Devemos muito a Mariano Gago, o primeiro político português dos últimos 40 anos a apostar verdadeiramente na Ciência e no Espaço.
«O desenvolvimento científico tem possibilidade de influenciar a visão do futuro, porque convoca necessariamente a sociedade moderna e por isso é uma força democrática».
Estas palavras resumem na perfeição o trabalho que Mariano Gago desenvolveu enquanto Ministro responsável pela pasta da Ciência e Tecnologia de vários Governos Socialistas.
José Mariano Gago, doutor em física, investigador internacionalmente reputado na área da física de partículas, foi o principal artífice do desenvolvimento científico português dos últimos vinte e cinco anos, primeiro como presidente da Junta Nacional de Investigações Científicas, depois como ministro da Ciência e Tecnologia e, mais tarde, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Mariano Gago chegou ao Governo pela mão de António Guterres em 1995 e assumiu a pasta do Ministério da Ciência e Tecnologia (1995-2002). Regressou dois anos depois para assumir funções governativas durante os governos de José Sócrates (2005-2011), quando tomou conta da pasta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O ex-ministro foi um dos responsáveis pela criação da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – mais conhecida por Ciência Viva, gestora da rede de Centros Ciência –, fechou universidades privadas e conduziu o processo Bolonha em Portugal.
Eu prefiro – talvez devido à paixão assumida pelo Espaço – lembrar Mariano pelo contributo ao desenvolvimento de Portugal na área do Espaço.
Com ele, em 1998, a ESA, Agência Espacial Europeia, começa a receber estagiários portugueses. Ou seja, todos os anos, Portugal tem acesso a um número específico de vagas para programas de estágios. De 2000 a 2009, foram apresentadas à ESA 538 candidaturas: 128 foram aceites e 77 terminaram o estágio.
A 14 de Novembro de 2000, Portugal torna-se membro cooperante da ESA. Isto significa que passa a investir obrigatoriamente em alguns programas da ESA e pode escolher investir em outros, opcionais. Significa, também, num período inicial, um investimento da ESA em cerca de 3 milhões de euros (preços de 2008) para que Portugal possa desenvolver o «know-how» na área espacial e promover a sua fraca (se não praticamente inexistente) indústria espacial.
De 2000 a 2009, o total gasto em 2009 representou 0,0074% do Produto Interno Bruto português, 17,6 milhões de euros. Nestes 10 anos, Portugal investiu um total de 115 milhões de euros, tanto nos programas obrigatórios como nos opcionais da ESA.
E agora… a parte maravilha! A ESA funciona com o princípio de retorno geográfico. Isto significa que quando um membro investe tanto nos programas obrigatórios como nos opcionais, garante que a sua indústria ganhará contratos no total mínimo do valor que investiu.
Confusos? Eu dou um exemplo: se investir 1 euro num programa da ESA, sei que as minhas empresas receberão, no mínimo, contratos que irão perfazer o total de 1 euro.
Portugal seguiu a regra de ouro dos investidores e não colocou os ovos todos no mesmo cesto: investiu no sector espacial, em média, 74% na ESA, 21% na EUMETSAT e 5% nos programas quadro da União Europeia.
O que Mariano Gago teve a ver com isto tudo?
Mariano Gago chegou ao Governo em 1995 e investiu bastante no desenvolvimento científico português.
A indústria espacial portuguesa tinha começado a dar uns passos bastantes tímidos com o lançamento do POSAT, o primeiro satélite português, em 1993. Mas foi com Mariano Gago e, sobretudo, a sua aposta nos programas da ESA, que a indústria espacial portuguesa floresceu. Prova disso é o gráfico abaixo que exemplifica o retorno geográfico de Portugal entre 2000 e 2009.
Em 10 anos (2000-2009), a indústria (mas também a academia) portuguesa arrecadou contratos da ESA no total de 94,874 milhões de euros, ou seja, 85% do valor investido no mesmo período.
Apesar de não ter os números comigo nem os encontrar disponíveis na Internet, recordo-me de em Dezembro de 2013 ter participado numa conferência relacionada com Espaço.
Nessa ocasião, foi feita uma apresentação mencionando que o retorno geográfico nos últimos anos (sendo o último ano de referência 2011, se não estou em erro) tinha atingido 108%, graças sobretudo ao investimento inicial feito nos primeiros anos, pois a crise financeira forçara entretanto Portugal a diminuir a sua participação nos programas opcionais da ESA.
Olhando para o gráfico, reparamos que Mariano Gago foi o Ministro responsável por esta área durante oito do total de 10 anos a que o gráfico se refere.
Hoje perdemos o homem que, com a sua visão, deixou um legado inestimável para Portugal, para a ciência e, em particular, para o Espaço em português. Devemos muito a Mariano Gago, o primeiro político português dos últimos 40 anos a apostar verdadeiramente na Ciência e no Espaço.
Paz à sua alma.
3 comentários
Sugestão: http://www.marianogago.org/
Este sitio da internet surge no âmbito de um movimento espontâneo da comunidade científica em Portugal.
Partilhe um testemunho sobre José Mariano Gago e o seu legado para o desenvolvimento do conhecimento, da ciência e tecnologia e da cultura científica na nossa sociedade.
Se tem fotografias que nos mostram como foi a acção de José Mariano Gago, memórias que queira partilhar, simples frases que melhor ajudem a documentar o seu legado de pensador e humanista, não hesite em partilhar todo esse material aqui.
Sugiro vivamente a leitura:
Entrevista a José Mariano Gago
João de Pina-Cabral
Análise Social, Vol. XLVI (3.º), 2011 (n.º 200), 388-413
PDF (615 Kb)
Link: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1325586077J8zDR6sq3Ep56EE1.pdf
Lembro-me (http://en.wikipedia.org/wiki/Spark_chamber / http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_de_Wilson / http://en.wikipedia.org/wiki/Cloud_chamber ) de algumas coisas que vi em grande detalhe na exposição no IST que ocorreu em 1981 referida na página 396, que me influenciaram muito mais do que eu me apercebi na altura…
Revista: http://analisesocial.ics.ul.pt/?page_id=18
Fiquei emocionado e surpreendido com esta morte súbita.
Conheci-o em 1987, quando ainda fazia parte da JNICT.
Lembro-me com tristeza duma conversa muito interessante e tranquila que tive com ele ainda na sede da ESA, em Paris, no cocktail logo após a cerimónia da assinatura da adesão á ESA em Dezembro de 1999…
Calculo que ainda existirá algures uma fotografia que eu tirei nesse dia com a câmara duma das 4 primeiras pessoas que foram estagiar na ESA, em que está o Mariano Gago e o então Director Geral da ESA http://en.wikipedia.org/wiki/Antonio_Rodot%C3%A0 juntamente com os estagiário(a)s…
Na área da astronomia em geral e sobretudo nos aspectos ligados á física de partículas, ele foi claramente um impulsionador, e a participação do LIP no AMS é um exemplo paradigmático: http://pt.wikipedia.org/wiki/Espect%C3%B4metro_Magn%C3%A9tico_Alpha
No sector espacial, para mim, mais do que um impulsionador, do meu ponto de vista, ele foi um moderador (demasiado?) eficaz, que do mesmo modo que as barras de grafite num reactor abrandam os neutrões controlando a reacção em cadeia, de modo a conseguir preservar a integridade estrutural do reactor, e permitindo a geração continuada e segura de (pelo menos) alguma electricidade…
Não concordo com a noção de que a indústria espacial tenha “florescido” em Portugal, se bem que compreendo e aceito que isso “possa parecer ser desse modo” aos olhos das novas gerações, sobretudo relativamente ao nível da impressionante miséria neste sector que existia anteriormente á adesão á ESA, que viabilizou (sobretudo) um mínimo de financiamento regular e bem organizado do sector, viabilizando um crescimento (demasiado?) lento, mas estável.
Acima de tudo, no sector espacial, penso que ele foi um excelente pacificador que conseguiu profissionalizar (através da participação na ESA) e isolar de inúmeras “vibrações” uma boa parte do “sector espacial nacional” dum nível de polémica e tensão política que se tinham revelado (relativamente?) estéreis e destrutivos ao longo dos anos 90.
Em 1990, após a decisão do adiamento da adesão á ESA, (porque não estávamos “preparados”, embora a AIP tivesse elaborado uma lista de 80 empresas) é recebida no Ministério da Defesa a proposta da Surrey Satellite Technology para o projecto PoSAT, e a decisão política do então Ministro da Indústria (Mira Amaral) em 1991, é vital para se dar um passo no sentido de “treinar recursos humanos” e criar condições para a adesão á ESA.
Infelizmente, o nível de conflitualidade no interior do consórcio PoSAT vai crescendo paulatinamente, e o pequeno micro-satélite (“promovido” pelos médias a “Primeiro Satélite Português”). o PoSAT1, que devido a diversas polémicas, esteve prestes a ser cancelado, apenas vai para o espaço em 1993, em vez de 1992 como estava planeado, também devido a sérios “problemas de gestão” dentro do consórcio.
A intervenção dum outro político (Nobre da Costa, que tinha sido primeiro ministro em 1978) é vital para desbloquear o processo a nível financeiro, e permitir a entrada em órbita do PoSAT1.
Em 1994, o PoSAT 2 é continuamente adiado enquanto se procura um lançador que não seja demasiado caro. Há quem queira usar um SS-18 http://en.wikipedia.org/wiki/R-36_(missile) e há quem queira usar o Pegasus http://en.wikipedia.org/wiki/Pegasus_(rocket). Há uma crescente partidarização e politização do sector.
Em 1995, a ideia de se pensar num PoSAT 3 é abandonada a favor da possibilidade (era a moda nessa época) duma constelação de 30 pequenos “PoSATs”, a constelação NETSAT, que é considerada “demasiado cara”, embora o então ministro dos Negócios Estrangeiros (Durão Barroso) esta pronto a adquiri-la para interligar todas as embaixadas Portuguesas com comunicações encriptadas para reforçar a nossa soberania.
Pela minha parte, uma proposta para desenvolver sistematicamente a área industrial e científica da migro-gravidade incluindo o sector dos voos espaciais tripulados em Portugal, que entreguei em 1995, aguardou por uma decisão durante dois anos, até que o financiamento pelo Praxis XXI chega finalmente em 1997…
Quanto a esta ideia:
… Portugal seguiu a regra de ouro dos investidores e não colocou os ovos todos no mesmo cesto: investiu no sector espacial, em média, 74% na ESA, 21% na EUMETSAT e 5% nos programas quadro da União Europeia. …
Penso que deveríamos seguir a mesma regra “de ouro” a nível geopolítico.
Teríamos então 66% do nosso orçamento espacial (quando é que chegará a 1% do nosso PIB? apenas em 2050?) nos projectos espaciais Europeus (ESA,EUMETSAT,UE) e os restantes 34% em projectos de interesse puramente “nacional” de modo a protegermos eficazmente a nossa soberania, através (em certos casos específicos), de projectos pontuais (acordos bilaterais) com diversos parceiros dentro e fora da União Europeia, como já é feito por vários outros países que fazem parte da ESA.
Penso que o legado dele que será potencialmente mais duradouro, estará talvez no “Ciência Viva” a nível do impacto cultural e incluindo a exigência de qualidade na divulgação científica.
Em 1988 ele foi uma das pessoas que reviu um texto que eu escrevi sobre a Engenharia Biomédica em Portugal para uma separata da revista FUTURO…
…e lembro-me duma fotografia dum astronauta a efectuar uma experiência biomédica em órbita, que ele pensava que não deveria ser incluída como exemplo de projectos futuros por ser demasiado “polémica”…
Lembro-me também (com tristeza) das sugestões dele, em 1997, relativamente ao potencial papel didáctico dos pequenos foguetes educativos, (“Aeroespacial: Experimentar fazendo”) deste tipo: http://en.wikipedia.org/wiki/Estes_Industries e a uma ideia dele sobre certas infraestruturas de apoio para esse fim, que (18 anos depois) ainda está por por em prática a nível nacional, neste âmbito…
Sugestão:
Centros de investigação homenageiam Mariano Gago
http://www.publico.pt/ciencia/noticia/centros-de-investigacao-homenageiam-mariano-gago-1692844?google_editors_picks=true
Cinco minutos de paragem das actividades ao meio-dia, na segunda-feira.