A concha, símbolo do poder democrático juvenil na ilha deserta do livro O Senhor das Moscas de William Golding, Nobel da literatura, também contém um poder secreto.
De acordo com um artigo publicado no Jornal Internacional de Engenharia de Inovação de Materiais (International Journal of Materials Engineering Innovation), os investigadores da Universidade de Cambridge usaram o exemplo da concha como uma ilustração da resistência através da arquitectura na sua busca por novos materiais sintéticos para aplicações na engenharia, na construção e na indústria aeroespacial.
David Williamson e Bill Proud examinaram a forma como estes organismos constroem estas conchas tão duras a partir duma substância aparentemente tão frágil.
Descobriram que a chave para a força de concha se encontra no diminuto tamanho dos cristais de carbonato de cálcio a partir da quais esta é formada pelo caracol do mar.
Os cristais estão abaixo de um tamanho limite conhecido como tamanho da falha Griffith, acima do qual, e desde logo, os cristais teriam tamanho suficiente para que surgissem e se propagassem fendas quando submetidos a stress. Isso molda carapaças duras o suficiente para lidar, até certa medida, com as mandíbulas de esmagamento das tartarugas predadoras e com o aperto letal das tenazes dos caranguejos. Numa comparação pelo mesmo peso as conchas são tão resistentes como o aço de baixa liga.
No início do século XX, os engenheiros estavam preocupados com a falha prematura dos materiais utilizados nos transportes marítimos e ferroviários. Conceitos como ampliação de stress e propagação de pequenas rachas que crescem para formar grandes fissuras estavam então a começar a ser entendidos. O engenheiro civil Charles Edward Inglis concebeu uma equação matemática para ajudar a explicar o processo. E, em 1920, Alan Arnold Griffith baseou-se no trabalho de Inglis para explicar pela primeira vez a causa pela qual os materiais do mundo real não se revelam tão fortes como os cálculos teóricos sugeriam: a presença de pequenas falhas aumenta a tensão aplicada de uma maneira concordante com a análise de Inglis, e esta conduz a falhas prematuras.
“Griffith salientou que a força efectiva dos materiais técnicos pode ser aumentada muitas dezenas de vezes, se essas falhas pudessem ser eliminadas”, explicam-nos Williamson e Pride. Pouco se sabia na altura sobre biomateriais ou como as suas propriedades poderiam um dia ser copiadas para criar materiais biomiméticos com uma resistência muito maior do que a dos seus congéneres industriais. O trabalho de Griffith tem sido agora usado para melhorar a nossa compreensão das conchas e doutros biomateriais para permitir que os cientistas produzam novos materiais compósitos biomiméticos. A investigação nesta área tem tido um crescimento quase exponencial na última década, quase que duplicando bi-anualmente.
A equipa explica que no material de concha arquetípica, a concha rainha (originalmente conhecida por Strombus gigas, hoje Eustrombus gigas) usa uma estrutura em camadas cruzadas, ou lamelares. Na escala de comprimento menor a concha é feita a partir de pequenos cristais de carbonato de cálcio na chamada forma polimórfica de aragonite ortorrômbica. Cada cristal único tem uns meros 60 a 130 nanómetros de espessura e cerca de 100 a 380 nanómetros de diâmetro, embora possam ter vários micrómetros de comprimento. Um nanómetro é um bilionésimo de um metro (Milésimo de Milionésimo no Brasil); um micrómetro é mil vezes maior, um milionésimo de um metro . Estas dimensões, a equipa de Cambridge explica, estão abaixo do tamanho da falha crítica descrito por Griffith há quase um século.
Para se fazer um material biomimético, os investigadores podem adoptar primeiro o tamanho do cristal pequeno para os seus compósitos, bem como a estrutura em camadas cruzadas da concha. No entanto, para serem verdadeiramente biomiméticos, esses materiais também terão que incorporar outra característica fundamental da matéria viva: a capacidade de auto-curar. Atacado por uma tartaruga com fome a casca de uma concha rainha pode ser suficientemente forte para deter o predador, mas sofrerá algum tipo de dano, que os tecidos vivos resolvem porque podem realizar reparações.
Os cientistas dos Materiais descobriram que certos polímeros podem ser tratados com temperturas elevadas afim de adquirirem a propriedade de auto-cura, e o prosseguimento da investigação poderá permitir que os compósitos cristalinos que imitam a concha exibam esta mesma propriedade.
A equipa conclui que é importante ver estes biomateriais como fonte de inspiração, em vez de protótipos para serem replicados ao mais infímo detalhe. Afinal, se a natureza tivesse acesso a um material moderno e de alta tecnologia como as cerâmicas de boreto de titânio extremamente resistentes utilizadas em equipamentos de fundição de alumínio e em maquinaria de descarga eléctrica, teriam as conchas a mesma aparência que observamos?
Talvez não, mas não deixam de ser belíssimas manifestações (artísticas?) da natureza. 🙂
Poderão mesmo ser fonte de inspiração para trabalhos escolares neste novo ano lectivo que começa.
Boas aulas para todos!
Fonte da história:
O post acima é reproduzido a partir de materiais fornecidos pela Inderscience.
Jornal de referência:
David Williamson e Bill Pride. A concha como um modelo para os compósitos mais resistentes. Int. J. Mater. Eng. Innovat, 2011, 2, 149-164
Citação:
MLA – APA, Chicago
Inderscience. “Estudo da Concha fornece idéias nano em materiais compósitos.” ScienceDaily. ScienceDaily, 25 de Março de 2011.
1 comentário
Excelente!
A natureza sempre a ensinar-nos 😉