Ponte Tacoma Narrows, 1940 – Um Estudo dos Efeitos Não-Lineares

Um objeto de estudo de notável interesse na Engenharia é o “Caso da Ponte Tacoma Narrows”. O colapso de sua estrutura ainda intriga cientistas e engenheiros, que buscam nas equações diferenciais a provável resposta para os fenômenos que ocorreram no fatídico verão de 1940.

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Ponte Tacoma Narrows – 1940

Em 1928, a Câmara de Comércio da cidade de Tacoma, estado de Washington, EUA, inicia o estudo de viabilidade técnica, no que se concerne à construção duma ponte, de Tacoma até a península Gig Harbor. Seus mentores foram Clark H. Eldridge, engenheiro de pontes, e Lacey V. Murrow, engenheiro-chefe. Com o engenheiro Eldridge, a construção ficou orçada, inicialmente, em US$ 11 milhões. Devido à Grande Depressão de 1929, os setores públicos Washington State Department of Transportations e Federal Public Works Administration solicitaram sua revisão (leia-se: reduzir custos). O sr. Eldridge, que de bobinho nada tem, resolveu tirar férias, talvez, em Sierra Nevada. Portanto, coube ao engenheiro-chefe procurar uma vítima outro projetista, entrando em cena o renomado engenheiro letônio Leon S. Moisseiff (que tinha participado de projetos em outras estruturas famosas, dentre estas a ponte Golden Gate). Com este revisando o desenho original, o orçamento caiu para apenas US$ 7 milhões.

Finalmente, retirando um dinheirinho aqui e ali, a ponte pênsil Tacoma Narrows iniciou suas obras em 1938. 

– Localização, Projeto e Inauguração

Situada no condado de Pierce (Washington, EUA), tinha um vão pênsil de, aproximadamente, 853 metros, e extensão de 1600 metros.

Estreito de Tacoma (crédito: Washington State - Departament of Transports)

Estreito de Tacoma (crédito: Washington State Department of Transportation)

O modelo proposto por Moisseiff estabelecia uma ponte pênsil com dois pilares, na qual substituiu as estruturas triangulares características. Possuía suporte de duas vigas simples em I, paralelas, composta duma pequena estrutura interna, com suporte de apenas 2,4 metros de espessura. Tal solução tinha a vantagem de estar, à princípio, dentro do orçamento e permitir vencer grandes distâncias (ao contrário das pontes em arco ou em viga).

Apesar de ser mais frágil que o modelo de ponte contida no projeto inicial, pelo fato de ter sido aplicada, em pontes de menor dimensão, estava perfeitamente habilitada a suportar cargas dinâmicas, estáveis e permanentes.

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Projeto estrutural: seções transversais dos cabos, assim como sua posição ao longo do cabo principal.

Durante sua construção, técnicos, engenheiros e demais perceberam que durante correntes de vento não tão intensas, a estrutura possuía tendência para oscilar transversalmente. Passou a ser chamada, carinhosamente, de Galloping Gertie. Vários ensaios foram realizados com o objetivo de reduzir tais oscilações. Contudo, pelo que se percebe, nenhum chegou a produzir realmente plena eficácia.

No verão de 1940, a ponte foi aberta ao tráfego rodoviário e, pela sua peculiaridade, logo tornou-se atração turística. O que para os engenheiros era um verdadeiro horror estrutural, para as demais pessoas deveria ser um prazer indescritível dirigir ou observar uma grande estrutura como se estivesse numa montanha-russa.

As vibrações eram sempre verticais, contendo de 0-8 nós adicionais no tabuleiro entre os dois pilares, provocados por ventos a partir dos 7 km/h.

Como a ponte Tacoma Narrows tornou-se uma sensação, as vibrações que culminaram no seu colapso foram fortemente analisados e documentados.

– Cronologia dos Factos

A sequência dos factos – do aumento da intensidade das oscilações até a fragmentação – será reproduzida abaixo, de acordo com o Departamento de Transportes do Estado de Washington:

  • Madrugada de 7 de novembro de 1940: registro de rajadas de vento vindos do sudoeste. A ponte começa a oscilar, com variações entre 2 e 5 metros de altura;
  • Às 07:30 (hora militar): registro de ventos de 38 milhas por hora. Duas horas depois, é feita nova medição e constata um aumento de de 10,5% na sua intensidade;
  • Por volta das 08:30 (hora militar): o engenheiro Clark H. Eldridge é chamado e percebe que a oscilação do vão central é menor que o registrado em dias anteriores;
  • Entre 09:30 e 09:50 (hora militar): os últimos carros cruzam com segurança a ponte Tacoma Narrows. Esta já oscila entre 8 e 9 segmentos, com frequência de até 36 ciclos por minuto. Vários técnicos chegam ao local;
  • Às 10:03 (hora militar): ocorre afrouxamento da ligação entre o cabo de suspensão do lado norte ao tabuleiro, fazendo com que o eixo do vão central sofra inclinações de até 28 pés entre as bordas da pista, com um ângulo de até 45º. Os pilares atingem deflexões de até 3.6 m no topo, mais de 10 vezes o que previa o projeto inicial;
  • Por volta das 10:30 (hora militar): parte do concreto situado no lado oeste cai no rio;
  • Por alguns minutos, os ventos diminuíram sua intensidade, estabilizando a extensão do vão central;
  • Às 11:00 (hora militar): primeiro trecho do pavimento se desprende e caem no rio. Vigas de aço sofrem torções e postes de luz caem;
  • Às 11:02 (hora militar): uma seção estimada em 600 metros cai, arrancando cabos-de-aço e provocando uma grande nuvem de poeira;
  • Finalmente, às 11:10 (hora militar), o restante de sua estrutura cai na enseada estuarina Puget Sound, dando fim a então conhecida Galloping Gertie.

Lamentavelmente, houve uma vítima fatal: um cão pertencente a um repórter perdeu a vida no incidente. Não se sabe ao certo o motivo deste animal ter levado seu cão para uma zona completamente insegura.

À princípio, dois grandes fatores auxiliaram na fragmentação da estrutura do vão: 1) Falta de rigidez transversal e à torção e; 2) Perfil aerodinâmico.

Após o colapso da ponte pênsil Tacoma Narrows, buscou-se um melhor entendimento sobre os fenômenos ondulatórios, que culminaram num grande avanço no campo das Engenharias, mais precisamente no que se refere à Aerodinâmica de Estruturas.

 

– O Fenômeno da Ressonância Linear

Durante meio século, atribuiu-se, isoladamente, à ressonância, o responsável pelo colapso da ponte Tacoma Narrows. A ressonância é um fenômeno linear, como podemos perceber na equação diferencial:

 

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No caso em questão, é um termo que depende da frequência natural da ponte associada com a frequência de alguma força periódica externa. Outrossim, para haver ressonância, é necessário que o sistema seja livre de amortecimento (fazendo λ = 0 na equação abaixo):

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Naturalmente, o fenômeno da ressonância não deveria ser o fator determinante no desastre da ponte Tacoma Narrows.

Portanto, quais explicações que poderiam auxiliar os engenheiros num melhor entendimento deste caso?

– Uma Nova Abordagem (Efeitos Não-Lineares)

Anteriormente, entendia-se que quando rajadas de vento sopravam de modo horizontal, formava regiões de baixa pressão, com vórtices alternados de cima pra baixo e de baixo pra cima, criando uma força periódica vertical que atuava na direção da vibração da ponte pênsil. Em seus estudos, o engenheiro húngaro Theodore von Kármán atribuiu aoEfeito de von Karman” a causa provável da destruição. O Efeito de von Karman consiste num escoamento giratório onde as linhas de corrente apresentam um padrão circular ou espiral.

Entretanto, no seu relatório técnico dirigido à Federal Works Agency, von Kármán e colaboradores, em sua conclusão, afirmaram ser “improvável que a ressonância devido a vórtices alternados tenha desempenhado um papel importante nas oscilações de pontes suspensas”.

Uma explicação contundente parece vir dos modelos apresentados pelos catedráticos Alan C. Lazer e Patrick J. McKenna. Em seu artigo, Large-Amplitude Periodic Oscillations in Suspension Bridges: Some New Connections with Nonlinear Analysis, Lazer e McKenna teorizam que efeitos não-lineares foram os fatores principais que ocasionaram a danificação e consequente colapso da ponta Tacoma Narrows. Em termos gerais, seriam responsáveis as interações não-lineares entre a ponte e as forças externas (gerando vórtices, causados pela ação dos ventos, como previa von Kármán). O modelo proposto Lazer-McKenna explica que quando cabos verticais (na teoria linear, os cabos atuam como uma mola elástica) estão sob efeito da tensão, agem exatamente desta maneira e a equação diferencial é linear.

No caso em questão, quando há oscilações provocadas por forças externas os cabos de aço não estarão a todo momento sob tensão e haverá apenas a força da gravidade atuando no sistema. A não-linearidade, teorizam Lazer-McKenna, dar-se-á pelo fato de que cabos diferentes podem estar sob tensão em momentos diferentes. A consequência disso acarretará em oscilações de grandes amplitudes com atuação de forças externas moderadas. Soluções numéricas contidas no modelo de Lazer-McKenna reforçam as observações no colapso da ponte Tacoma Narrows, dando mais um passo para melhor compreensão deste caso.

– Para Saber Mais

 

McKenna, P. Joseph e Walter W., Nonlinear oscillations in a suspension bridge, Arch. Rational Mech. Anal., 98 (1987), pp. 167-177.

Amann, O. H., T. von Karman, e Woodruff, G. B. The Failure of the Tacoma Narrows Bridge. Federal Works Anegncy, 1941.

von Karman, T. The Wind and Beyond, Theodore von Karman, Pioneer in Aviation and Pathfinder in Space, Boston: Little, Brown, 1967.

7 comentários

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  1. Olá, me tira uma dúvida: os engenheiros erraram nos cálculos? Foi erro de engenharia? Ou na época ninguém sabia desses “Efeitos não-lineares”?

    Obrigado!

    1. Olá, sr. Carlinhos.

      À época, os efeitos não-lineares na engenharia já era conhecidos. Naturalmente, não conhecemos todos os efeitos possíveis, pois trata-se de um vasto campo de atuação.

      As equações diferenciais, em si, para a construção da ponte, não estavam incorretas. O erro estava na forma como foi construída: os engenheiros-projetistas não construíram a ponte para suportar ventos laterais superiores à 70 km/h, pois não colocaram o reticulado por baixo do tabuleiro, deixando-a com bastante rigidez, tanto torcional, quanto transversal.

      Acredito eu que não previram (ou, simplesmente, desconsideraram) tais efeitos meteorológicos durante o seu projeto.

      Abraços.

    • Dinis Ribeiro on 07/04/2015 at 08:43
    • Responder

    Sugestão:

    Why ‘Flutter’ Is a 4-Letter Word for Pilots
    http://www.wired.com/2010/03/flutter-testing-aircraft/

    Flutter phenomena are seen when vibrations occurring in an aircraft match the natural frequency of the structure. If they aren’t properly damped, the oscillations can increase in amplitude, leading to structural damage or even failure.

    In the video above, astronaut Fred Haise is piloting a Piper PA-30 Twin Commanche during flutter tests NASA conducted with general aviation aircraft in the late 1960s.

    Once the vibrations are introduced into the tail of the aircraft, in this case a stabilator, the flutter increases dramatically causing tremendous oscillations in the horizontal surface making the stabilator flex as if made of rubber.

    According to NASA, Haise said of the experience, “I’m fearless, but that scares me.”

    Flutter testing has led to changes in several aircraft over the years.

    During flutter testing of the Boeing 747 in the late 1960s, damping in the wing was not satisfactory in some circumstances, especially with certain fuel loadings.

    Design changes were made to stiffen the wing structure and no flutter was reported once the fix was made.

    So the next time you have a window seat and you’re watching the wing move up and down, you can rest assured — thanks to flutter testing — those movements are totally normal and you won’t have to deal with the same excitement Fred Haise encountered during his test in 1966.

    And an interesting footnote to the video: Following the test when the video was shot, Haise went on to become the lunar-module pilot on the ill-fated Apollo 13 mission and was the pilot during the first glide flight of the Space Shuttle.

    Haise and fellow astronauts conducted several flutter tests of the Enterprise during the space shuttle’s development in the 1970s.

  2. Desconhecia a história da ponte… é uma ponte surreal 😀

    1. 😉

    • Manel Rosa Martins on 06/04/2015 at 10:53
    • Responder

    Folgo em vê-lo de novo e com um excelente post, Cavalcanti. 🙂

    Nós aqui em Lisboa temos duas das maiores pontes suspensas do mundo e em nalguns dias elas funcionam (estão abertas ao tráfego rodoviário e ferroviário) com ventos superiores a 64 Km/h (os registados no dia do colapso da Tacoma Narrow), logo beneficiamos dos estudos dos Cientistas e dos Engenheiros para a nossa segurança.

    1. Agradeço ao cavalheiro Manel Rosa Martins pela cordialidade. 🙂

      Não há margem para dúvidas.

      De beleza incomensurável, realizaram-se trabalhos notáveis nas duas pontes já descritas.

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