Os estudantes da Universidade de Rice, Benjamin Tran (ainda em licenciatura), Michael Northrop (em pós-graduação), Maxime Guilbaud (em pós-doutoramento), Zhenyu Chen e ainda Zhoudunming Tu (também ainda em licenciatura) fizeram parte da equipa de Físicos da experiência CMS (Compact Muon Solenoide) no LHC (vejam aqui como funciona o LHC) e são co-autores do paper científico que descreve as interacções inesperadas das partículas resultantes de colisões entre protões (p) e núcleos de chumbo(Pb), designadas por eventos p-Pb:
Para ajudar o leitor fique anotado que estas colisões entre tipos diferentes de partículas se designam por híbridas, o que as distingue das colisões que lograram descobrir o bosão de Higgs, que foram entre protões (pp).
Todas se chamam de colisões inelásticas pois partem literalmente os gluões que, tal como uns elásticos, seguram os quarks constituintes dos protões ( e os núcleos do chumbo são constituídos por protões e por neutrões). Este partir dos elásticos não produz som (é no vácuo) mas em contrapartida produz jactos de partículas deveras interessantes.
Quando partimos um elástico na nossa mão, alguma da energia potencial que está no elástico quando este está descansadinho na sua vida é libertada pelo som, e por vezes algum som também sai das nossas cordas vocais em expressões engraçadas quando o elástico provoca alguma dor.
No Grande Colisionador de Hadrões (LHC) quando os elásticos se partem toda a energia é aproveitada em jactos de partículas e não há dissipação por som, não se ouvem interjeições ou pragas mas é também muito interessante.
Reparem noutro detalhe delicioso, os protões têm carga eléctrica positiva, repelem-se mutuamente, mas estes elásticos, chamados gluões, obrigam os protões a reaproximarem-se, tendo muita força para isso. E é essa força que chamamos de força forte, por vezes vê-se erradamente designada por força nuclear forte. Mas correcto é a força forte, ou o campo-força forte.
Desde as colisões no LHC até ao Big Bang.
Convido-os a uma viagem de recúo no tempo, desde as recentes colisões no LHC até um passado muito longíquo, quando o Universo tinha apenas uns, poucos, muito poucos, milionésimos de segundo de tempo de existência. Mesmo no alvor do Big Bang.
É isso que um colosionador de partículas é, tal como um telescópio é uma máquina do tempo que observa o passado. Os telescópios observam os planetas, as estrelas e as galáxias como estas o foram no passado e, neste caso, um colisionador observa a matéria como esta o foi no passado.
Há 3 anos, os Físicos da Universidade de Rice e os seus colegas da experiência CMS depararam-se com um fenómeno inesperado. Ao esmagarem protões contra núcleos de chumbo quase à velocidade da luz no vácuo fizeram com que centenas de partículas emergissem dessas colisões, como que numa erupção vulcânica.
Mas isso era expectável, o que foi uma grande surpresa foi para onde é que iam estas partículas. Em vez de se espalharem uniformemente em todas as direcções, as partículas emergentes destas colisões alinhavam-se preferencialmente numa direcção específica.
(Nestas dimensões é a energia equivalente a esmagarem um mosquito contra uma parede, nota para esvaziar os recorrentes medos infundados gerados na erupção de desinformação pseudo científica na Internet)
Este estudo permite começar a caracterizar uma fase da matéria designada por “quark-gluon plasma,” ou QGP. Esta matéria é similar às familiares fases sólida, líquida e gasosa, mas é muitíssimo mais quente. O QGP ocorre quando a matéria é aquecida o suficiente para literalmente derreter os protões e os neutrões localizados no centro dos núcleos; a última ocasião em que este estado natural de coisas sucedeu foi no universo nascente, com meros milionésiomos de segundo de vida, passe a expressão, após o Big Bang.
A natureza líquida do QGP foi uma surpresa para os cientistas, que previam um comportamento mais consentâneo com a matéria na fase gasosa.
Ao aprendermos mais sobre o QGP estamos a aprender mais sobre o nascimento do Universo.
O que distingue o QGP do fogo?
O fogo é uma fase da matéria chamada plasma. Como sabemos em pressões de 1 atmosfera, como a registada ao nível do mar neste minúsculo ponto azul do Universo chamado Terra, o fogo revela uma temperatura já muito elevada. Um alto forno de Carnagie para industrializar o outrora raro e muito precioso aço atinge cerca de 5 mil graus celsius, não muito diferente da temperatura muito elevada da superfície do Sol.
Mesmo assim, nessas condições, os quarks que compõem os protões e os neutrões dos núcleos dos átomos estão ligados entre si por uma espécie de elásticos chamados gluões. No fogo, nos gases, nos líquidos e nos sólidos não se observam quarks ou gluões livres, estão sempre ligados entre si, por isso se dizem confinados.
Ora no QGP a temperatura é tão mais elevada do que num plasma que estes quarks e estes gluões se desprendem, e ficam livres, por isso dizemos, e bem , que os protões e os neutrões, os blocos compositores dos núcleos atómicos, se derretem.
Em suma, nos plasmas, nos gases, nos sólidos e nos líquidos temos confinação de quarks, no QGP não, aí temos quarks livres.
Na imagem acima observa-se um candidato a decaimento em Y de 2 muões representados pelas 2 linhas (pistas) vermelhas, a massa das linhas cor-de-laranja são pistas doutras partículas produzidas na colisão, cuja energia é medida no calorímetro electromagnético (cubóides vermelhos) e no calorímetro de hadrões (cubóides azuis).
Este QGP de quarks e de gluões livres é um meio homogéneo, dele não trespassou a luz, já que esta sopa espessa não deixa passar os fotões mediadores de todas as formas de luz (o electromagnetismo). Mas deixa passar os famosos neutrinos, que por quase não terem massa, atravessam alegremente a sopa primordial à velocidade da luz no vácuo, ou muito perto dela.
Daí a importância que os Físicos atribuem à Física dos neutrinos, pois eles são testemunhas oculares desse estado de coisas primordial do Universo, assim como são testemunhas das interacções decorridas há cerca de 100 mil anos no interior do nosso Sol, que só hoje ( há ~8 minutos) deixaram escapar da sua superfície os fotões.
Ora o QGP e as épocas que lhe sucederam na cronologia do Universo apenas libertaram a primeira luz (os primeiros fotões) cerca de 380 mil anos após o Big Bang. Demorou bastante mais até se formarem os primeiros átomos (os mais simples, os de Hidrogénio, que são os mais abundantes) e as primeiras galáxias terão surgido no segundo grande período de reatribuição de carga eléctrica ( o primeiro foi o da recombinação), ou da formação de plasmas ionizados no Universo, chamado ionização, que se terá iniciado 150 milhões de anos após o Big Bang.
Essa ionização corresponde ao período de formação das primeiras galáxias e decorreu até cerca de mil milhões de anos após o Big Bang .
Saber mais sobre neutrinos por um lado e mais sobre o QPG por outro é como ter 2 janelas para espreitarmos para o início dos tempos.
Mas, e como se descobriu que o QGP se comporta como um líquido?
Os detectores de partículas são como uma lata de cerveja. Neste tipo de colisões há uma tendência para as partículas se amassarem numa linha ao longo do eixo da lata, linha essa que é conhecida como “cume da cordilheira.”
Até agora, os físicos entendiam muito bem o que sucede quando um par de protões ou um par de núcleos de chumbo colidem, mas não muito bem o que sucede quando um protão atinge um núcleo de chumbo.
Seria que a quente matéria nuclear que surge das colisões se comportaria como nas colisões de protões em que as partículas assim geradas aterram ao longo das zonas costeiras dos detectores sem sentirem qualquer efeito das outras partículas suas congéneres?
Ou seria que essas partículas pós-colisão p-Pb se comportariam duma forma mais gregária, mais colectiva, com correlações como os contornos dum líquido?
O Professor de Física Wei Li chefiou a equipa da Universidade de Rice, e os co-autores do paper e, ao analisarem os novos dados das colisões descobriram que estes suportam fortemente que a matéria emergente destas colisões entre protões e chumbo age mais como um líquido.
Este resultado foi surpreendente porque quando o protão atinge o núcleo do chumbo, perfura um buraco através de grande parte do núcleo. Isso é o oposto do que sucede quando 2 núcleos de chumbo colidem, que será igual a esmagar 2 melancias uma contra a outra.
O Prof. Wei e os seus colaboradores examinaram este comportamento surpreendente ao verificarem 6 ou 8 partículas em simultâneo, e ao estabelecerem correlações entre as suas direcções vectoriais. Este método é incomparavelmente mais sensível para se verificar um comportamento típico dum líquido do que o método antigo, que verificava apenas duas partículas de cada vez.
O grupo de investigadores também desenvolveu um algoritmo (uma receita de cozinha é um algoritmo, com procedimentos escalados em intervalos de tempo) que se designa por um trigger (gatilho) e que regista em gravação um pequeno número de colisões importantes no detector CMS entre milhares de milhões de candidatos, permitindo aos investigadores examinarem este interessante fenómeno de modo eficiente.
Se reparem num óleo de cozinha à temperatura ambiente, antes de acenderem o fogão, este mal se espalha na frigideira, mas, quando o aquecem bastante, este espalha-se muito mais facilmente, pois tem cerca de 10 vezes menos viscosidade do que quando está frio. Como não é a primeira pessoa que se queima com óleo de cozinha, tenham razoável cuidado quando verificarem este comportamento.
Os dados utilizados nesta análise foram gravados em Março de 2013, na RUN-1 do LHC, antes do grande anel beneficiar de grandes melhorias nos seus aparelhos e equipamentos. Neste Junho do ano de 2015 o LHC retomou as operações com um aumento de 60 porcento das energias das colisões.
Em Dezembro próximo, o Prof. Wei Li e a sua equipa irão reconfigurar o LHC afim de colidirem núcleos de chumbo (Pb-Pb) entre si para verem que tipo de surpresas este aumento da energia das colisões poderá trazer.
Mais informação do paper científico aqui e aqui
Nota: em comentário extremamente interessante e pertinente para este post, o Físico Alexandre Suaide referiu-me que o RHIC – Relativistic Heavy Ion Collider já tinha apresentado em 2005 resultados de colisões entre iões pesados (núcleos de ouro) que concluíam ter-se descoberto nessa altura o “liquido perfeito” ( perto da mais baixa viscosidade permitida pelas leis da da mecânica quântica) e que nesta perspectiva o que o LHC logrou foi ter chegado à mesma conclusão por um sistema tão pequeno como o que implica a colisões de protões. Fica o agradecimento e a informação para os nossos leitores :
RHIC Scientists Serve Up ‘Perfect’ Liquid
http://www0.bnl.gov/rhic/news2/news.asp?a=303&t=pr
3 comentários
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@ Rita Pinto Leite e Gilson Silva: Obrigado. 🙂
Excelente explicação. Bem didática, muito esclarecedora………….parabéns !!!!!!!!
Waw!! até a mim que não sou cientista me deixou super entusiasmada. Sempre cuidadoso para que todos entendam e claro com o humor que é preciso para não tornar pesada a leitura. Estás a dar-lhe com força hein? Parabéns Manel
[…] Esta sopa líquida primordial terá existido durante algumas partes dum segundo e o estudo das suas propriedades físicas e porventura químicas poderá melhorar vários corpos de conhecimento, desde o modelo dos quarks (nós somos compostos por quarks), ao modelo de consenso da Cosmologia (a teoria do Big Bang) passando por sondar mistérios como o da assimetria matéria/anti-matéria e talvez confirmar/estabelecer limites das propriedades físicas da matéria-escura, cerca de 24% do que nos rodeia, que não é atómica, e que é transparente à luz. […]