Noites estreladas

O pintor holandês Van Gogh e a estrela vermelha V838 Monocerotis têm uma coisa em comum: ambos produziram brilhos fascinantes, mas difíceis de explicar.

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Talvez os especialistas estejam enganados e o cipreste retorcido, e aquele céu no quadro «Noite Estrelada», não sejam a representação da alma atormentada do artista.

E talvez algum dia alguém saiba explicar por que razão V838 Monocerotis pôde brilhar repentinamente como uma supernova, sem explodir como uma supernova.

Eu prefiro imaginar que Van Gogh observou os ecos da luz dessa misteriosa estrela moribunda, a milhares de anos-luz de distância, mesmo que o Tempo e o Espaço tenham conspirado para o impedir.

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E a 9 de junho de 1889, no hospício de Saint-Rémy, em França, onde fora internado, a noite anoiteceu pelos olhos de um pintor inspirado. A realidade da noite deixou de ser realidade da noite e passou a ser uma ideia no quadro. E o fulgor de uma estrela inchada transmitiu-se a todas as estrelas e todas as estrelas desceram sobre ele como se o Cosmos tivesse sido criado para aconchegá-lo.

72 anos depois, com o primeiro passeio de Yuri Gagarin, a Humanidade iniciou a longa caminhada em direção às estrelas que Van Gogh pintara – e a noite anoiteceu pelos olhos do astronauta.

O brilho vindo da V838 Monocerotis, na constelação de Unicórnio, a 20 mil anos-luz de distância, foi descoberto 113 anos depois pelo Hubble – e a noite anoiteceu pelos olhos de um telescópio.

V838 Monocerotis era uma estrela relativamente discreta até «perder o juízo», aumentar de diâmetro de forma repentina e drástica, e tornar-se 600 mil vezes mais luminosa do que Sol.

Do jogo de luz e poeira interestelar captado pelas lentes do telescópio espacial resultou uma série de imagens que a NASA, com comovente entusiasmo, comparou às pinceladas de Van Gogh naquele hospício perto de Paris.

Não foi uma explosão, mas uma erupção repentina que projetou as camadas exteriores para o Espaço. Aquele sol esticou, esticou, até essas camadas arrefecerem e se separarem da estrela. O núcleo nunca ficou exposto.

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Também se deu uma erupção repentina, na véspera de Natal de 1888. Van Gogh discutiu com Paul Gauguin, outro grande pintor e seu grande amigo. Sentiu-se torturado pelas palavras do outro e cortou a própria orelha.

Segundo informações recolhidas pelos jornais da época, ofereceu-a depois a uma prostituta. Este incidente terá sido o primeiro sinal inequívoco da doença mental do pintor. Talvez Van Gogh sofresse de epilepsia ou bebesse absinto em excesso.

Ninguém sabe do que sofreu a estrela V838 Monocerotis. A estrela poderá ter colidido com outra estrela. Há quem ache que ficou assim por ter engolido três planetas jupiterianos, um atrás do outro.

O que provocou a loucura de Van Gogh não é claro. Talvez não tivesse sido enlouquecido só pela loucura, mas por perceber que o seu riquíssimo talento não lhe garantiria uma refeição no dia seguinte.

O irmão Theo era um negociante de arte e só lhe conseguiu vender um quadro. Sustentou-o durante quase toda a sua vida. A qualidade da obra só seria reconhecida depois da morte do autor, ocorrida em Julho de 1890: Van Gogh disparou um tiro sobre o próprio peito e morreu dois dias depois. As suas últimas palavras: «A tristeza durará para sempre».

Mas o seu brilho permaneceu e atravessou os séculos, como o das estrelas. Hoje em dia cada quadro seu vale uma fortuna quase inimaginável. Um exemplo: em 1990, «Retrato do Dr. Gachet» foi comprado por 60 milhões e 500 mil euros.

60 milhões e 500 mil euros! Van Gogh merece que as leis da Física, do Tempo e do Espaço sejam contrariadas, por ele e só por ele.

Eis os factos, devidamente revistos: numa noite estrelada de 1889, nos arredores de Paris, um dos maiores pintores de todos os tempos inspirou-se no brilho de uma irmã misteriosa, V838 Monocerotis, e foi capaz, 113 anos antes do Hubble, de a trazer para a Terra.

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