Quem é brasileiro e interessado/envolvido com ciência sabe que a relação da ciência com o país sempre foi turbulenta. Não cabe aqui entrar nos motivos pelos quais é tão difícil para o país entender a importância do investimento no setor (spoiler: políticos beócios), mas em geral podemos dizer que a estrada para o progresso científico por aqui é um retrato fiel de como estão nossas estradas de verdade (ou seja, esburacadas, com acidentes frequentes e uma porção de medidas paliativas que a médio e longo prazo só pioram a situação).
Agora, um estudo divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) durante 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lança uma luz sobre qual a percepção do público em geral a respeito da ciência. Com sorte, estes resultados podem vir a ser um impulso positivo no investimento neste setor.
De acordo com a pesquisa, os brasileiros possuem elevado interesse em ciência e são bastante otimistas com relação ao tema, seus resultados e seus praticantes. Por exemplo, a ciência é vista pela maior parte das pessoas como um corpo de conhecimento que traz muito mais benefícios do que malefícios à humanidade. A imagem do cientista também é positiva: eles são vistos como pessoas inteligentes, agentes de transformação social que contribuem para o crescimento do país e o bem-estar da sociedade.
Uma das ressalvas em relação à atividade científica é quanto aos seus usos; a maior parte das pessoas expressa preocupação com os aspectos éticos e políticos relacionados à ciência. Mesmo assim, quase 80% apoia o maior investimento em Ciência e Tecnologia, uma diferença significativamente maior em relação aos EUA (que fica em torno de 40%). Também é possível verificar o aumento crescente do interesse pelas diversas ciências nos últimos 10 anos (seja em maior frequência de visitas a zoológicos e museus, ou feiras de ciência).
Quando o assunto se volta para questões com importante impacto tecnológico, também há um grande interesse: Há maior preocupação com pesticidas do que com transgênicos e grande preocupação com os efeitos das mudanças climáticas e o desmatamento da amazônia.
Apesar desses dados aparentemente positivos, há contrastes gritantes que demonstram algumas contradições (algo bastante comum entre os brasileiros em pesquisas). Por exemplo, Mais de 50% das pessoas não lê livros, não ouve programas de rádio, não lê jornais impressos, não lê revistas, nem lê na internet ou conversa com os amigos sobre o assunto. Normalmente, o meio de informação dos brasileiros quanto a informações científicas é a televisão (isso talvez explique a predileção a ideias pseudocientíficas como alienígenas do passado).
Para piorar, o nível de desinformação é grande, e um dos motivos mais apontados é a falta de acesso e de informação. Paralelamente, pelo menos metade considera que a TV e a internet noticiam de maneira satisfatória descobertas científicas e tecnológicas (para jornais impressos fica em torno de 40%). Isso pode explicar o compartilhamento indiscriminado de informações incorretas de algumas páginas de Facebook que se dizem “científicas”.
Mas não é tão surpreendente que as pessoas se contentem com as informações divulgadas na internet e na TV (boa parte das vezes de forma confusa, com informações escassas e sem nenhuma consultoria de um especialista). Na Reunião anual do SBPC também foi divulgado um estudo sobre o índice de letramento científico (ou alfabetização científica), que resume bem: os brasileiros gostam de ciência, mas não fazem ideia de como ela funciona.
A pesquisa classificou os resultados em quatro níveis: “não científico”, “rudimentar”, “básico” e “proficiente”. Destes, 48% possuem entendimento apenas rudimentar de ciência e apenas 5% apresentam um nível proficiente de conhecimento científico. O mais curioso, e que foi ressaltado na apresentação da pesquisa é que, mesmo com estes resultados negativos sobre proficiência em ciência, as pessoas não tiveram problemas em parar para responder o questionário, que tinha duração de cerca de 1 hora e meia (o que demonstra o interesse pelo assunto).
A maior conclusão que se pode tirar a respeito destes dados é que não precisamos engajar o público em relação a ciência; precisamos, sim, EDUCAR a população a respeito de como a ciência funciona. Muitos sites fazem um ótimo trabalho de divulgação científica (como o Universo Racionalista e o próprio AstroPT), mas é impossível que estes veículos, sozinhos, consigam reverter este quadro – cabe a eles serem ferramentas auxiliares. É preciso investimento pesado em educação de base, de forma a criar jovens para a pesquisa científica, desde o início, não apenas quando eles chegam na faculdade.
Falta ao país entender que a prática científica necessita de uma rede de instituições que se alimentem entre si: Escolas, Universidades, Museus, Zoológicos, Institutos de Pesquisa, redes de mídias, empresas e família (falar sobre ciência em casa, desde que os filhos são pequenos, é parte fundamental disso). Não só para divulgar a ciência, mas principalmente para difundir a maneira como o conhecimento científico é produzido. Ou seja, o que falta para o país é uma “cultura” de conhecimento e produção científica, muito mais profunda e enraizada no dia a dia e nas decisões do cotidiano do que o que vemos hoje. Mas isso só será possível quando o governo começar a entender que ciência e tecnologia não leva ao desenvolvimento do país; elas SÃO o desenvolvimento de um país.
Fonte(s):
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
6 comentários
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Quanto a este aspecto:
…”Escolas, Universidades, Museus, Zoológicos, Institutos de Pesquisa, redes de medias, empresas e família (falar sobre ciência em casa, desde que os filhos são pequenos, é parte fundamental disso).
Não só para divulgar a ciência, mas principalmente para difundir a maneira como o conhecimento científico é produzido.
Ou seja, o que falta para o país é uma “cultura” de conhecimento e produção científica, muito mais profunda e enraizada no dia a dia e nas decisões do quotidiano do que o que vemos hoje.”…
Concordo plenamente, e penso que (por exemplo) o papel dos Museus pode ser reforçado e “modernizado” com um impacto potencial bastante interessante…
Sugestões:
http://airandspace.si.edu/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_do_Ar_e_Espa%C3%A7o
https://en.wikipedia.org/wiki/National_Air_and_Space_Museum
E outros tipos de museus:
http://www.pavconhecimento.pt/visite-nos/exposicoes/
https://en.wikipedia.org/wiki/Palais_de_la_D%C3%A9couverte
https://en.wikipedia.org/wiki/Cit%C3%A9_des_Sciences_et_de_l%27Industrie
https://en.wikipedia.org/wiki/International_Decade_for_the_Promotion_of_a_Culture_of_Peace_and_Non-Violence_for_the_Children_of_the_World
https://pt.wikipedia.org/wiki/Planet%C3%A1rio_Adler
https://en.wikipedia.org/wiki/Adler_Planetarium
O que falta ao Brasil é educação formal (com qualidade) para a massa.
Se hoje há 13 milhões de analfabetos e aproximadamente 40 milhões de analfabetos funcionais, como essa massa poderia valorizar o que não sabe, não aprendeu, ou seja, não assimilou cultura científica para valorizar?
Somos uma cultura que não valoriza a ciência porque não somos educados.
Podem existir milhões de museus e estarão às moscas porque para ter a necessidade de visitá-los é preciso antes ter “iluminado o cérebro” com conhecimento à altura.
Um país que trata os seus cientistas como “estorvo”, cortando todas as verbas de incentivo à pesquisa, não tem como se vangloriar de nada. Além disso, um país que paga para seus cientistas em nível de mestrado e doutorado o equivalente a 2 salários mínimos, não pode encher a boca pra dizer que é um país que incentiva à ciência.
Eu como brasileiro de 31 anos sei bem isso.Na escola muito pouco se aprende sobre ciência. Gosto muito de assuntos sobre tudo q relaciona o universo.
e só fui ter acesso a informação quando comprei um celular com internet e conheci o site astropt, em 2011, no qual leio informação verídica sempre uso pra tirar dúvidas sobre assuntos de outros sites .Agradeço a informação diária q o astropt divulga , hoje tenho uma compreensão muito maior sobre ciência .
Um país onde o individuo se forma bacharel em física e matemática, não pode cursar uma faculdade de engenharia, pois tem que se submeter ao Enem e ao vestibular, penso que não é um país que valha alguma consideração.
Por que tais bachareis deveriam ser privilegiados? Precisam mostrar estar tão à altura da vaga quanto qualquer outro candidato, sim senhor. É justo que as oportunidades sejam iguais.
Aliás, em alguns casos são privilegiados, pois há muitos cursos de Engenharia no Brasil, de universidades importantes, inclusive, que abrem vagas nas seleções de reingresso para formados em áreas afins, sem precisar de concurso. Nunca procurou uma vaga de reingresso?