Os aglomerados globulares, aglomerações esfuziantes com até um milhão ou mais de estrelas antigas, estão entre os objetos mais velhos do Universo [1]. Apesar de abundantes tanto dentro quanto em volta das galáxias, exemplos de aglomerados recém-nascidos são extremamente raros e nunca foram detectadas as condições necessárias para produzir novos até então.
Agora, astrônomos que usavam o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) descobriram o que parece ser o primeiro exemplo conhecido de um aglomerado (enxame) globular prestes a nascer: uma nuvem de gás molecular incrivelmente massiva e extremamente densa, porém desprovida de estrelas.
Kelsey Johnson, astrônoma da Universidade da Virginia em Charlottesville, EUA, autora principal do artigo publicado no The Astrophysical Journal explicou:
Podemos estar testemunhando um dos mais antigos e extremos modos de formação estelar no Universo. Este objeto notável parece que foi diretamente arrancado do Universo primordial. Descobrir algo com todas as características de um aglomerado (enxame) globular, mas que ainda não começou a produzir estrelas, é como encontrar um ‘ovo de dinossauro’ prestes a eclodir.
Este objeto, que os astrônomos chamam de forma bem-humorada de “Firecracker“, está localizado a cerca de 50 milhões de anos-luz da Terra dentro de um famoso par de galáxias em colisão (NGC 4038 e NGC 4039), conhecidas coletivamente como Arp 244 [2] ou “Antennae” (“Antenas”). As forças de maré geradas pela fusão em andamento estão desencadeando a formação de estrelas em uma escala colossal e a maior parte está ocorrendo dentro de aglomerados densos.
No entanto, o que torna “Firecracker” único é a sua massa extraordinária, se compararmos com o seu pequeno tamanho e a sua aparente falta de estrelas.
Todos os outros análogos de aglomerados (enxames) globulares que os astrônomos têm observado até então já estão repletos de estrelas. O calor e a radiação destas estrelas, portanto, alterou consideravelmente o ambiente a sua volta, apagando quaisquer evidências de uma formação mais fria e silenciosa.
Com o ALMA, os astrônomos foram capazes de encontrar e estudar em detalhe um prístino exemplo de tal objeto antes de mudar para sempre as suas características únicas. Isto forneceu para os astrônomos o primeiro vislumbre das condições que podem ter levado à formação de muitos ou possivelmente de todos os aglomerados globulares.
Kelsey Johnson esclareceu:
Até agora, as nuvens com este potencial só têm sido vistas como ‘adolescentes’, depois da formação estelar já ter começado. Isto significa que o berçário estelar já havia sido perturbado. Para compreender a formação dos aglomerados globulares, devemos observar suas verdadeiras origens.
A maioria dos aglomerados globulares se formou durante uma era chamada de “baby boom” há aproximadamente 12 bilhões de anos, na época da formação das primeiras galáxias. Cada aglomerado contém até um milhão de estrelas de “segunda geração”, densamente agrupadas (estrelas de segunda geração são as estrelas com baixíssimas concentrações de metais pesados, indicando que se formaram muito cedo na história do Universo). A nossa própria Via Láctea tem pelo menos 150 aglomerados deste gênero, embora os cientistas julguem que há muitos mais.
Através do Universo, formam-se ainda hoje aglomerados estelares de vários tamanhos. É provável, embora cada vez mais raramente, que os maiores e mais densos evoluam até se tornarem aglomerados globulares.
Kelsey Johnson destacou:
A probabilidade de sobrevivência de um aglomerado estelar jovem e massivo é muito baixa, em torno de 1%. Várias forças externas e internas desmontam estes objetos, quer formando aglomerados abertos como as Plêiades ou desintegrando-os completamente para se tornar parte do halo das galáxias.
Os astrônomos sugerem, entretanto, que o objeto que observaram via ALMA, o qual contém 50 milhões de vezes a massa do Sol distribuído sob a forma de gás molecular, é suficientemente denso para ter chance de se tornar “em um dos sortudos”.
Os aglomerados globulares evoluem para fora dos seus estágios embrionários (sem estrelas) muito rapidamente, provavelmente em até um milhão de anos. Isto significa que o objeto descoberto pelo ALMA está a passar por uma fase extremamente especial de sua vida, fornecendo aos astrônomos uma oportunidade única para estudar agora um componente importante do Universo, que era bem mais frequente no Universo antigo.
Os dados do ALMA também indicam que a nuvem “Firecracker” está sob pressão extrema, aproximadamente 10.000 vezes maior que as pressões interestelares típicas. Isto suporta as teorias anteriores de que são necessárias pressões elevadas para formar aglomerados globulares.
Ao explorar as galáxias em colisão Antenas, Johnson e colegas observaram a tênue emissão originada nas moléculas de monóxido de carbono [CO], o que lhes permitiu capturar imagens e caracterizar nuvens individuais de poeira e gás. A falta de qualquer emissão térmica apreciável (o sinal revelador de gases aquecidos por estrelas vizinhas) confirma que este objeto recém-descoberto está ainda num estado prístino e inalterado.
Estudos posteriores com o ALMA poderão revelar exemplos adicionais de “proto-super-aglomerados-estelares” nas Antenas e em outras galáxias em interação, lançando pistas sobre as origens desses objetos antigos e sobre seus papéis na evolução galáctica.
Notas
[1] O estudo do aglomerados globulares é uma das diversas maneiras de se medir a idade do Universo – leia: Qual é a idade do Universo? Como calcular isso?
[2] Para saber sobre Arp 244 – as Antenas – leia: Arp244: uma dupla de galáxias em colisão na constelação do Corvo lembra as antenas de um inseto cósmico
Fonte
NRAO: ALMA Discovers Proto Super Star Cluster — a Cosmic ‘Dinosaur Egg’ About to Hatch
Artigo Científico
The Physical Conditions in a Pre Super Star Cluster Molecular Cloud in the Antennae Galaxies
._._.
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