Tenho uma novidade importante para vos dizer: a Lua não é feita de queijo. O nosso satélite é oco e tem aquela cobertura de pedra e poeira só para disfarçar.
Gentes parvas do SETI, devíeis ter vergonha nessas lentes. Andastes a procurar estruturas alienígenas em estrelas distantes e tínheis uma mesmo diante do nariz de vossos telescópios: a Lua.
Sim, a nossa. A única com direito a maiúscula. A maiúscula de poetas, músicos, românticos, astronautas e lobisomens. Essa lua e todas as que conhecemos – incluindo a dos postais manhosos a contraluz – não é um satélite natural da Terra.
Essa «noite luarenta, noite a luarar, noite tão sangrenta, a noite a dar a dar» do poeta António Gancho pertence a uma gigantesca nave espacial, um OVNI estacionado às portas da Terra por uma civilização extraterrestre avançada.
É uma descoberta visionária, para não dizer lunática. Mais perturbadora do que aquela vez há muito, muito tempo numa televisão muito, muito distante, quando a Lua se soltou da coleira gravitacional da Terra no primeiro episódio de «Espaço 1999» e passou duas temporadas farejando aventuras em cada cantinho do Cosmos.
De que cor é o cavalo azul de Napoleão?
Sim, deve ser legítima essa descoberta – foi notícia no «The Mirror» e tudo. A versão online do jornal ganhou este ano no Reino Unido prémios equivalentes aos óscares do Jornalismo: um para o «melhor serviço de notícias» na rede e outro distinguindo dois elementos da equipa das áreas de Saúde e Ciência como «repórteres do ano», só para mencionar dois.
Sim, Ciência. Que terá levado um jornal tão prestigiado – relançado em 2013 como a versão «inteligente» do tabloide – a arriscar a sua recém-conquistada reputação? Este vídeo.
Um vídeo feito por um bando de putos no YouTube. Um misterioso vídeo que mostra a Lua – sim, a nossa – movendo-se de forma errática no céu. «Será que esta bizarra filmagem prova que a Lua é realmente uma nave espacial extraterrestre?» – pergunta o «The Mirror», cheio de retórica.
Já a publicação «Metro» – um tabloide menos inteligente – avança com o seguinte título: «Este vídeo PROVA que a lua é uma nave pilotada por extraterrestres». Vejam bem o estado a que chegaram as maiúsculas.
O vídeo mostra-nos uma fotocópia da lua colada na testa do céu. É um filme feito por otários, para otários, filmado num parque de estacionamento com uma câmara convenientemente estabilizada – uma circunstância normal àquelas horas, naqueles sítios.
Um dos putos aponta várias vezes para a lua andante, como se não fizéssemos ideia de qual é a cor do cavalo azul do Napoleão – o que é capaz de ser verdade, tendo em conta a quantidade de entusiastas dos OVNI a apresentar este vídeo como prova.
Luas saltitantes no céu, a doirar o meu caminho
Provavelmente ofendida com a visão de tantos dedos indicativos indecisos quanto à sua verdadeira posição no céu, esta lua despeitada pisga-se dali para fora. É o grande clímax. E o fim da Terra como a conhecemos, caso tivesse sido verdade.
Reparem nas reações dos tipos à abrupta partida do nosso satélite: estão mesmo com ar de quem finge observar uma lua a mexer-se. Teria sido preferível vislumbrar a Scarlett Johansson, que ela já bem merece um lugar no céu. E tenho aqui uma foto que não me deixa mentir.
A realidade, a lógica e o bom senso nunca impediram os crentes em OVNI de os apanhar em todo o lado – e obviamente viram nesta brincadeira dos miúdos russos a prova de que a Lua é uma nave espacial pilotada por extraterrestres.
Tal como fizeram muitas publicações anteriormente, o «The Mirror» cita no artigo Scott C. Waring, autor de um dos grandes blogues da tretatologia cósmica, o UFO Sightings Daily: «O objeto muda de brilho e move-se demasiado depressa para ser a lua», reafirma ele.
Uma pessoa com um temperamento mais acalorado podia agarrar Scott pelos colarinhos e gritar-lhe «Ó meu grande idiota, move-se demasiado depressa para ser a Lua porque não é a Lua, é mais uma criatura dos irmãos Lumière!»
Não valeria a pena. Scott C. Waring é um lunático que passa a vida a vasculhar fotos da NASA à procura de provas de vida extraterrestre nas sombras de Marte. Retirem-lhe a caça aos gambozinos e ele transformar-se-á num.
O homem já lá descobriu um urso, uma iguana, um roedor parecido com um rato, uma estátua de Buda, outra dos Maias, rostos reptilíneos esculpidos nas rochas, túmulos antigos, naves despenhadas, cadáveres extraterrestres, vários fósseis, muitas ferramentas pré-históricas e até mesmo uma mulher – Scott só tem algumas dificuldades em identificar o próprio Marte.
Aquilo não é nenhuma lua, é uma estação espacial
Não foram os atuais entusiastas dos OVNI a lançar a ideia de que a Lua é uma nova espacial disfarçada com uma cobertura de rocha e poeira, mas dois cientistas russos. Mais de 45 anos depois, o assunto continua a dar manchetes manhosas.
O nome oficial é Teoria de Vasin-Shcherbakov, os apelidos dos dois membros da então Academia Soviética de Ciências que a propuseram, Michael Vasin e Alexander Shcherbakov. Em julho de 1970, publicaram um ensaio intitulado «Is the Moon the Creation of Alien Intelligence?»
Não o fizeram numa publicação científica, mas na «Sputnik – uma «Seleções do Reader’s Digest» em versão russa.
Vasin e Alexander Shcherbakov estavam admirados por no passado se ter colocado a hipótese de os canais em Marte serem criação de engenheiros marcianos, mas nunca se ter olhado com os mesmos olhos para as peculiaridades da paisagem lunar.
Tal como Obi Wan Kenobi observando a Estrela da Morte e corrigindo Han Solo no filme «A Guerra das Estrelas», os dois cientistas concluíram que aquilo não era nenhuma lua.
«O mais provável é termos aqui uma nave espacial muito antiga, com o interior a ser preenchido com combustível para os motores, materiais e ferramentas de reparação, navegação, instrumentos e equipamento de observação, e todo o tipo de maquinaria.»
«Por outras palavras», escreveram, «tudo o que é necessário para permitir a esta ‘caravela do Universo’ servir como uma Arca de Noé da inteligência, talvez até como lar para toda uma civilização que visionou uma prolongada existência e longas viagens pelo Espaço».
Antes de Vasin e Alexander Shcherbakov, já outro cientista russo especulara em 1959 que as luas de Marte podiam ser satélites artificiais construídos por seres extraterrestres inteligentes. E muito antes de qualquer um deles, em 1901, o genial H.G. Wells publicara um romance chamado «The First Men in the Moon». Os intrépidos cosmonautas de Wells tinham descoberto que a Lua era oca e habitada por uma bizarra espécie alienígena.
Que aconteceu a Vasin e Alexander Shcherbakov, afinal? Enrolaram charros com folhas do livro de Wells? Talvez, mas também tinham outras razões.
Intrigavam-se com a mesma profundidade das crateras, independentemente da tremenda variação em diâmetro, desconhecendo que aquelas foram preenchidas com lava há milhões de anos. Não tinham a aparelhagem sismológica que ajudou a provar que o nosso satélite possui, como a Terra, uma crosta, um manto e um núcleo. E não tiveram em conta que determinar a influência gravitacional de um objeto chega para inferir-lhe a densidade.
45 anos depois, os entusiastas da lua oca ainda pensam ter descoberto a pólvora, acrescentando fábulas a uma hipótese já de si excessivamente fabulosa.
Por exemplo, muitos sítios da balhelhalogia lunar afirmam que Vasin e Shcherbakov escreveram na sua publicação original que os astronautas das missões Apollo tinham trazido da lua materiais como urânio, bronze e um elemento radioativo que não existe na natureza, o neptúnio. Basta consultar o artigo para ver que é uma treta ao nível da lua dançarina do vídeo russo.
Não satisfeitos em tirar ao astronauta a superfície lunar onde caminhou, os conspiranóicos querem agora levar-nos a própria Lua, sob o olhar complacente de uma imprensa acrítica e ávida de cliques. Que diria Alberto Caeiro se soubesse que um dia um bando de malucos haveria de conspirar para lhe roubar o luar?
Pobre guardador de rebanhos: «O luar quando bate na relva/Não sei que cousa me lembra…/Lembra-me a voz da criada velha/Contando-me contos de fadas./E de como Nossa Senhora vestida de mendiga/Andava à noite nas estradas/Socorrendo as crianças maltratadas…/Se eu já não posso crer que isso é verdade, para que bate o luar na relva?»
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[…] Ele auto-intitula-se de ufólogo. Vê UFOs em todo o lado. Aliás, ele afirma que a Lua é uma enorme nave extraterrestre. […]