O meu amor pela exploração espacial fez-me ler algumas obras pouco recomendáveis quando era miúdo.
Uma delas foi um livro de um cavalheiro chamado T. Lobsang Rampa – «A Terceira Visão: iniciação de um lama tibetano».
Já nem sei porque peguei naquilo – talvez por a capa mostrar um senhor que parecia ter saído das histórias do Flash Gordon e tinha um olho a mais. O conceito de um terceiro olho não me era estranho, mas não estava à espera de o encontrar no meio da testa. E aquele nem era cego, como diziam os meus amigos. Prometia até ver ainda melhor do que os outros dois.
Também pode ter sido a menção ao Tibete – tal como os planetas mais distantes do Sistema Solar, aquela era uma terra mais imaginada do que conhecida e eu naquela altura já andava um bocado farto de imaginar coisas.
O senhor Rampa tinha um currículo impressionante: fora iniciado no Tibete ainda era criança. Era tão dotado que até o próprio Dalai Lama tinha reparado nele. De forma a reforçar o seu jeitinho para a vidência, tinham-lhe feito uma operação ao cérebro – a abertura do terceiro olho – e assim ascendera a um plano de consciência superior.
Fiquei surpreendido por saber que os monges do Tibete eram tão bons neurocirurgiões.
Já foi há muito tempo, mas lembro-me que o senhor explicava que as viagens astrais permitiam passarmos do ponto A para o ponto B de forma instantânea. E qualquer pessoa as podia fazer!
Uns exercícios de respiração, relaxar até deixar de sentir o sangue nas veias; a alma eleva-se como o Elevador da Glória em Lisboa, miramos o nosso corpo inerte na cama com a tal «terceira visão» e começamos a viajar até ao Infinito como o Buzz Lightyear. Canja!
Julgo que a alma ficava ligada ao corpo por um cordão umbilical de luz que era extremamente elástico mas que podia quebrar-se caso passássemos muito tempo a viajar, pelo que as minhas experiências eram sempre estragadas pelo medo de abusar da elasticidade do cordão.
Para o infinito e mais aquém
Eu queria usar o poder da viagem astral para viajar até Plutão – por ser o mais longínquo, era o meu planeta preferido –, mas tinha medo de ficar a flutuar no Espaço para sempre, incapaz de voltar para o quentinho da cama.
Para minha alegria, o senhor T. Lobsang Rampa aproveitou os poderosos foguetões da alma humana para viajar mais rápido que a luz e visitar um planeta noutra galáxia.
Não podem imaginar a minha satisfação: pela primeira vez na vida, ia conhecer um exoplaneta. Talvez seres extraterrestres. Folheei as páginas com sofreguidão porque o autor nunca mais se despachava, sempre na palheta e incapaz de meter uma quinta a fundo naquela alma cheia de turbo.
Alguns longos e fastidiosos parágrafos depois, chegou ao exoplaneta e foi recebido por um alien que também dominava os segredos da viagem astral.
Infelizmente, o senhor Rampa não aproveitou a estadia no planeta e a conversa com o extraterrestre para conhecer qualquer coisa. Tanto quanto me lembro, nunca descreveu um único pormenor do planeta nem a civilização que lá vivia. Até hoje estou para saber qual o aspeto físico do alienígena com quem conversou. Seria antropocêntrico, como todos os outros?
E o problema era mesmo esse: a conversa. Eu estava dentro da página para conhecer um novo planeta, mas as palavras que eles diziam era tão grandes e pomposas que não me deixavam ver nada. Eu esticava o pescoço, tentando vislumbrar uma paisagem alienígena no horizonte longínquo dos parágrafos, mas não conseguia ver nada.
O senhor Lobsang Rampa parecia muito satisfeito: em vez de falar de si próprio, do seu planeta ou da sua civilização, o alienígena passou o tempo todo a corroborar os ensinamentos do terrestre tibetitânico e a explicar como era importante que a mensagem fosse passada a todos nós.
Não parecia sequer muito diferente do próprio Rampa nas coisas que dizia. Talvez fosse uma reunião familiar. Talvez o autor também fosse um extraterrestre e tivesse acabado de se encontrar com um colega de escola. Provavelmente tinham estudado viagens astrais juntos.
Para meu grande desapontamento e já cansado de bocejar, acabei por colocar de lado a sabedoria exótica do senhor Rampa e as suas intermináveis conversas diante do espelho interplanetário, e entretive-me a decorar as distâncias médias entre o Sol e os nove planetas no meu belo e volumoso Atlas Mundial para impressionar uma prima giraça.
Anos mais tarde, já adulto, voltei a ter notícias de Lobsang Rampa: os livros que escrevera tinham-no feito ganhar muito dinheiro porque toda a gente queria saber como fazer uma viagem astral. Depois da minha frustrante experiência, eu já não caía nessa.
Mas o nome dele ficou-me na memória e há dias reencontrei-o no Google.
As viagens astrais do senhor Lobsang Rampa não eram diferentes daquelas que fazia quando era puto: eu fingia que a minha cama era uma nave espacial a caminho de Plutão, ele fingia que o papel onde escrevia era um pedaço da sua alma.
Afinal de contas – tinha descoberto o maldoso do Daily Mail – o venerável Lobsang Rampa era apenas um cavalheiro inglês residente em Dublin chamado Cyril Henry Hoskins.
Hoskins era filho de um canalizador e nunca tinha saído do Reino Unido. Vivia em Dublin com a mulher e tinha uma existência tão normal e corriqueira como qualquer pessoa que nunca tivesse feito uma viagem astral na vida – o que provavelmente era também o seu caso, embora imaginação não lhe faltasse.
Claro que é difícil abdicar de ser Lobsang Rampa, sobretudo quando os livros que escreve são best-sellers. Hoskins passou a dizer que era um lama reencarnado há nove anos no corpo de um inglês – como se um orgulhoso súbdito de Sua Majestade alguma vez tolerasse um abuso desses.
Onde quero eu chegar com isto tudo?
Ao mesmo sítio onde sempre quis chegar quando comecei a ler o livro do senhor Rampa: a Plutão!
Bem sei que umas aves-raras da União Astronómica Internacional o despromoveram a planeta-anão, mas quando a sonda Novos Horizontes lá chegar neste verão, iremos vê-lo em pormenor pela primeira vez na história da Humanidade.
Que este feito não cause um centésimo do entusiasmo que as viagens astrais de Lobsang Rampa provocaram, é algo que me desgosta um bocadinho.
No que respeita às viagens astrais da Ciência, não há cordão de luz que se quebre ou estique, não há meditação transcendental que nos transporte de um lado para o outro de forma instantânea, sem sequer sairmos da cama. Decifrar os mistérios da Natureza dá um trabalho dos diabos. E é por isso que a localização do terceiro olho do cientista não é exata, como no caso de Lobsang Rampa: varia consoante o sítio da cabeça onde os desgraçados se coçam quando fazem cálculos.
11 comentários
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Rampa descreve outro planeta nesse livro – na verdade compilação de artigos que ele fez para uma revista inglesa em 1957- agora disponível no Brasil pela Esotera: http://www.esotera.com.br/loja/livros/tibet/minha-visita-a-venus-lobsang-rampa
Somente copiou o que Adamaski já tinha dito… e que era obviamente, tudo falso.
Bom, há controvérsias… Já ouviu falar do major Bob Dean, ou de John Lear? Ou do livro de um PhD, “O estranho no Pentágono” _ Strange at the Pentagon… fizeram um filme agora…
Não, não há qualquer controvérsia.
A não ser para aqueles que, em vez de aprenderem o espectro eletromagnético, dizem que a luz é dada por macacos pequeninos.
Sim, já “ouvi falar” deles. Assim como já falamos aqui dos programas de desinformação a que eles estão ligados e que qualquer pessoa pode comprovar as falsidades.
Quando falou nos macacos pequeninos lembrei-me logo dos emails.
Há um fulano que pensa que os emails funcionam como o correio tradicional. A única diferença é que as mensagens são transportadas por homenzinhos minúsculos e muito rápidos que vivem nos fios telefónicos 😉
O meu orientador de astronomia no Texas dava também aulas de natureza da ciência onde comparava explicações científicas com explicações disparatadas… e passava imenso tempo sem dar a conhecer (para os alunos) qual era a explicação correta e qual a incorreta. Para explicar a inércia, usava milhares de homenzinhos minúsculos a empurrar os objetos de forma a não os deixarem andar livremente 😉
Com um nome como Lobsang não é de estranhar a história.
Parece-me uma mistura de Lobster e Pisang (Ambon).
Não é recomendável a ingestão da bebida verde em grandes quantidades 😉
Estava esperando por um final mais interessante.
Vejo apenas alguém decepcionado com suas próprias vivências.
As ciências de uma forma geral, se preocupam em apenas explicar um pedaço do todo.
Um único paradigma não responde todos as “questões”.
Pois vou te dizer:
Abri meu terceiro olho e fui a Plutão várias vezes. Na verdade, lá deixo minha cerveja pra permanecer gelada, pois ela me ajuda a abrir o terceiro olho. Meu terceiro olho não fica na testa, mas na palma da mão esquerda.
Como é em Plutão? Certamente ao contrário de Rampa que nem descreveu direito o mundo que visitou, eu fiz de verdade e vou descrever Plutão: Vi montanhas de gelo, crateras ocasionais, um chão de gelo fofo como neve, mas rosado por causa dos compostos orgânicos. Vi uma tênue neve que parecia sair do chão, que é a própria atmosfera sublimando da superfície à medida que Plutão se aproxima do seu longo verão de -220°C.
E que céu meu amigo, que céu! Vejo muito mais estrelas que na noite mais estrelada da Terra, a faixa da Via Láctea é muito mais definida e percebe-se cada pontinho de seus bilhões de estrelas, só nesse único braço que vemos da espiral. E o Sol? Tão distante que consigo eclipsá-lo com meu polegar. Vejo a lua local, Caronte, enorme no Horizonte – e nem se move, nem gira no céu – sua posição é fixa – porque sua órbita é sincronizada com sua rotação e também com a rotação de Plutão. O mais divertido é a gravidade, você tem que ver… é menos que 10% da que temos na Terra, e saltamos mais alto do que na lua.
Hehe, brincadeira a parte, excelente texto Marco. Meu verdadeiro terceiro olho é a imaginação em cima do conhecimento científico e da ficção científica. Ser cético e se maravilhar ao mesmo tempo, por mais que pareça antagônico pra alguns, é perfeitamente possível.
Abraços
Conheço bem a sensação descrita:
Sem meios de acesso a quase nenhuma fonte de conhecimento (poucos canais de TV e poucos programas, sem internet e com poucos livros em português disponíveis), procurávamos avidamente tudo o que remotamente alimentasse os nossos sonhos.
Deste modo, estimulado pelos trabalhos válidos de “O Mundo Misterioso de Arthur C. Clarke” e no “Rasto de…” (com Leonard Nimoy), acabei por ficar também fascinado por um documentário do Erich Von Daniken (já mencionado neste blog) o qual, fazendo alusão a extraterrestres que teriam visitado a Terra no passado, me levou a ler uma obra semelhante escrita por Robert Charroux e editada pelas publicações Europa-América.
Não me lembro que título tinha em português mas acho que era este – “Le Livre du passé mystérieux”. Era um lixo completo!… Dei-o a um conhecido alguns anos depois.
Já numa fase posterior li “O despertar dos mágicos”, de Jacques Bergier e Louis Paulsen, outra grande trip de loucura mas este, pelo menos, “se não era verdade era bem esgalhado” e mencionava por tabela algumas temáticas interessantes, pelo que ainda o conservo.
Os do Lobsang Rampa via-os nas bancadas mas pareciam-me demasiado alucinados/místicos/religiosos para o meu gosto, e nunca lhes peguei.
Texto fantástico!