Cientistas recriam síntese pré-biótica de nucleósidos em meteoritos expostos a partículas energéticas

representacao_art_intenso_bombardeamento_tardioRepresentação artística do intenso bombardeamento de asteroides que assolou o Sistema Solar interior, há cerca de 4 mil milhões de anos.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Uma equipa de investigadores italianos e russos sintetizou em laboratório os precursores moleculares dos blocos de construção dos ácidos nucleicos, irradiando misturas de formamida líquida (NH2CHO) e meteoritos pulverizados com feixes de protões altamente energéticos. O trabalho foi recentemente publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences e sugere que os asteroides poderão ter sido uma importante fonte de moléculas pré-bióticas essenciais para o aparecimento dos primeiros organismos vivos na Terra.

A formamida é a mais simples das amidas e ocorre naturalmente em abundância em todo o Universo. Nos últimos anos, este composto tem sido detetado nos centros de galáxias, em berçários estelares, no espaço interestelar e em cometas e luas do Sistema Solar.

Alguns cientistas pensam que a formamida poderá ter desempenhado um papel crucial na origem da vida na Terra. Em dezembro passado, uma equipa de investigadores checos descobriu que a energia libertada pelo impacto de um cometa ou asteroide seria suficiente para transformar instantaneamente a formamida nas quatro letras moleculares do ácido ribonucleico (ARN) – a adenina, a guanina, a citosina e o uracilo.

Estes resultados sugerem que o intenso bombardeamento a que o nosso planeta foi sujeito há cerca de 4 mil milhões de anos poderia ter impregnado a superfície terrestre com ingredientes fundamentais à formação das primeiras cadeias nucleotídicas. No entanto, o puzzle permanecia incompleto. Embora tenham reproduzido com sucesso a síntese das bases azotadas do ARN, os investigadores checos foram incapazes de recriar a formação de moléculas de ribose, 2-desoxirribose e fosfato – os componentes da espinha dorsal dos ácidos nucleicos.

formamida_bases_azotadas_ribose_nucleosidosEstrutura química da formamida, da ribose e de bases azotadas e nucleósidos sintetizados na experiência realizada pela equipa de investigadores italianos e russos (cinzento representa os átomos de carbono (C); azul, os de azoto (N); e vermelho, os de oxigénio(O)).
Crédito: Sérgio Paulino.

O novo estudo resolve metade deste problema. Recorrendo a uma simples experiência laboratorial desenhada para mimetizar as condições presentes na superfície dos asteroides, a equipa liderada por Raffaele Saladino da Universidade de Tuscia, em Itália, replicou a síntese de mais de 60 moléculas orgânicas, incluindo bases azotadas, a ribose e quatro nucleósidos, moléculas constituídas por uma base azotada e uma pentose (ribose ou 2-desoxirribose).

A experiência consistiu na combinação de formamida líquida com amostras de materiais meteoríticos pulverizados, representativas das quatro principais classes de meteoritos: férreos, petro-férreos, condritos e acondritos. Depois de serem conservadas a temperaturas muito baixas, as misturas foram irradiadas com feixes de protões altamente energéticos, com o objetivo de simular a ação do vento solar na superfície rochosa dos asteroides.

“Os meteoritos catalisaram as transformações, e os melhores catalisadores foram os condritos, os mais antigos meteoritos no espaço”, explicou Raffaele Saladino à revista Chemistry World. “[Estes objetos] seriam catalisadores muito eficientes durante a sua permanência no espaço, ou até mesmo quando caiam na superfície da Terra ou de outro planeta semelhante.”

Os autores sugerem que o bombardeamento da formamida com protões altamente energéticos conduziria à formação de espécies radicais extremamente reativas, que se combinariam entre si para criarem compostos orgânicos biologicamente relevantes, incluindo os precursores moleculares dos nucleótidos – as subunidades do ARN e do ácido desoxirribonucleico (ADN). Depois de alcançarem a Terra, estes compostos reagiriam com os fosfatos presentes nos minerais da crusta terrestre para formarem os blocos constituintes da vida. Este processo é suficientemente simples para poder ser reproduzido noutros planetas, pelo que estes resultados sugerem que os ingredientes básicos da vida deverão estar amplamente difundidos pelo Universo.

Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.

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