Electrões exibem a sua natureza quântica perto do zero absoluto.

Uma corrente de túnel (ilustrada pela barra transparente) flui entre uma ponta ultrafina e a amostra, fornecendo informações sobre as propriedades da amostra. A estas baixas temperaturas, a corrente de tunelamento revela todas as suas propriedades quânticas. Crédito: Max Planck Institute para a pesquisa do estado sólido.

Uma corrente de túnel (ilustrada pela barra transparente) flui entre uma ponta ultrafina e a amostra, fornecendo informações sobre as propriedades da amostra. A estas baixas temperaturas, a corrente de tunelamento revela todas as suas propriedades quânticas. Crédito: Max Planck Institute para a pesquisa do estado sólido.

O que aconteceria se uma corrente eléctrica não fluísse continuamente, mas, em vez disso, se comportasse como um sistema de rega gota-a-gota? Esta foi a questão sondada pela equipa de investigação que trabalha com Christian Ast no Instituto Max Planck para Pesquisa de Estado Sólido.

A investigação envolveu o arrefecimento do seu microscópio de corrente eléctrica de tunelamento (uma corrente eléctrica constante) de varrimento (scanning) abaixo de quinze milésimos de grau acima do zero absoluto.

Nessas temperaturas extremamente baixas, os electrões revelam a sua natureza quântica. A corrente eléctrica é, portanto, um meio granular, constituído por partículas individuais.

Os electrões gotejam através de um condutor como grãos de areia numa ampulheta, um fenómeno que pode ser explicado com o auxílio da Teoria QED, ou electrodinâmica quântica.

A água que flui de uma torneira sente-se como um meio homogéneo – e é impossível distinguir as moléculas de água individuais. Passa-se exactamente a mesma coisa com a corrente eléctrica.

Assim, muitos electrões fluem num cabo convencional, em tão gigantesco número que a corrente parece ser homogénea. Embora não seja possível distinguir os electrões individuais, a mecânica quântica diz que eles deveriam existir. Então, como se comportam? Em que condições a corrente não flui como água através de uma torneira, mas antes escorre como a areia numa ampulheta?

Ampulheta. Imagem cedida por Blog to Watch.

Ampulheta. Imagem cedida por Blog to Watch.

A analogia da ampulheta é muito apropriada para um microscópio de corrente de tunelamento, onde uma ponta fina e muito aguçada varre a superfície duma amostra sem realmente a tocar.

Uma pequena corrente flui, no entanto, aproveitando uma pequena probabilidade dos electrões “tunelarem” da extremidade pontiaguda para a amostra. Esta corrente de túnel é uma função exponencial da separação, e a razão pela qual a ponta aguçada está localizada a apenas alguns Ångström (um décimo de milionésimo de milímetro de metro) acima da amostra.

A probabilidade da tunelagem quântica ocorrer aumenta com a diminuição da distância à razão de 10 vezes por cada décimo de nanómetro, ou de 10 por Ångström.

Aplicar variações mínimas na corrente de túnel permite aos investigadores resolver átomos individuais e estruturas atómicas em superfícies e investigar a sua estrutura electrónica. Os microscópios de corrente de tunelamento são, portanto, alguns dos detectores mais versáteis e sensíveis de toda a física do estado sólido.

Mesmo sob estas condições extremas – uma pequena corrente de menos de um bilionésimo da corrente que flui através de uma lâmpada de 100 watts – ainda fluem milhares de milhões de electrões por segundo. Isso é demais para se conseguir discernir os electrões individuais.

A temperatura estava abaixo de cerca de quinze milésimos de grau acima do zero absoluto (ou seja, a menos 273.135° C ou a 15 mK) antes que os cientistas percebessem que a corrente eléctrica é afinal um fluxo de pacotes composto por electrões individuais.

Nestas temperaturas muito baixas aparecem no espectro estruturas muito finas, que os investigadores não esperavam.

Estrutura fina do Ouro no microscópio através do varrimento por tunelagem quântica.

Estrutura fina do Ouro no microscópio através do varrimento por tunelagem quântica.

“Poderíamos explicar essas novas estruturas apenas assumindo que a corrente de túnel é um meio granular que deixou de ser homogéneo”, explicou Ast, que lidera o grupo que trabalha com este microscópio que recorre ao mecanismo do tunelamento quântico. Esta é, portanto, a primeira vez que a plena natureza quântica do transporte electrónico se revelou no microscópio de tunelamento.

A carga eléctrica deve, portanto, ser também quantificada caso se pretenda explicar esse fenómeno de mecânica quântica na sua totalidade. “A teoria de base foi desenvolvida no início dos anos 90. Agora que as questões conceptuais e práticas relacionadas com a sua aplicação no varrimento (ou scanning) pelos microscópios de tunelamento foram resolvidos, é bom ver como a teoria e a experimentação se encaixam consistentemente, ” conclui Joachim Ankerhold, da Universidade de Ulm, que contribuiu com a base teórica.

Além de uma teoria detalhada, as experiências deste tipo requerem um ambiente de laboratório adaptado que reduza em grande medida as perturbações externas .

Desde finais de 2012, está operacional um novo laboratório de precisão no campus do Instituto Max Planck em Estugarda; este fornece um ambiente de laboratório quase livre de distúrbios para experiências altamente sensíveis, como as observações com o microscópio de tunelamento de varrimento mK.

O instrumento está localizado no laboratório de precisão numa caixa equipada com blindagem acústica e electromagnética colocada numa base de cimento armado desacoplada de vibrações. “Queremos usá-lo para nos aventurarmos por territórios novos e desconhecidos – o que até fizemos com muito sucesso com esta experiência,” declarou Klaus Kern, director do Instituto Max Planck para Pesquisa em Estado Sólido.

Os electrões já demonstraram a sua natureza quântica. Como são transportados através de pontos quânticos o fluxo de corrente foi especificamente bloqueado para que os electrões apareçam individualmente. No entanto, este efeito tornou-se evidente no microscópio de tunelamento de varrimento tão simplesmente através do arrefecimento a temperaturas extremamente baixas.

“O efeito de túnel atingiu aqui definitivamente o limite quântico”, diz o membro da equipa Berthold Jäck. Apesar de tudo, os investigadores não querem encarar isso como uma limitação. “Nessas temperaturas extremamente baixas acedemos a uma riqueza inesperada de detalhes que nos permitem entender muito melhor tanto a supercondutividade como as interacções luz-matéria,” professou Christian Ast.

Mantendo um olhar atento sobre tudo: Christian Ast verifica as conexões do microscópio de tunelamento de varrimento (parte superior). Os investigadores do Departamento de Ciência à Nanoescala realizam as suas experiências neste instrumento com temperaturas inferiores a quinze milésimos de grau acima do zero absoluto.

Mantendo um olhar atento sobre tudo: Christian Ast verifica as conexões do microscópio de tunelamento de varrimento (parte superior).
Os investigadores do Departamento de Ciência à Nanoescala realizam as suas experiências neste instrumento com temperaturas inferiores a quinze milésimos de grau acima do zero absoluto.

Mais informações: Christian R. Ast et al. Detectando o limite quântico na espectroscopia de tunelamento por varrimento, Nature Communications (2016). DOI: 10.1038 / ncomms13009

Referência da publicação: Nature Communications

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