Utilizando métodos directos, e.g., paralaxe, os astrónomos conseguem medir, com precisão aceitável, a distância das estrelas até algumas centenas de anos-luz . Esta situação irá mudar radicalmente nos próximos anos com os resultados da missão Gaia da ESA. Este telescópio espacial astrométrico vai permitir determinar as distâncias de 20 milhões de estrelas com um erro de apenas 1%; para 200 milhões de estrelas adicionais, o erro vai ser inferior a 10%. Nada mau, mas isso é mesmo aqui ao lado, são estrelas dentro da Via Láctea. Se temos tanta dificuldade em calcular a distância de estrelas numa vizinhança de algumas centenas ou milhares de anos-luz, como é que os astrónomos conseguem medir a distância de galáxias que se encontram a milhões ou milhares de milhões de anos-luz?
Uma ideia consiste em identificar nessas galáxias objectos cuja luminosidade real é conhecida, designados por “velas padrão”. Comparando a luminosidade real destes objectos (conhecida) com a luminosidade aparente (observada) os astrónomos podem calcular facilmente a distância a que tem de estar a galáxia hospedeira para que o objecto se apresente tão débil.
As mais famosas velas padrão são as estrelas Cefeidas, assim chamadas porque o primeiro exemplo identificado foi a estrela δ (delta) da constelação do Cefeu. São estrelas supergigantes amarelas que variam de brilho com uma periodicidade entre os 2 e os 60 dias. A variação de brilho, sabe-se hoje, deve-se a alterações na opacidade do plasma no interior das estrelas que as fazem expandir e contrair, alternadamente, um pouco como um êmbolo. Como são estrelas supergigantes, são muito luminosas e visíveis a grandes distâncias, nomeadamente noutras galáxias.
No início do século XX, Henrietta Swan Leavitt, uma colaboradora do astrónomo norte-americano Edward Pickering, descobriu vários exemplos destas estrelas em imagens da Pequena Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea situada a 190 mil anos-luz. Estudando esta amostra Leavitt observou algo curioso: as estrelas com períodos mais curtos eram mais débeis, as com períodos mais longos eram mais brilhantes. Quando representou graficamente o brilho versus o período verificou que existia uma relação simples entre os dois. O efeito não podia ser devido à distância pois todas elas pertenciam à Pequena Nuvem de Magalhães. A causa teria de ser intrínseca às próprias estrelas. Leavitt tinha descoberto uma forma de calcular o brilho intrínseco das estrelas Cefeidas, transformando-as em “velas padrão”.
Anos depois, Edwin Hubble utilizou o Telescópio Hooker de 2.5 metros, do Observatório de Monte Wilson, para identificar Cefeidas na Galáxia de Andrómeda, cuja distância era desconhecida até então. De facto, não se sabia sequer se estas nebulosas eram galáxias como a Via Láctea ou objectos dentro dela. Hubble determinou o período destas estrelas e, usando a relação descoberta por Leavitt, a sua luminosidade real, permitindo-lhe calcular a distância à galáxia em 900 mil anos-luz, estabelecendo definitivamente que se situava fora da Via Láctea. Anos mais tarde, um estudo mais cuidadoso das Cefeidas permitiu concluir que existem dois tipos diferentes, com luminosidades distintas. A estimativa inicial de Hubble teve de ser revista em alta pois no seu cálculo tinha misturado observações dos dois tipos. A distância à Galáxia de Andrómeda calculada recentemente com base neste método é de 2.5 milhões de anos-luz, em excelente concordância com a distância obtida por outros métodos.
Mas, para poderem utilizar estas velas padrão de forma generalizada, os astrónomos tiveram de resolver um problema delicado. Acontece que o brilho de uma Cefeida não depende apenas do seu período mas também da sua metalicidade, i.e., da quantidade de elementos mais pesados do que o hidrogénio e hélio contida no seu plasma. Por exemplo, dadas duas Cefeidas com o mesmo período mas metalicidades diferentes, é intrinsecamente mais brilhante a que tem mais metais. O problema é que as Cefeidas encontradas em diferentes galáxias têm metalicidades que podem ser muito diferentes e isso tem um impacto grande no cálculo da sua luminosidade intrínseca e portanto da distância. Para estabelecer o efeito da quantidade de metais na relação período-luminosidade era necessário observar Cefeidas com diferentes metalicidades e períodos numa mesma galáxia (para a distância ser a mesma, tal como na calibração feita por Leavitt).
Os astrónomos acharam uma tal “Pedra Roseta” cósmica – a galáxia Messier 106 (NGC 4258). A sua distância de 23.7 milhões anos-luz foi determinada com grande precisão através da observação da paralaxe de nuvens de gás no núcleo da galáxia relativamente a quasares distantes usando uma colecção de radiotelescópios espalhados pelo mundo. Conhecida a distância, os astrónomos observaram então um conjunto de Cefeidas com diferentes períodos e metalicidades na M106 e calibraram a relação período-luminosidade. Estabelecida esta relação, ela serviu depois de referência para Cefeidas noutras galáxias.
A importância deste método não pode ser subestimada. Com a ajuda de grandes telescópios e, em especial, do Telescópio Espacial Hubble, os astrónomos conseguem desta forma medir a distância de galáxias até cerca de 100 milhões de anos-luz. Para lá deste limite o brilho aparente das Cefeidas é demasiado débil mesmo para o Hubble; a capacidade do telescópio de resolver estrelas individuais em galáxias tão distantes é também limitada.
Os astrónomos precisam portanto de outro tipo de vela padrão, de grande luminosidade intrínseca para ser visível a grandes distâncias, para determinar a distância de galáxias a centenas ou milhares de milhões de anos-luz. Neste caso são usadas supernovas de tipo Ia, cujo máximo de brilho é praticamente constante — magnitude absoluta de -19.3 ou 5 mil milhões de vezes a luminosidade do Sol. Os astrónomos sabem isto porque calibraram também o brilho das supernovas de tipo Ia, observando exemplos em galáxias cujas distâncias podiam ser determinadas independentemente com estrelas Cefeidas.
Depois de calibrado o brilho das supernovas de tipo Ia, os astrónomos usam esse conhecimento para determinar a distância de galáxias mais distantes, até milhares de milhões de anos-luz. Se ocorrer uma supernova de tipo Ia numa tal galáxia, basta determinar o seu brilho aparente quando atinge o pico; o seu brilho real é conhecido da calibração. A distância à galáxia hospedeira pode ser calculada de imediato. Desta forma, os astrónomos têm uma “régua” que lhes permite medir com uma precisão razoável distâncias cosmológicas e testar modelos que descrevem a expansão do Universo. Foi assim que, no final do século XX, foi descoberta a “energia negra”, um ingrediente misterioso que contribui com cerca de 70% de toda a energia do Universo. Mas essa é outra história…
1 comentário
muito bom!