Supernovas Com e Sem Motor

Uma equipa de astrónomos utilizou os radiotelescópios do Karl G. Jansky Very Large Array e observatórios de raios gama no espaço, para estudar uma supernova peculiar designada por SN2012ap, na galáxia NGC 1729, a 140 milhões de anos-luz na direcção da constelação de Orionte. Nesse processo descobriu o que parece ser um “elo perdido”, há muito procurado, entre as supernovas que dão origem a explosões de raios gama (Gamma Ray Bursts ou GRBs) e as supernovas normais. O artigo descrevendo os resultados das observações, e aceite para publicação na revista Astrophysical Journal, mostra que existe uma continuidade entre as supernovas normais, que não originam GRBs, e as supernovas que originam GRBs. Por outras palavras, os GRBs não são mais do que supernovas extremas. Sayan Chakraborti, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (CfA), e um dos astrónomos envolvidos no estudo, descreve assim a importância desta descoberta:

Este é um resultado notável pois permite uma melhor compreensão do mecanismo por detrás das explosões [de raios gama]. Este objecto [a SN2012ap] preenche um nicho, vazio até à data, entre as supernovas que dão origem a GRBs e outras supernovas do mesmo tipo, mostrando-nos que existe um largo espectro de possibilidades para estas explosões.

Numa supernova normal, sem “motor”, o material da estrela progenitora é projectado para o espaço de forma simétrica (esquerda). Uma supernova com “motor” muito energético emite dois jactos de partículas e gera uma explosão de raios gama (direita). Os autores descobriram uma supernova com um “motor” pouco energético que não produziu uma explosão de raios gama (centro). Crédito: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF.

Numa supernova normal, sem “motor”, o material da estrela progenitora é projectado para o espaço de forma simétrica (esquerda). Uma supernova com “motor” muito energético emite dois jactos de partículas e gera uma explosão de raios gama (direita). Os autores descobriram uma supernova com um “motor” pouco energético que não produziu uma explosão de raios gama (centro). Crédito: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF.

As supernovas estudadas pela equipa resultam do colapso gravitacional de estrelas maciças. Durante milhões de anos, estas estrelas realizaram sucessivamente a fusão do hidrogénio, do hélio, do carbono, do oxigénio, do néon, do magnésio e do silício, até formar um núcleo de ferro e níquel. Estes elementos têm os núcleos atómicos mais estáveis, pelo que a estrela não pode extrair mais energia com a sua fusão. O resultado da falência energética do núcleo da estrela é o seu colapso gravitacional, numa fracção de segundo, com a formação de um objecto compacto — uma estrela de neutrões ou um buraco negro. O colapso do núcleo dá origem também a uma onda de choque que percorre a estrela em direcção à superfície, destruindo-a. Numa supernova típica, esta onda de choque projecta para o espaço as camadas da estrela exteriores ao núcleo de forma aproximadamente simétrica, formando uma bolha que se expande a 5-10% da velocidade da luz. Estas supernovas não dão origem a explosões de raios gama.

A supernova SN2012ap na galáxia NGC1729, a cerca de 140 milhões de anos-luz. Crédito: Milisavljevic et al.

A supernova SN2012ap na galáxia NGC1729, a cerca de 140 milhões de anos-luz. Crédito: Milisavljevic et al.

Numa pequena fracção das supernovas, em especial nas de tipo Ib e Ic, que resultam do colapso de estrelas originalmente muito maciças, parte do material exterior ao núcleo cai para o centro da estrela em colapso e forma um disco de acreção efémero em torno da estrela de neutrões ou do buraco negro recém formado. O plasma neste disco, a temperaturas de milhões de Kelvin, gera fortíssimos campos magnéticos que produzem jactos de partículas relativísticas (com velocidades próximas da da luz) perpendiculares ao disco. Esta combinação de um objecto compacto com disco de acreção e jactos é designado por motor (engine) e a sua formação torna a supernova particularmente energética. As explosões de raios gama ocorrem devido à transferência de energia das partículas nestes jactos para fotões de radiação gama de baixa energia abundantes devido às elevadas temperaturas. As explosões têm a duração de alguns minutos e são tão energéticas que são visíveis a distâncias cosmológicas; são detectadas por observatórios em órbita da Terra com uma cadência de aproximadamente uma por dia.

Uma explosão de raios gama (GRB) acontece quando um jacto de partículas relativísticas irrompe pela estrela em colapso. Inicialmente, o jacto emite raios gama devido ao plasma a milhões de Kelvin que o compõe (2). Colisões entre diferentes componentes do jacto aceleram electrões que emitem radiação gama e transferem parte da sua energia para raios gama através do efeito de Dispersão de Compton Invertida (3). Algumas horas depois o jacto atinge o material interestelar que circunda a estrela que colapsou e desacelera, produzindo um remanescente que brilha em vários comprimentos de onda, incluindo no visível (4). Crédito: Nature.

Uma explosão de raios gama (GRB) acontece quando um jacto de partículas relativísticas irrompe pela estrela em colapso. Inicialmente, o jacto emite raios gama devido ao plasma a milhões de Kelvin que o compõe (2). Colisões entre diferentes componentes do jacto aceleram electrões que emitem radiação gama e transferem parte da sua energia para raios gama através do efeito de Dispersão de Compton Invertida (3). Algumas horas depois o jacto atinge o material interestelar que circunda a estrela que colapsou e desacelera, produzindo um remanescente que brilha em vários comprimentos de onda, incluindo no visível (4). Crédito: Nature.

Durante algum tempo pensou-se que todas as supernovas que desenvolviam este “motor” davam origem a explosões de raios gama. O trabalho de Dan Milisavljevic e colegas mostra que afinal tal não é o caso, isto é, existem supernovas que desenvolvem motores mas que não produzem explosões de raios gama. Alicia Soderberg, uma das co-autoras comenta:

Esta supernova formou jactos que se moviam quase à velocidade da luz, e estes jactos foram rapidamente travados, tal como os jactos que observamos nos GRBs [no entanto não foi observada nenhuma explosão de raios gama].

Os autores tinham já observado jactos relativísticos numa outra supernova, a SN2009bb, mas nesse caso os jactos expandiram-se livremente, ao contrário do que é observado nos jactos de supernovas que produzem GRBs. A explicação adiantada para este fenómeno reside aparentemente na sua composição. No caso das supernovas que geram GRBs, os jactos são formados essencialmente por partículas como electrões e positrões, que transferem rapidamente parte substancial da sua energia para fotões de radiação gama de baixa energia — um efeito designado por Dispersão de Compton Inversa. No caso de supernovas como a SN2009bb, os jactos parecem ser constituídos de partículas mais pesadas como protões e piões (partículas constituídas por um quark e um antiquark) que dificilmente transferem energia para fotões e por isso não são desacelerados.

Chakraborti resume a situação desta forma:

O que vemos é que existe uma grande diversidade de motores neste tipo de explosão de supernova. As que têm motores fortes, com jactos formados por partículas pequenas, produzem GRBs; as que têm motores mais fracas e jactos com partículas pesadas, não.

Soderberg, remata:

Este objecto [a SN2012ap] mostra que a natureza do motor tem um papel central na determinação das características deste tipo de supernova [com motor].

(Fontes: CfA, arxiv.org)

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