O acaso é tramado. Por vezes, objectos espectaculares e de grande interesse astrofísico são praticamente invisíveis devido à posição da Terra no plano da Via Láctea. Veja-se a imagem seguinte que mostra as maternidades estelares IC1805 e IC1848, o “Coração” e a “Alma”, como são conhecidas, na constelação da Cassiopeia, junto ao bordo com as constelações de Perseu e da Girafa. Este par é um dos alvos favoritos dos astrofotógrafos como o pode demonstrar uma procura simples no “Google Images”. No entanto, poucos reparam nas duas pequenas manchas diminutas que ficam também registadas nas fotografias.
A cor avermelhada e a luz débil destas fontes sugere que são objectos cuja luz visível é fortemente absorvida pela poeira interestelar existente nessa direcção. De facto, a Terra está localizada no plano da Via Láctea, uma região onde são abundantes grandes nuvens de hidrogénio molecular e de poeira, que constituem matéria prima para a formação de novas gerações de estrelas. Estas nuvens absorvem fortemente a luz visível emitida por objectos que se encontram por detrás delas vistas a partir da Terra. Apenas a luz vermelha tem mais capacidade de penetração e daí o aspecto avermelhado destes objectos quando vistos através delas. A imagem seguinte mostra (rectângulo vermelho) a região correspondente à foto anterior. É vem visível a presença de filamentos de poeira negros nessa região.
Para observar estes objectos obscurecidos os astrónomos servem-se de telescópios de infravermelhos pois esta radiação consegue atravessar a poeira interestelar quase sem oposição. A imagem seguinte, obtida com o telescópio espacial WISE, da NASA, mostra a mesma região em infravermelhos. Os detalhes em IC1805 e IC1848 são espectaculares, com grandes cavidades escavadas por estrelas jovens muito quentes (regiões avermelhadas) e a poeira nas imagens anteriores visível agora sob a forma de filamentos verdes complexos. Mas reparem de novo para o fundo da imagem. No lugar das manchas débeis da primeira fotografia observamos agora duas galáxias luminosas, uma elíptica, à direita, e uma espiral barrada, à esquerda. Apresento-vos as galáxias de Maffei.
Maffei 1 e 2, como são conhecidas, foram descobertas por acaso pelo astrónomo italiano Paolo Maffei, em 1967, durante observações desta região do céu no infravermelho. A densidade de poeiras nesta região é tão grande que 99% da luz visível das galáxias é absorvida. Numa localização mais favorável, longe do plano galáctico, as galáxias de Maffei seriam um par tão conhecido como Messier 81 e 82 na Ursa Maior. De facto, as melhores estimativas actuais, ainda com erros apreciáveis, colocam as duas galáxias a sensivelmente a mesma distância do par na Ursa Maior, talvez um tudo nada mais distantes.
Maffei 1 é uma galáxia elíptica de grande porte, a mais próxima do género ao nosso Grupo Local de galáxias. É constituída por estrelas velhas e pouco quentes. A sua luminosidade é semelhante à da Via Láctea. Maffei 2, por seu lado, é uma bela espiral barrada, também a mais próxima do Grupo Local. É mais luminosa no infravermelho do que Maffei 1 devido à intensa formação estelar que ocorre nos seus braços espirais e região nuclear.
Ambas as galáxias pertencem a um grupo que inclui a grande espiral IC342, situada ali perto, do outro lado da fronteira com a constelação da Girafa (Camelopardalis). Tal como o Grupo Local, o Grupo de IC342/Maffei, como é designado, pertence ao Super-Enxame da Virgem, cujo centro se localiza a cerca de 50 milhões de anos-luz na direcção da constelação homónima.
Últimos comentários