Nesta altura do ano, no início da noite e junto ao horizonte Nordeste, aparece a constelação da Lira, uma das mais fáceis de reconhecer no firmamento boreal. Durante a noite, o asterismo sobe em altitude até posicionar-se quase no zénite, já de madrugada.
A mitologia grega diz-nos que a Lira foi feita por Apolo — deus da luz, da música e das artes — a partir de uma carapaça de tartaruga e oferecida a Orfeu, seu filho numa das versões da história. A música que dela emanava era tão bela que encantava seres vivos e objectos inanimados. Quando Orfeu morreu, Zeus enviou uma águia para recuperar a sua Lira e colocou ambas no céu.
A estrela mais brilhante de Lira chama-se Vega, uma palavra com origem no termo árabe wāqi‘, que significa “caindo” ou “aterrando”. Este termo foi retirado da frase descritiva an-nasr al-wāqi‘ — “a águia caindo/aterrando”, numa referência à águia enviada por Zeus. A conexão da Lira com a carapaça de uma tartaruga subsiste, por exemplo, no nome da estrela γ (gama) da constelação, Sulafat, do árabe al-sulḥafāt “tartaruga”.
Imaginar-se-ia que a quinta estrela mais brilhante do céu, e a terceira a ter calculada a sua distância de apenas 25 anos-luz, não teria mistérios para os astrónomos. No entanto, o Universo é fértil em surpresas. Com base na sua temperatura e no facto de estar na sequência principal, i.e., a realizar a fusão de hidrogénio em hélio no seu núcleo, Vega deveria ser 40 vezes mais brilhante do que o Sol. As medições realizadas, no entanto, mostravam que a estrela aparentava ser 60 vezes mais brilhante do que o astro-rei. Esta discrepância entre as observações e a teoria fez os astrónomos questionarem-se sobre a sua compreensão da física estelar.
Em 2006, uma equipa de astrónomos utilizou o interferómetro CHARA (Center for High Angular Resolution Astronomy) para obter imagens do disco de Vega. Situado no Observatório de Monte Wilson, próximo de Los Angeles, o interferómetro CHARA combina imagens de 6 telescópios com 1 metro de abertura cada, colocados numa grelha em forma de Y. Nesta configuração os telescópios mais afastados distam 330 metros e a resolução obtida combinando as imagens dos 6 instrumentos é de 200 microsegundos de arco — o tamanho de uma moeda a 1600 km de distância!
As observações revelaram que o bordo do disco da estrela é muito menos brilhante do que o centro do disco, o que sugere que Vega não é uma esfera perfeita e que a nossa linha de visão está alinhada com um dos seus pólos. Os astrónomos determinaram também que Vega roda em torno de si própria em apenas 12.5 horas na região do equador, uma velocidade de rotação que corresponde a 92% do limite máximo, a partir do qual a estrela se desmembraria devido à força centrífuga.
A rotação rápida provoca o achatamento da estrela, transformando-a num elipsóide, de tal forma que os seus diâmetros equatorial e polar são, respectivamente, 2.8 e 2.3 vezes maiores do que o diâmetro solar. Por outras palavras, Vega é 20% maior no equador do que nos pólos. Como termo de comparação, o Sol demora 25 dias a fazer uma rotação completa na sua região equatorial e quase 34 dias na região polar. Esta rotação é tão lenta que o Sol é uma esfera quase perfeita.
A forma elipsoidal de Vega implica que os seus pólos estejam mais próximos do centro e que portanto sejam mais quentes do que a região equatorial — 9900 vs. 7600 graus Celsius. Como a nossa linha de visão está alinhada com um dos pólos, Vega parece mais brilhante do que deveria. Efectuada a correcção para este efeito, os astrónomos concluíram que a estrela tem uma luminosidade total 37 vezes superior à do Sol, um valor consistente com as previsões teóricas.
Últimos comentários