Paradoxos da Razão – Parte III

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Um paradoxo é uma contradição, é como que uma falha lógica. Assim, como é que o pensamento racional poderá conduzir a paradoxos? A questão em si parece ser paradoxal, a menos que a razão nos pregue partidas.

Na parte I falei-vos dos paradoxos de Zeno, do paradoxo da roda de Aristóteles, e do problema da corda à volta da Terra. Na parte II abordei o Paradoxo de São Petersburgo, o Princípio da Casa de Pombos, e a Fita de Möbius.

Nesta terceira parte vou debruçar-me sobre o Paradoxo do Barbeiro, o Teorema do Macaco Infinito, o Paradoxo de Banach-Tarski, e o Paradoxo do Grande Hotel de Hilbert.

Paradoxo do Barbeiro

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Numa dada cidade existe um barbeiro que corta a barba a todos os homens da cidade que não cortam a sua própria barba. Este barbeiro não corta a barba a mais ninguém. Sendo assim, o barbeiro corta a sua própria barba? Como se entende facilmente, este barbeiro não pode cortar a barba a todos os homens da cidade que não cortam a sua própria barba, porque existe um elemento neste grupo de homens que torna a premissa contraditória: o próprio barbeiro.

Esta é uma versão do mais geral Paradoxo de Russell, pensado pelo filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-1970). Na sua versão geral, o paradoxo lida com conjuntos de todos os conjuntos que não são membros do próprio conjunto. No exemplo de cima, o barbeiro não pode fazer parte do conjunto de todos os homens da cidade. Isto conduziu a uma redefinição da Teoria de Conjuntos em Matemática, para evitar este tipo de contradições. Serviu também de alicerce para que matemáticos posteriores notassem outros paradoxos ou até limitações da matemática, como seja o famoso Teorema da Incompletude de Gödel, que irei abordar num futuro artigo.

Teorema do Macaco Infinito

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Este teorema não tem nada de paradoxal, mas como gosto de pensar na noção de infinito, convido mais uma vez o leitor a fazer este exercício. No Teorema do Macaco Infinito temos um macaco a escrever numa máquina de escrever carregando nas teclas aleatoriamente durante um tempo infinito. De certo que este macaco irá escrever qualquer texto (finito) na sua máquina de escrever! Uma dada frase de Fernando Pessoa poderia só surgir ao fim de googol (10^100 = 1 seguido de cem zeros) tentativas, o que demoraria um tempo superior à idade do nosso universo, supondo que o macaco pressionasse em média uma tecla por segundo. No entanto, o infinito é infinitas vezes maior que o googol, ou que qualquer outro número… Demoraria (em média) uma “eternidade” a escrever uma frase, e uma “eternidade” muito maior para escrever uma página, e uma muito maior para escrever um livro. No entanto, no infinito, todos os livros seriam escritos por este macaco incansável.

Esta analogia do Macaco Infinito foi primeiramente discutida por Émile Borel, matemático francês (1871-1956), não apenas com um macaco, mas com um milhão deles, a escrever 10 horas por dia, com o objectivo de obter livros para uma biblioteca.

Paradoxo de Banach-Tarski

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Este paradoxo advém de uma demonstração matemática que mostra que é possível “partir” a representação matemática de uma esfera em “pedaços”, e remontar os “pedaços” em duas esferas idênticas à primeira esfera, como na imagem acima.

Se o leitor achar que não está a perceber, então é porque provavelmente compreendeu bem!

Com a mesma demonstração mostra-se também que duma pequena esfera se pode obter uma esfera muito maior, depois do processo de divisão e reagrupamento (em que o reagrupamento consiste simplesmente em operações de rotação e translação dos “pedaços”, tal como no exemplo anterior).

Este é talvez um dos paradoxos mais famosos da Matemática, consequência do seu carácter bizarro e contra-intuitivo. É impossível verificá-lo no mundo físico, onde o volume se conserva (supondo não haver reacções físicas ou químicas envolvidas). Pelo contrário, na “representação matemática” duma esfera temos um conjunto infinito de pontos, os quais podem ser partidos em “pedaços” que não têm sentido físico directo, puras abstracções matemáticas (onde os conceitos de fronteira e de volume podem nem estar definidos), e que não obedecem à nossa “lógica física”. (Poderá ser conveniente recordar o Paradoxo da Roda de Aristóteles, na parte I…)

O paradoxo foi estabelecido pelos matemáticos polacos Stefan Banach e Alfred Tarski em 1924. Curiosamente, ou talvez naturalmente, o propósito destes matemáticos era mostrar que o “Axioma da Escolha”, que está na base da demonstração deste paradoxo, teria que estar errado (este axioma está na base de muitos outros teoremas, sendo importante na teoria de conjuntos; dado o nível técnico exigido para o compreender, abstenho-me de dar maiores explicações). Ainda hoje há matemáticos que pensam que Banach e Tarski conseguiram de facto mostrar que o Axioma da Escolha está errado, no entanto, a maioria dos matemáticos considera apenas que a nossa lógica empírica não se aplica ao problema.

Esta explanação é obviamente insuficiente para que o leitor possa ficar a compreender bem o paradoxo, mas como não existe uma explicação acessível (que eu conheça), deixo-o apenas com a informação da existência deste paradoxo.

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Paradoxo do Grande Hotel de Hilbert 

Hotel de Hilbert

Tal como eu (e espero que o leitor também), o matemático alemão David Hilbert era um grande entusiasta da noção de infinito e das suas propriedades contra-intuitivas. Na década de 20 do século passado, Hilbert deu-nos a conhecer o seu Hotel: o Hotel que, apesar de não ter vagas, consegue sempre acomodar mais pessoas, até mesmo um número infinito delas! Quando você chega a este Hotel e pede um quarto, é informado que o Hotel está cheio, mas como se trata de um Hotel com um número infinito de quartos, o facto de estar cheio não é um problema. O gerente do Hotel pede ao ocupante do quarto 1 para se mover para o quarto 2, ao do quarto 2 para se mover para o quarto 3, ao do quarto 4 para o 5, e assim sucessivamente. Assim, o quarto 1 é seu.

Mais uma vez temos um paradoxo relacionado com o infinito.

Porque razão é o infinito uma fonte tão prolífica de noções aparentemente absurdas? A “culpa” será de certo do nosso senso comum… No nosso dia-a-dia nunca lidamos, por exemplo, com uma carteira cheia de dinheiro infinito.

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 “O meu nariz vai crescer agora.”

 

2 comentários

4 pings

    • Nuno José Almeida on 06/05/2015 at 23:42
    • Responder

    1. O link para a parte II manda para o I
    2. O YouTube com o seu método de criação de url já criou imensas palavras reais de forma aleatória

    1. 1 – Corrigido.
      2 – Sim, o youtube é um bom exemplo da aplicação do teorema do Macaco Infinito. 😉

  1. […] David Hilbert foi um matemático alemão (1862-1943). Hilbert é particularmente conhecido pela Teoria dos Espaços de Hilbert, que é uma das fundações da Análise Funcional. Foi um dos primeiros a fazer a distinção entre Matemática e Metamatemática, o estudo matemático de teorias matemáticas. É uma disciplina que procura estabelecer as fundações e os axiomas sobre os quais assentam as teorias matemáticas. Vários dos problemas da sua lista podem ser considerados do domínio da Metamatemática. Ele tinha também um fascínio pela noção de infinito, como ilustra o Paradoxo de Hilbert. […]

  2. […] Este conceito foi proposto em 1909 por Émile Borel (1871-1956), matemático e político francês, que mostrou que quase todos os números reais são normais! Além disso, propôs a conjectura de que a constante pi (razão do perímetro pelo diâmetro de uma circunferência) é um número normal. Tem-se também conjecturado que a raiz quadrada de 2, o número de Euler (e), e o logaritmo de 2 são também números normais, mas os matemáticos ainda não conseguiram provar nada disto (ainda que, mais uma vez, cálculos computacionais mostrem indícios de que as conjecturas podem/ devem ser verdadeiras). Uma ideia apelativa é que se o pi é de facto um número normal, então é garantido que no meio da sua infinita sequência de algarismos aleatórios seja possível encontrar qualquer tipo de informação codificada, incluindo todos os códigos genéticos, a história da humanidade, todos os universos paralelos possíveis, tudo… (O problema seria naturalmente encontrar esses padrões no “meio” de uma sequência infinita de números: uma tarefa seguramente inviável.) (Basicamente, este tipo de ideia trata-se de uma aplicação do Teorema do Macaco Infinito, do qual já falei no artigo Paradoxos da Razão III.) […]

  3. […] o Paradoxo de São Petersburgo, o Princípio da Casa de Pombos, e a Fita de Möbius. Na parte III debrucei-me sobre o Paradoxo do Barbeiro, o Teorema do Macaco Infinito, o Paradoxo de […]

  4. […] o Paradoxo de São Petersburgo, o Princípio da Casa de Pombos, e a Fita de Möbius. Na parte III debrucei-me sobre o Paradoxo do Barbeiro, o Teorema do Macaco Infinito, o Paradoxo de […]

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