Buraco Negro Acorda Após 26 Anos de Repouso

Representação artística de um sistema que poderia bem ser o V404 Cygni observado a partir de um hipotético planeta circumbinário. Crédito: Mark A. Garlick.

Representação artística de um sistema que poderia bem ser o V404 Cygni observado a partir de um hipotético planeta circumbinário. Crédito: Mark A. Garlick.

A uma distância 7800 anos-luz, na direcção da constelação do Cisne, o sistema binário V404 Cygni é constituído por uma estrela com metade da massa do Sol e um buraco negro com cerca de 12 massas solares. Trata-se de um tipo de sistema designado pelos astrónomos por LMXB (Low Mass X-ray Binary). Na V404 Cygni, o gás da estrela normal cai lentamente no campo gravitacional do buraco negro, formando um disco de acreção. No disco, o gás perde energia orbital e segue uma trajectória espiral até desaparecer por detrás do horizonte de eventos; ao longo desta trajectória fatídica, colisões, fricção e o intenso campo electromagnético, aquecem o gás até milhões de graus centígrados, fazendo-o emitir radiação muito energética, e.g., raios-X.

Normalmente o fluxo de gás da estrela para o disco é bastante regular. Por vezes, no entanto, e por razões ainda mal compreendidas, o fluxo torna-se mais irregular e o sistema experiencia erupções durante as quais a sua luminosidade aumenta enormemente em todos os comprimentos de onda. Estas erupções são raras, ocorrendo com uma periodicidade aproximada de 20 a 30 anos; até ao passado dia 15 de Junho conheciam-se apenas 3 erupções da V404 Cygni: em 1938 e 1956 (descobertas em imagens de arquivo) e em 1989 (a primeira observada em tempo real).

Os indícios de que algo de especial estaria para acontecer surgiram no dia 15 de Junho quando o telescópio BAT (Burst Alert Telescope) a bordo do observatório SWIFT, da NASA, detectou uma erupção repentina de raios gama. Como é habitual nestas circunstâncias, o telescópio XRT (X-Ray Telescope), também a bordo do SWIFT, iniciou de imediato observações contínuas. Pouco depois foi o instrumento MAXI (Monitor of All-sky X-ray Image), instalado no módulo japonês da ISS (International Space Station), a detectar uma erupção em raios-X provenientes da mesma região do céu. As observações permitiram rapidamente identificar a fonte como a V404 Cygni. Em poucas horas, astrónomos e observatórios em todo o mundo foram notificados do evento e iniciou-se uma campanha de observação global em vários comprimentos de onda do espectro electromagnético, desde as ondas de rádio até aos raios gama.

O observatório de raios gama INTEGRAL, da ESA, tem vindo a observar a evolução da V404 Cygni. Este gráfico mostra a luminosidade do sistema (azul) quando comparada com a luminosidade aproximadamente constante da Nebulosa do Caranguejo — o remanescente da supernova de 1054 — que é uma das fontes mais brilhantes do céu em raios gama (linha rosa). Crédito: ESA/INTEGRAL.

O observatório de raios gama INTEGRAL, da ESA, tem vindo a observar a evolução da V404 Cygni. Este gráfico mostra a luminosidade do sistema (azul) quando comparada com a luminosidade aproximadamente constante da Nebulosa do Caranguejo — o remanescente da supernova de 1054 — que é uma das fontes mais brilhantes do céu em raios gama (linha rosa). Crédito: ESA/INTEGRAL.

A imagem à esquerda mostra uma região na constelação do Cisne observada pelo INTEGRAL no dia 19 de Maio de 2015. Nela são visíveis várias fontes de raios-X, inclusive duas das mais luminosas da nossa galáxia, os sistemas binários Cygnus X-1 e Cygnus X-3. A V404 Cygni não era ainda visível. Na imagem da direita, obtida no dia 18 de Junho de 2015, no início da erupção da V404 Cygni, o sistema aparece já na imagem com uma luminosidade comparável às fontes mais luminosas referidas anteriormente. Crédito: ESA/Integral/IBIS/ISDC.

A imagem à esquerda mostra uma região na constelação do Cisne observada pelo INTEGRAL no dia 19 de Maio de 2015. Nela são visíveis várias fontes de raios-X, inclusive duas das mais luminosas da nossa galáxia, os sistemas binários Cygnus X-1 e Cygnus X-3. A V404 Cygni não era ainda visível. Na imagem da direita, obtida no dia 18 de Junho de 2015, no início da erupção da V404 Cygni, o sistema aparece já na imagem com uma luminosidade comparável às fontes mais luminosas referidas anteriormente. Crédito: ESA/Integral/IBIS/ISDC.

O frenesim provocado pelo evento na comunidade astronómica é bem evidente neste snapshot da página The Astronomer’s Telegram, utilizada pela comunidade para divulgar rapidamente observações. Das 17 entradas entre os dias 25 e 28 de Junho, 11 dizem respeito a observações de V404 Cygni em várias regiões do espectro electromagnético. Esta vigilância contínua da erupção com diferentes instrumentos está a produzir dados valiosíssimos para os astrónomos, que permitirão, eventualmente, compreender a física dos LMXBs.

Fonte: http://www.astronomerstelegram.org/.

Fonte: http://www.astronomerstelegram.org/.

Nas noites de 26, 27 e 28 de Junho, tive a oportunidade, na companhia de colegas, de fazer algumas imagens da V404 Cygni no Observatório do Parque Biológico de Gaia, um modesto registo destas erupções raras. Na figura que se segue, a primeira imagem mostra o campo de visão da V404 Cygni com a identificação das estrelas num mapa disponibilizado pela AAVSO (American Association of Variable Star Observers). Os números são o brilho das estrelas sem o ponto decimal, e.g., 111 representa magnitude 11.1. À direita pode ver-se uma imagem obtida com uma câmara de vídeo acoplada ao telescópio do Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia, com as mesmas estrelas assinaladas.

O campo de visão do sistema V404 Cygni observado com o telescópio do Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia. Equipamento: câmara WATEC 120N, Celestron 9.25 SCT, redutor de focal 0.5x, integração de 9 segundos. Crédito: AAVSO e OAPBG.

O campo de visão do sistema V404 Cygni observado com o telescópio do Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia. Equipamento: câmara WATEC 120N, Celestron 9.25 SCT, redutor de focal 0.5x, integração de 9 segundos. Crédito: AAVSO e OAPBG.

A figura que se segue mostra o sistema em 3 dias consecutivos. No dia 26, a V404 Cyg estava no seu pico de brilho, com magnitude aproximada de 11.8 na banda V, a que mais se aproxima da nossa percepção visual. No dia seguinte, tinha diminuido claramente de brilho para magnitude 13.2, como aliás foi possível verificar visualmente num telescópio dobsoniano de 35 cm de abertura no observatório. No dia 28 a tendência de queda reforçou-se, com o brilho a cair fortemente para magnitude 16.3!

A V404 Cygni observada a partir do Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia. É dramática a diminuição de brilho do sistema em apenas 48 horas. Equipamento: câmara WATEC 120N, Celestron 9.25 SCT, redutor de focal 0.5x, integração de 9 segundos. Crédito: OAPBG.

A V404 Cygni observada a partir do Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia. É dramática a diminuição de brilho do sistema em apenas 48 horas. Equipamento: câmara WATEC 120N, Celestron 9.25 SCT, redutor de focal 0.5x, integração de 9 segundos. Crédito: OAPBG.

As últimas observações reportadas por observadores da AAVSO mostram que a luminosidade da V404 Cygni continua a diminuir, atingindo já a magnitude 17.3, indicando que a erupção está, provavelmente, a terminar.

(Fonte: Phys.org)

1 comentário

  1. Este teu artigo fez-me lembrar o filme Contacto e as concepções erradas e as conspirações que promove 😉

    É que no filme, supostamente só um observatório monitoriza os sinais…
    E, ainda pior, promove conspirações de que o Governo conseguiria “esconder” os sinais vindos do céu…
    Como se os milhões de astrónomos amadores e rádio-amadores, não se pusessem logo à “escuta” 🙂

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