de maré do gigantesco Júpiter «sacodem» Europa, fazendo com que o interior do satélite aqueça substancialmente.

Medições espectroscópicas do telescópio Hubble permitiram também aos cientistas detetar a existência de plumas de vapor de água irrompendo da superfície e elevando-se até 201 quilómetros de altitude, caindo depois em forma de geada: mais uma evidência da existência de muita água no interior da lua. Talvez haja mesmo um oceano com até 100 quilómetros de profundidade.

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Audrey Tautou, europeia, ainda é uma princesa fenícia

Não é tudo. Análises das observações da sonda Galileu já convenceram os astrónomos que Europa não está toda coberta por uma grossa superfície de gelo com padrões organizados e previsíveis: há zonas mais «caóticas», mais finas, indiciando a existência de lagos gigantescos menos profundos, entre o oceano e a superfície.

Sendo assim, um primeiro acesso direto à água – e às formas de vida que lá poderão existir – não implicará, no futuro, laboriosas e difíceis escavações que só o Bruce Willis de «Armageddon» seria capaz de fazer.

Quais são então os objetivos desta nova missão a Europa? Determinar a verdadeira extensão deste oceano, estudar a capa de gelo, hipotéticos lagos, a composição e química da superfície à procura de vestígios de presença orgânica, examinar as fissuras no gelo e procurar encontrar os melhores sítios para futuras missões de superfície.

Europa está mais distante do que qualquer outra princesa que já existiu ou existirá neste nosso planeta – entre 628 e 928 milhões de quilómetros, depende do ponto em que Júpiter se encontra na sua órbita à volta do Sol –, mas é igualmente bela e apetecível.

Não somos os deuses predatórios do passado, embora a nossa tecnologia atual fosse capaz de atemorizar ou confundir até o próprio Zeus. Somos meros mortais ansiosos por desvendar os deliciosos segredos da nossa princesa. E, nela, descobrir vida. Vida para além de nós.

2 comentários

1 ping

  1. De facto é engraçado. Zeus depois de despejar as hormonas, dava-lhe para o sentimento!
    Os textos sobre Zeus e o Olimpo, refletem o perigo de o poder se centrar á volta de poucas entidades. Os tipos desgraçavam a vida dos indefesos à superfície do planeta.
    Agora temos políticos, bancários e “investidores” a fazerem o mesmo.

  2. Acho que nunca tive uma pagina vossa tanto tempo aberta.

    Bom artigo.

  1. […] for the win! Sempre falámos mais de Europa e do seu oceano subterrâneo, mas há muito que os cientistas suspeitavam da existência de um […]

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