Apesar dos enormes avanços da neurociência nas últimas décadas, a “fronteira final” deste campo científico parece ainda ser como a consciência se desenvolve – e funciona – em humanos (e possivelmente em outros animais). Diversas ideias têm sido propostas (existe até uma área da Filosofia só para isso), mas este ainda parece um mistério longe de ser solucionado. Ou talvez esteja mais perto do que imaginamos.
Entre os grandes problemas da consciência (que muitas vezes são divididos entre os “problemas fáceis” e “problemas difíceis” da consciência – sendo que os “fáceis” de fáceis não têm nada) está a subjetividade. Diferente de um computador, que é capaz de processar dados e exibí-los para o mundo externo mas não para “si mesmo”, o ser humano é capaz de sentir, crer e rever momentos passados em sua própria mente, o que suscita velhas questões filosóficas do tipo: A dor que eu sinto é a mesma que o outro sente? O vermelho que eu vejo é o mesmo vermelho que outro vê?
Embora a subjetividade seja um problema extremamente capcioso para a ciência (pela dificuldade de análise objetiva), a linha que divide a consciência (o estado de “ciência”) e a inconsciência é um pouco mais fácil de analisar – e pode ajudar a entender o primeiro problema. De acordo com um novo estudo divulgado na Science sobre como drogas anestésicas afetam o cérebro, pesquisadores sugerem que nossa experiência da realidade é o produto de um delicado equilíbrio de conectividade entre neurônios – um pouco mais ou um pouco menos e a consciência se esvai.
Estudos anteriores do cérebro revelaram a importância da “integração cortical” em manter a consciência, o que significa que o cérebro deve processar e combinar múltiplos inputs de diferentes sentidos de uma vez só. Nossa experiência de laranja, por exemplo, é feita de visão, cheiro, gosto, toque e a recordação de experiência passadas com a fruta. O cérebro mescla todos esses inputs – de fótons, moléculas aromáticas, etc – em uma única experiência subjetiva do objeto no momento.
“Há um novo significado criado pela interação entre as coisas”, diz Enzo Tagliazucchi, físico do Institute for Medical Psychology em Kiel, na Alemanha. A consciência atribui significado aos padrões de fótons que alcançam a retina, diferenciando você de uma câmera digital. Embora o cérebro ainda receba estes dados quando perdemos a consciência, nenhum sentido coerente de realidade é reunido neste caso.
Para conseguir encontrar uma assinatura de consciência no cérebro, Tagliazucchi e seus colegas usaram uma droga chamada propofol— um anestésico usado em cirurgia – para induzir perda de consciência em participantes enquanto posicionados dentro de um aparelho de ressonância magnética, que rastreia o fluxo do sangue no cérebro e pode ser usado como uma representação em tempo real da atividade elétrica quando neurônios são disparados. Assim, a equipe gravou dados de 12 participantes em estados acordados, de sedação em andamento, inconsciência e recuperação da consciência para avaliar a diferença.
Os resultados foram publicados no Journal of the Royal Society Interface e mostram que a atividade cerebral varia largamente entre estados conscientes e inconscientes. A diferença pode ser devido a como o cérebro “explora o espaço de suas próprias configurações possíveis”, segundo Tagliazucchi.
Durante a consciência acordada, o cérebro dos participantes gerava uma “agitação de atividade sempre em mudança” e a ressonância magnética mostrou a multiplicidade de redes sobrepostas ativadas conforme o cérebro integrava os arredores e gerava um “fluxo de consciência” momento a momento. Depois que o propofol fez efeito, as redes neurais reduziram conectividade e teve muito menos variabilidade com o passar do tempo. O cérebro pareceu ficar preso numa rotina – usando os mesmos caminhos toda vez.
Estes resultados sugerem que, no cérebro, há um nível ótimo de conectividade entre neurônios que cria o máximo número de caminhos possíveis. Se cada neurônio for pensado como o nó de uma rede, a consciência pode ser o resultado da exploração dessa rede o mais plenamente possível. Mas as redes mais diversas – aquelas com maior número de arranjos – não possuem necessariamente a quantidade máxima de conectividade neuronal. É tudo uma questão de “otimização” dos circuitos.
No entanto, se cada neurônio no cérebro estivesse diretamente conectado com cada outro neurônio, o cérebro ficaria homogêneo demais, e um sinal seria indistinguível do próximo, segundo explica Tagliazucchi. “Todos eles disparam ou todos eles ficam em silêncio.” Ao invés disso, a consciência pode emergir desse cuidado equilíbrio que faz com que o cérebro “explore” o máximo número de caminhos únicos para gerar significado, ele diz. Os pesquisadores chamaram este equilíbrio de “ponto crítico”.
Como o fluxo de eletricidade nos nossos cérebros não possui nenhuma força senciente com vontade ou intenção, isso faz com que o cérebro se movimente entre estados de consciência e inconsciência – e a partir de um ponto crítico – permanece um mistério. “Se você está num ponto crítico, o cérebro é realmente caótico. Se você estiver longe disso, é monótono demais ou estável”.
Essa estabilidade pode explicar o que faz com que seja difícil acordar pessoas de um coma. Por isso Tagliazucchi tem esperança que, ao entender onde residem os pontos críticos (que geram a consciência) e como eles se mantém, podemos eventualmente tirar pacientes do coma, “persuadindo” o cérebro a explorar suas conexões da maneira correta.
2 comentários
Boa noite amigos do Astro-pt Rafael Rodrigues,
Interessante tema e excelente artigo, contudo e no meu entender a metodologia para o conhecimento mais preciso do funcionamento do cérebro e da mente terá de considerar sempre e também que a própria consciência se conduz a si própria no indivíduo mesmo sujeito a algumas drogas leves. Neste contexto não será propriamente um “caos cuidadosamente equilibrado”, mas antes um painel de comandos seguros da sua eficiência perante o cérebro e o corpo. O estado de sono, a anestesia local ou total, e o estado de coma, são estados bem diferenciados que requerem também estudo diferenciado, e em qualquer dos casos aqui a consciência própria “pouco” actuará.
Nesta área sim, a neurociência tem muito a descobrir e a ensinar-nos. Sem exagerar na comparação do cérebro e mente humana com a tecnologia informática, onde aqui o software todo ele é inserido por input; é efectivamente o comandante de todo o hardware e o próprio software de níveis inferiores. Sabemos também que o software são máquinas bem mais complexas e extensas que o hardware, e no entanto “cabem” gravados em pequenos chips, pens etc. No cérebro humano, sendo constituído de material muito diferente é lógico admitir uma complexidade muito maior e ainda pouco conhecida, mas insisto na ideia de uma interdependência quando em ambiente próprio, da consciência com o cérebro, sendo que esta também é interdependente do exterior ambiente.
Posso admitir até algum erro neste comentário por insuficiência de conhecimentos na área, no entanto os sete últimos parágrafos do artigo descrevem algo que já o sabia e bem fácil de entender sem que tivesse alguma vez feito ou lido algo sobre experiências semelhantes. A actividade cerebral acelera na razão directa da vigília da consciência, no seu ponto máximo na alegria e entusiasmo, e na inversa reduz sobre os efeitos sedativos de drogas ou outros efeitos agressivos ambientes geradores de depressão e apatia.
Abraços.
Uma das melhores matérias que li sobre o funcionamento do cérebro nos últimos anos. Muito bom.