Representação artística de uma forma de vida baseada em compostos organossilícicos.
Crédito: Lei Chen e Yan Liang (BeautyOfScience.com) para a Caltech.
Cientistas induziram uma enzima bacteriana a incorporar átomos de silício na estrutura molecular de uma variedade de compostos orgânicos. Este trabalho foi divulgado no passado mês de novembro, num artigo publicado na revista Science, e demonstra, pela primeira vez, a intrigante possiblidade de sistemas vivos poderem produzir compostos bioativos com ligações carbono-silício – algo que, até agora, tinha sido apenas possível com o uso de catalisadores sintéticos.
O silício é um dos elementos mais abundantes da crusta terrestre, contudo, até agora, nenhum organismo vivo adquiriu a capacidade de sintetizar moléculas com ligações carbono-silício. Conhecidos genericamente por compostos organossilícicos, estas moléculas podem ser encontradas numa variedade de produtos sintéticos, incluindo produtos químicos para uso na agricultura, semicondutores, tintas, medicamentos e componentes de computadores e outros eletrodomésticos. A sua produção é complexa, uma vez que depende de múltiplas reações químicas seriadas, por vezes com o uso de metais preciosos para alcançar o rendimento desejado.
Este novo trabalho dá a conhecer uma alternativa biológica para a produção destes compostos de uma forma mais ecológica e potencialmente mais barata. “Decidimos pôr a natureza a fazer aquilo que apenas os químicos podiam fazer – só que melhor”, explicou Frances Arnold, investigadora do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, e um dos coautores do trabalho.
Este estudo é também o primeiro a demonstrar como a natureza se pode adaptar para incorporar silício em moléculas orgânicas. O carbono e o silício são elementos quimicamente muito semelhantes. Ambos podem formar ligações com 4 átomos diferentes em simultâneo, o que os torna ideais para a construção de longas cadeias moleculares como as que encontramos nos organismos vivos. Esta semelhança fascinou cientistas e autores de obras de fição científica, levando-os a imaginar mundos distantes com formas de vida baseadas no silício. “Apesar do silício ser tão abundante à nossa volta, em rochas e nas praias, não se conhecem organismos vivos capazes de criarem ligações entre o silício e o carbono”, disse Jennifer Kan, bolseira de pós-doutoramento da Caltech e primeira autora deste trabalho.
Neste trabalho, os investigadores recorreram a um método denominado evolução direta. Desenvolvido por Arnold nos anos 90, este método permite a criação de novas enzimas por seleção artificial. O processo inicia-se com a seleção da enzima que se pretende melhorar e é seguido pela produção de mutações no gene que a codifica, de forma mais ou menos aleatória. As enzimas assim criadas são depois testadas para verificar se possuem as características desejadas. No final, a enzima com melhor desempenho é submetida a novas mutações, com o objetivo de apurar o seu rendimento.
A evolução direta tem sido usada ao longo dos últimos anos para produzir enzimas para produtos domésticos, como por exemplo, detergentes, ou para criar cadeias de síntese mais sustentáveis do ponto de vista ecológico no fabrico de produtos farmacêuticos, compostos agrícolas e combustíveis. Neste estudo, o objetivo não passava somente por melhor a função biológica de uma proteína. A ambição era na verdade outra: os investigadores queriam persuadir a enzima a fazer algo que nunca tinha feito antes. O primeiro passo foi encontrar um candidato à altura da tarefa – uma enzima com potencial para criar ligações carbono-silício. “É como criar um cavalo de corrida”, disse Arnold. “Um bom criador reconhece a capacidade inata de um cavalo para se tornar um corredor e tem de apurar essa característica ao longo de sucessivas gerações. Fazemos o mesmo com proteínas.”
O candidato ideal acabou por ser o citocromo c da Rhodothermus marinus, uma bactéria Gram-negativa termo-halofila, proveniente de fontes hidrotermais submarinas localizadas ao largo da Islândia. Composta por uma cadeia polipeptídica associada a um grupo prostético heme (uma estrutura tetrapirrólica com um átomo de Fe(II) no centro), esta proteína encontra-se envolvida em cadeias de transferência de eletrões entre diferentes proteínas. No entanto, os investigadores descobriram que, em condições fisiológicas, o citocromo c pode agir também como uma enzima capaz de sintetizar em baixa escala ligações carbono-silício. Com esta informação nas mãos, a equipa liderada por Arnold produziu uma série de mutações em regiões específicas do gene que codifica a cadeia polipeptídica do citocromo c. Estas regiões são fundamentais para a ligação e estabilização do grupo heme no seio da proteína, pelo que afetam diretamente o desempenho catalítico da enzima.
Em pouco tempo, a equipa de Arnold conseguiu isolar um mutante capaz de sintetizar ligações carbono-silício com uma eficiência 15 vezes superior à dos melhores catalisadores sintéticos. Além disso, a enzima mostrou ser altamente seletiva, pelo que produz apenas uma quantidade ínfima de compostos secundários que têm de ser separados quimicamente. “Este catalisador geneticamente codificado é não tóxico, mais barato e fácil de modificar, em comparação com outros catalisadores usados na síntese química”, afirmou Kan. “Esta nova reação pode também ser realizada à temperatura ambiente e na água.” Os métodos industriais atualmente utilizados recorrem com frequência ao uso de solventes tóxicos e necessitam de reações químicas adicionais para eliminar subprodutos indesejados, o que torna todo o processo muito mais caro.
Quanto à questão de saber se a vida poderá evoluir ao ponto de integrar o silício na estrutura das biomoléculas, Arnold diz que esta é uma decisão da natureza. “Este estudo mostra quão rapidamente a natureza se adapta a novos desafios. A maquinaria catalítica codificada pelo ADN da célula pode aprender rapidamente a promover novas reações químicas, quando providenciamos novos reagentes e um incentivo apropriado na forma de seleção artificial. A natureza poderia ter feito isto sozinha se quisesse.”
Podem encontrar mais detalhes sobre este trabalho aqui.
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