Primeiros sinais de matéria escura a auto-interagir?

A matéria escura pode afinal não ser completamente escura

Crédito: ESO

Imagem Hubble do enxame de galáxias Abell 3827. Crédito: ESO

Podemos ter observado pela primeira vez matéria escura a interagir com matéria escura de uma maneira diferente do que através da força da gravidade.
Observações de galáxias em colisão obtidas com o Very Large Telescope do ESO deram-nos as primeiras pistas intrigantes acerca da natureza desta misteriosa componente do Universo.

Imagem Hubble do enxame de galáxias Abell 3827 que mostra a distribuição da matéria escura. Crédito: ESO/R. Massey

Imagem Hubble do enxame de galáxias Abell 3827 que mostra a distribuição da matéria escura.
Crédito: ESO/R. Massey

Com o auxílio do instrumento MUSE montado no VLT do ESO, no Chile, e de imagens do Hubble, o telescópio espacial, uma equipa de astrónomos estudou a colisão simultânea de quatro galáxias do enxame de galáxias Abell 3827. A equipa pôde traçar onde é que a massa se encontra no sistema e comparar a distribuição de matéria escura com as posições das galáxias luminosas.

Embora a matéria escura não possa ser observada, a equipa pôde deduzir a sua localização usando uma técnica chamada lente gravitacional. A colisão ocorreu por mero acaso mesmo em frente de uma fonte muito mais distante, sem relação nenhuma com estes objetos. A massa da matéria escura em torno das galáxias em colisão distorceu imenso o espaço-tempo, fazendo desviar o caminho percorrido pelos raios de luz emitidos pela galáxia distante que se encontra no campo de fundo – e distorcendo por isso a sua imagem em características formas de arcos.

O que sabemos atualmente é que as galáxias existem no seio de nodos de matéria escura. Sem o efeito confinante da gravidade da matéria escura, galáxias como a Via Láctea desfazer-se-iam à medida que rodassem. Para que tal não aconteça, 85 % da massa do Universo deve existir sob a forma de matéria escura, no entanto a sua verdadeira natureza permanece ainda um mistério.
(Os astrónomos descobriram que o conteúdo total massa/energia do Universo está separado segundo as seguintes proporções: 68% de energia escura, 27% de matéria escura e 5% de matéria dita normal. Por isso, se descartarmos a energia escura, 85% do total de matéria (sendo o total de matéria 27% + 5%) estará relacionado com a fracção de matéria dita escura (já que 27/32 ~ 0,85).)

Neste estudo, os astrónomos observaram as quatro galáxias a colidir e descobriram que um dos nodos de matéria escura parece estar a ficar para trás da galáxia que rodeia. A matéria escura encontra-se atualmente 5000 anos-luz (50 000 biliões de quilómetros) atrás da galáxia – a sonda espacial Voyager da NASA levaria 90 milhões de anos a chegar a uma tal distância da Via Láctea.

Um desvio entre a matéria escura e a sua galáxia associada é algo que se prevê que possa acontecer durante colisões se a matéria escura interagir consigo própria, mesmo que de forma ligeira, através de forças que não a gravidade [2]. No entanto, nunca se observou anteriormente matéria escura a interagir de outro modo sem ser por acção da força da gravidade.

O autor principal do estudo Richard Massey da Universidade de Durham explica: “Pensávamos que a matéria escura estava apenas ali, não interagindo de outra forma que não fosse pelo efeito da gravidade. No entanto, se a matéria escura está a ficar lentamente atrasada durante esta colisão, isto pode ser a primeira evidência de uma física rica no sector escuro, ou seja, no Universo escondido que nos rodeia.”

Os investigadores dizem que precisam de investigar outros efeitos que poderiam também dar origem a este atraso. Terão que ser feitas observações semelhantes de outras galáxias e simulações de computador de colisões de galáxias.

Liliya Williams, membro da equipa da Universidade de Minnesota, acrescenta: “Sabemos que a matéria escura existe devido ao modo como interage gravitacionalmente, ajudando a moldar o Universo, mas sabemos ainda muito pouco sobre o que é que ela realmente é. As nossas observações sugerem que a matéria escura pode interagir através de forças sem ser a gravidade, o que significa que poderemos excluir algumas teorias chave sobre a sua natureza.”

Este resultado vem no seguimento de um resultado recente desta equipa, que observou 72 colisões de enxames de galáxias (os enxames de galáxias podem conter até cerca de mil galáxias individuais) e descobriu que a matéria escura interage muito pouco consigo própria. O novo trabalho, no entanto, diz respeito ao movimento das galáxias individuais, em vez de tratar dos enxames de galáxias como um todo. Os investigadores dizem que a colisão entre estas galáxias poderia ter durado mais tempo do que as colisões observadas no estudo anterior – permitindo que os efeitos de mesmo uma força de atrito minúscula crescessem com o tempo, dando origem a um desvio passível de ser medido.
(A principal incerteza no resultado é a duração da colisão: a fricção que atrasou a matéria escura pode ter sido exercida por uma força muito fraca que actuou durante cerca de mil milhões de anos ou alternativamente por uma força relativamente mais forte que actuou “apenas” durante 100 milhões de anos.)

Em conjunto, estes dois resultados limitam o comportamento da matéria escura pela primeira vez – ou seja, a matéria escura interage mais do que “isto”, mas menos do que “aquilo”. Massey acrescenta: “Estamos finalmente a chegar à matéria escura, vindos de cima e de baixo – ou seja, vamos confinando o nosso conhecimento nas duas direções.”

Este é um artigo do ESO, que pode ser lido aqui.

2 comentários

    • Samuel Junior on 16/04/2015 at 20:53
    • Responder

    Se a matéria escura “cola” todo o universo e é essencial para a formação do universo tal qual o conhecemos, não acharia mais tão estranho e improvável a teoria do big crunch.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.