Na noite de 18 de Agosto de 1600, o cartógrafo holandês Willem Blaeu, ex-pupilo de Tycho Brahe, descobriu uma “estrela nova” de magnitude 3 na constelação do Cisne, junto a Sadr, a estrela que marca o peito da ave. Blaue assinalou a posição da sua nova num dos vários globos celestes que produziu com a legenda “Nova Stella anni 1600”. Mas a estrela, baptizada de P Cygni pelo astrónomo Johannes Bayer, nome que permanece até aos nossos dias, não era uma nova normal. Manteve-se na magnitude 3 durante 6 anos após o que o seu brilho começou a diminuir, deixando de ser visível a olho nu em 1626. Depois de duas outras erupções menores em 1655 e 1665 a estrela entrou num estado quiescente, com magnitude 5, a partir de 1715, exibindo apenas pequenas flutuações de brilho. O que Blaeu não podia adivinhar na altura é que a sua estrela nova era na realidade uma das estrelas mais luminosas da Via Láctea a lutar desesperadamente pela sobrevivência.
Uma estrela vive sempre no fio da navalha. Por um lado, o peso do gás ionizado (plasma) que a constitui tenta constantemente esmagá-la, pois as estrelas não são corpos rígidos. Por outro lado, a radiação libertada pelas reacções de fusão no seu âmago, em que átomos mais complexos são sintetizados a partir de outros mais simples, exerce uma pressão no plasma, forçando a sua expansão. O delicado equilíbrio entre estas duas forças antagónicas — designado por equilíbrio hidrostático — tem de ser mantido ao longo da vida da estrela. Algumas estrelas, no entanto, são tão maciças e tão luminosas que a pressão da radiação está próxima do valor máximo teórico a partir do qual a estrela se dispersaria completamente para o espaço. Este valor é designado por “Limite de Eddington”. P Cygni é uma destas estrelas.
P Cygni é uma hipergigante azul; os astrónomos descrevem sinteticamente as suas características com a notação B1Ia+, em que “B1” se refere à temperatura da fotosfera da estrela (cerca de 19000 Kelvin) e “Ia+” à sua classe de luminosidade (uma supergigante extremamente luminosa). Tem uma massa estimada de 30 vezes a solar, um raio de 75 vezes o solar e uma luminosidade total de 800 mil vezes a do nosso Sol! A estrela pertence a uma pequena elite designada de “Variáveis Azuis Luminosas” (Luminous Blue Variables ou LBV, em inglês) cujos membros têm luminosidades centenas de milhar ou até mesmo alguns milhões de vezes a solar. São estrelas raríssimas, não só porque as estrelas muito maciças são pouco comuns mas também por que as LBV correspondem a uma fase evolucionária das estrelas mais maciças que é relativamente breve. Estima-se que existam apenas 200 na Via Láctea.
Com base em observações detalhadas e modelos teóricos da evolução de estrelas maciças, os astrónomos deduziram que P Cygni teria inicialmente cerca de 50 massas solares. Estrelas com massas tão elevadas são tão luminosas que perdem as camadas exteriores para o espaço interestelar a um ritmo alucinante, através de um vento estelar poderoso. No seu estado actual, a estrela perde cerca de 1 centésimo milionésimo de massa solar por ano. Parece pouco mas isso corresponde a 10 massas solares por milhão de anos e durante as relativamente curtas erupções a perda de massa ocorre a um ritmo ainda mais intenso.
P Cygni está rodeada de uma nebulosa constituída pelas suas camadas exteriores, expelidas ao longo de centenas de milhares de anos, formadas essencialmente por hidrogénio e hélio mas enriquecidas já com nitrogénio, proveniente do seu interior. De facto, existem fragmentos de nebulosidade que sugerem que a estrela teve, para além da erupção de 1600, episódios semelhantes há 900, 2000 e 20000 anos. Quem sabe se a próxima erupção estará para breve?
(Referências: Lamers & de Groot)
1 comentário
Muito bom.