Os vales profundos de Vid Flumina, junto à costa meridional de Ligeia Mare, num mosaico em cores falsas construído com imagens de radar obtidas pela sonda Cassini.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASI.
Em 2012, imagens de radar obtidas pela Cassini revelaram a presença de uma bacia de drenagem com mais de 400 quilómetros de comprimento no extremo sul de Ligeia Mare, um dos três grandes mares de Titã. Na altura, os cientistas deduziram que esta vasta rede de drenagem, agora conhecida por Vid Flumina, teria sido esculpida por hidrocarbonetos líquidos. Contudo, mantinha-se a dúvida se o vale principal e os seus oito tributários permaneciam ainda inundados ou se teriam há muito secado.
A resposta surge agora, graças a um novo trabalho publicado na revista Geophysical Research Letters. Usando observações de radar realizadas pela sonda Cassini em maio de 2013, os autores identificaram, pela primeira vez, evidências diretas de que os vales de Vid Flumina são, na verdade, canhões/desfiladeiros/canyons estreitos preenchidos com hidrocarbonetos líquidos. Os canhões/desfiladeiros/canyons têm menos de 1 quilómetro de diâmetro e são delimitados por paredes com cerca de 40º de inclinação e com um máximo de 572 metros de altitude.
O radar de abertura sintética da Cassini é frequentemente usado como uma câmara capaz de penetrar através da densa atmosfera de Titã e revelar os contornos da superfície da lua de Saturno. No entanto, durante esta passagem, a equipa da missão utilizou o radar como um altímetro, medindo a altitude de diferentes formações na região do polo norte de Titã. A análise destes novos dados, em combinação com imagens de radar obtidas em passagens anteriores, permitiu aos investigadores não só medir a profundidade e inclinação das encostas dos vales de Vid Flumina, como também detetar a presença de áreas com elevada reflexão especular – uma característica típica de superfícies extremamente lisas como as dos mares e lagos de hidrocarbonetos de Titã. Na sua maioria, estas áreas encontravam-se à mesma altitude que a superfície de Ligeia Mare. No entanto, os investigadores identificaram também pequenos tributários com superfícies líquidas a altitudes superiores.
Tais vales com vertentes tão íngremes e profundas poderão ter resultado de uma variedade de processos geológicos, incluindo a elevação dos terrenos em redor e mudanças no nível de Mare Ligeia. “É provável que uma combinação destas forças tenha contribuído para a formação dos profundos canhões”, disse Valerio Poggiali, investigador da Universidade de Roma, em Itália, e primeiro autor deste trabalho. “Contudo, neste momento, ainda não é claro até que ponto cada uma esteve envolvida. O que é claro é que, qualquer descrição da evolução da geologia de Titã, terá de ser capaz de explicar como se formaram estes canhões.”
Podemos encontrar exemplos destes processos na Terra, ao longo do rio Colorado, nos Estados Unidos. No norte do estado do Arizona, a elevação da crusta terrestre fez com que, durante milhões de anos, o rio rasgasse na paisagem o Grand Canyon, um vale profundo com vertentes inclinadas que serpenteia ao longo 446 km. A montante, na fronteira entre o Arizona e o estado do Utah, a diminuição do nível da água no lago Powell (uma albufeira criada após a construção da barragem de Glen Canyon) intensificou os níveis de erosão nas encostas que ladeiam o rio. “A Terra é [um planeta] quente e rochoso, com rios de água, enquanto que Titã é frio e glacial, com rios de metano”, afirmou Alex Hayes, investigador da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e coautor deste trabalho. “Porém é notável que consigamos encontrar formações tão semelhantes em ambos os mundos.”
No futuro, os investigadores irão aplicar o método usado neste estudo a outras bacias de drenagem detetadas pela Cassini na superfície de Titã, de forma a poderem continuar a sua busca por uma melhor compreensão dos processos que moldaram a paisagem deste pequeno mundo na órbita de Saturno.
Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.
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