Um dos eventos mais importantes para a astrofísica no século XX terá sido sem dúvida a supernova 1987A, na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea. No dia 23 de Fevereiro de 1987, às 7 horas e 35 minutos, tempo universal, três detectores de neutrinos: o Kamiokande II no Japão, o IMB nos Estados Unidos e o Baksan na ex-União Soviética — detectaram no total 24 anti-neutrinos durante um intervalo ligeiramente inferior a 13 segundos. Tratava-se de um fluxo anormal de anti-neutrinos muito energéticos originários da mesma posição no céu. Eram provenientes do colapso gravitacional de uma estrela, o evento que despoleta uma supernova, mas na altura ninguém fez essa associação. No Chile e na Austrália, 3 horas depois, a luz da supernova foi detectada em placas fotográficas que só viriam a ser examinadas posteriormente. A descoberta oficial da supernova 1987A deu-se já no dia 24 de Fevereiro por Ian Shelton e Oscar Duhalde, a partir do Observatório de Las Campanas, no Chile, e por Albert Jones, na Nova Zelândia.
Os (anti-)neutrinos tinham viajado até nós directamente do núcleo em colapso de uma supergigante azul, designada por Sanduleak -69° 202a. Foi a primeira, e até agora a única, observação directa dos primeiros segundos de uma supernova. A luz da explosão foi observada algumas horas depois da chegada dos (anti-)neutrinos pois é emitida apenas quando a onda de choque que destrói a estrela, energizada pelo colapso do núcleo, chega à superfície. Os (anti-)neutrinos observados foram emitidos nos primeiros segundos do colapso do núcleo, e implicam a formação de um objecto compacto, provavelmente uma estrela de neutrões. Como interagem muito pouco com a matéria, estas partículas elementares atravessaram a estrela quase como se esta não existisse.
Durante a expansão da onda de choque, as temperaturas atingidas no interior da estrela atingem valores extremos, na ordem dos 3 mil milhões de Kelvin. No plasma comprimido a estas temperaturas ocorre um conjunto de reacções nucleares designadas por nucleossíntese explosiva. Este processo é o principal responsável pela produção de isótopos de elementos entre o silício e o ferro, com núcleos que são múltiplos de uma partícula alfa (um núcleo de hélio com 2 protões e 2 neutrões) — enxofre-32, argon-36, cálcio-40, titânio-44 e crómio-48, ferro-52 e níquel-56. Estes isótopos só são produzidos numa região confinada no interior da estrela, nos primeiros momentos da supernova, e são ejectados para o espaço a enorme velocidade. Se, anos mais tarde, os astrónomos conseguissem mapear a sua distribuição no remanescente da supernova, seria possível deduzir informação importante sobre a forma como a explosão evoluiu nos primeiros instantes. E assim, chegamos à notícia!
Num artigo publicado no número de 8 de Maio da revista Science, uma equipa de astrónomos encabeçada por Steve Boggs, da Universidade da Califórnia, Berkeley, descreve observações do remanescente da supernova 1987A com o observatório de raios-X NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array), da NASA. A equipa reporta a detecção de linhas de emissão devidas ao titânio-44, um isótopo radioactivo deste elemento com uma vida média de 85 anos — i.e., ao fim de 85 anos, metade do titânio-44 formado na supernova já terá decaído — , formado exclusivamente por reacções de nucleossíntese explosiva.
Esta detecção seria perfeitamente natural pois o titânio-44 já tinha sido observado no remanescente desta supernova em 2012 pelo observatório de raios gama INTEGRAL, da ESA. O NuSTAR, no entanto, é um instrumento muito mais preciso e permitiu medir com exactidão o perfil das linhas espectrais devidas ao titânio-44. Os cientistas observaram, sem dúvida com muita excitação, que essas linhas apresentavam um “desvio para o vermelho”, ou melhor dizendo, para comprimentos de onda mais longos. Este desvio deve-se ao efeito de Doppler e indica que a fonte dos raios-X, o titânio-44 formado nos primeiros momentos da supernova, está quase todo a afastar-se da Terra — a cerca de 2.6 milhões km/h! Por outras palavras, a fase inicial da supernova 1987A foi altamente assimétrica. Fiona Harrison, do Caltech, e co-autora do artigo, explica a lógica por detrás desta detecção (tradução livre do autor):
O titânio[-44] é produzido no coração da explosão e por isso deixa um rasto que permite deduzir a forma como a estrela foi destruída. O desvio energético detectado nos raios-X provenientes do titânio pelo NuSTAR implica que, surpreendentemente, a maior parte deste material se está a afastar de nós.
Os cientistas pensam que isso implica também que a putativa estrela de neutrões resultante do colapso gravitacional do núcleo da estrela levou um coice na nossa direcção. Esta estrela ainda não foi detectada mas existem indícios recentes de que poderá estar presente no interior do remanescente.
Steve Boggs descreve assim o actual entendimento dos instantes iniciais de uma supernova, corroborado por elaboradas simulações em computador (tradução livre do autor):
As estrelas são objectos esféricos, mas aparentemente o processo pelo qual morrem [o colapso gravitacional do núcleo] provoca turbulência no núcleo, com este a ebulir e a chocalhar segundos antes do colapso. Estamos a aprender que este tipo de instabilidade dá origem a explosões assimétricas.
O vídeo seguinte mostra uma simulação, das mais completas realizadas até à data, dos primeiros 2 décimos de segundo de uma supernova. A estrela de neutrões está representada como uma pequena esfera no centro. A onda de choque gerada pelo colapso do núcleo parece perder força até que, passados 100 milisegundos, uma pequena fracção dos neutrinos emitidos pelo arrefecimento da estrela de neutrões deposita a sua energia no plasma que a rodeia. A turbulência resultante energiza a onda de choque que destrói o resto da estrela em poucas horas.
[Crédito: Christian Ott (Caltech) e Steve Drasco (Grinnell College).]
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