Júpiter e Io vistos pela sonda Cassini, a 01 de janeiro de 2001.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/Kevin M. Gill.
O nosso Sistema Solar é estranho. Se olharmos para os sistemas planetários até agora descobertos, verificamos que a maioria alberga planetas com massas substancialmente superiores à da Terra, que orbitam as suas estrelas hospedeiras a distâncias muito inferiores à que separa Mercúrio do Sol. Mais ainda, muitos destes sistemas são incrivelmente compactos, possuindo vários planetas em órbitas muito próximas da respetiva estrela.
Porque é, então, o nosso Sistema Solar tão diferente dos outros? A resposta poderá estar no gigante Júpiter. De acordo com um novo estudo publicado na semana passada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, Júpiter poderá ter aniquilado uma população primordial de planetas massivos, que originalmente residiam em órbitas muito próximas do Sol.
“O nosso trabalho sugere que as migrações de Júpiter poderão ter destruído uma primeira geração de planetas, preparando o terreno para a formação dos planetas telúricos com baixa massa, que o Sistema Solar possui hoje”, explica Konstantin Batygin, investigador do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, e primeiro autor deste trabalho. “Tudo isto se adapta de forma maravilhosa a outros recentes desenvolvimentos na compreensão de como o Sistema Solar evoluiu, ao mesmo tempo que preenche algumas lacunas.”
De acordo com Batygin e o seu colega Gregory Laughlin, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Júpiter é crucial na compreensão da atual configuração do Sistema Solar. Para entenderem como as migrações do planeta afetaram a formação e distribuição dos planetas interiores, os dois investigadores criaram um modelo que incorpora um cenário apresentado pela primeira vez em 2001, por um grupo da Universidade Queen Mary, no Reino Unido, e revisitado em 2011 pela equipa do Observatório de Nice, em França.
Conhecido por hipótese Grand Tack, este cenário transporta-nos para os primeiros milhões de anos de vida do Sistema Solar, quando o Sol se encontrava ainda rodeado por um enorme disco de gás e poeira. Na altura, Júpiter era um planeta em crescimento, formado provavelmente não muito longe da mesma região onde hoje se encontra. Com uma massa cada vez maior, o jovem planeta começou a interagir gravitacionalmente com o material do disco, o que provocou a sua migração em direção ao interior do Sistema Solar, até uma região situada a apenas 1,5 UA de distância do Sol (aproximadamente a região onde hoje se encontra a órbita de Marte).
“Júpiter teria continuado nesse caminho, acabando eventualmente por ser arremessado contra o Sol, não fosse [a presença de] Saturno”, disse Batygin. Saturno formou-se, provavelmente, logo a seguir a Júpiter, mas terá migrado em direção ao Sol a uma velocidade relativamente superior, o que permitiu que os dois planetas se aproximassem um do outro. Inevitavelmente, os dois gigantes viriam a ficar presos numa ressonância orbital 2:1 – uma relação especial onde os períodos orbitais de dois objetos podem ser expressos por uma razão de números inteiros.
A ressonância permitiu que os dois planetas sulcassem um espaço vazio comum no interior do disco, e que trocassem momento angular e energia orbital, com regularidade, entre si. Estas interações fizeram com que todo o material existente entre Júpiter e Saturno fosse deslocado para o exterior do Sistema Solar, o que reverteu o sentido de migração dos dois planetas, em direção às posições onde atualmente se encontram.
Mercúrio, Vénus, Terra e Marte teriam emergido neste cenário caótico, cerca de 10 milhões de anos após a formação do Sol, a partir de um grupo de planetesimais que povoariam um estreito anel, localizado na mesma região que hoje separa as órbitas de Vénus e da Terra. De acordo com a hipótese Grand Tuck, a fronteira exterior deste anel seria uma consequência da migração de Júpiter em direção ao Sol – um movimento que teria removido de forma eficiente todo o material presente no Sistema Solar interior, até à atual órbita do nosso planeta.
E a fronteira interior? Porque estariam os planetesimais limitados a uma região tão bem definida no lado mais próximo do Sol? “Este ponto não tinha sido ainda abordado”, afirma Batygin.
Simulação do Sistema Solar interior, nos primeiros milhões de anos após a formação do Sol. Estão representadas a azul turquesa as órbitas dos planetesimais perturbados durante a primeira fase de migração de Júpiter (órbita a branco). Estes objetos teriam sido clocados em órbitas elípticas, que se sobreporiam às órbitas de planetesimais não perturbados pelo gigante (órbitas a amarelo).
Crédito: K.Batygin/Caltech.
A resposta poderá estar numa população primordial de super-Terras. O espaço vazio criado durante a migração de Júpiter corresponde quase na perfeição à região em redor de outras estrelas onde estes grandes planetas rochosos são tipicamente encontrados, pelo que é razoável especular que o nosso Sistema Solar albergou uma primeira geração de corpos planetários, que não sobreviveu ao violento processo de formação planetária.
“Não há qualquer razão para pensar que o processo dominante de formação de planetas, [observado] em toda a Galáxia, não tenha ocorrido aqui, [no Sistema Solar]”, explica Batygin. “É mais provável que alterações posteriores tenham modificado a sua configuração original.”
As simulações e cálculos de Batygin e Laughlin sugerem que, durante a migração de Júpiter em direção ao Sol, o planeta arrastou consigo todos os planetesimais que encontrou no caminho. À medida que estes objetos se aproximavam do Sol, as suas órbitas tornaram-se mais elípticas, criando as condições necessárias para o início de uma cascata de colisões catastróficas no Sistema Solar interior. O trabalho dos dois investigadores mostra que, durante este período, todos os planetesimais deverão ter colidido com outros objetos, pelo menos uma vez a cada 200 anos, o que os conduziu a uma série de fragmentações violentas e a trajetórias cada vez mais próximas do Sol.
Batygin e Laughlin fizeram ainda uma última simulação para determinarem o que aconteceria a uma população de super-Terras recém-formadas num cenário tão dantesco. O modelo sugere que os planetas seriam arrastados pelos planetesimais para órbitas decadentes num período aproximado de apenas 20 mil anos.
“É um processo físico muito eficiente”, disse Batygin. “Precisaríamos apenas [de uma quantidade] de material com algumas vezes a massa da Terra para conduzir planetas com uma massa conjunta de dezenas de vezes a massa da Terra em direção ao Sol.”
A reversão da migração de Júpiter teria levado a que uma fração dos planetesimais tivesse regressado a órbitas circulares. De acordo com os dois investigadores, a massa conjunta de Mercúrio, Vénus, Terra e Marte corresponde a apenas 10% de todo o material destruído nesta fase inicial da formação do Sistema Solar. A partir deste ponto, teriam sido necessários milhões de anos para que os quatro planetas emergissem dos destroços sobreviventes – um cenário que coincide com as observações que sugerem que a Terra se formou cerca de 100 a 200 milhões de anos após o nascimento do Sol.
Nesse período, o disco primordial de hidrogénio e hélio teria já desaparecido há muito, o que explica o facto de a Terra não possuir uma atmosfera de hidrogénio. Batygin espera que, ao contrário do nosso planeta, as super-Terras tenham uma atmosfera significativamente enriquecida em hidrogénio, o que denunciaria a sua formação numa fase precoce do processo de formação dos planetas. “O que isto significa, no fim, é que os planetas verdadeiramente parecidos com a Terra são intrinsecamente pouco comuns”, acrescenta Batygin.
Os dois investigadores esperam agora que a descoberta e caracterização de novos sistemas planetários possa desvendar a existência de configurações semelhantes à do Sistema Solar, o que traria maior solidez à sua hipótese.
Podem ler todos os detalhes deste trabalho aqui.
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