A equipa da experiência LIGO (Laser Interferometer Gravitational Observatory) analisou os dados recolhidos durante as temporadas de observação realizadas até à data com o intuito de identificar a emissão de ondas gravitacionais provenientes de pulsares. Embora não tenham sido detectadas ondas gravitacionais para nenhum dos 200 pulsares estudados, os resultados indicam que o LIGO poderá detectar algumas dezenas destes objectos num futuro próximo e para alguns deles, incluindo os do Caranguejo e da Vela, a sensibilidade é já suficiente para impor limites ao tamanho máximo de “montanhas” nas suas superfícies.
Uma estrela de neutrões é o núcleo colapsado e incrivelmente denso de uma estrela maciça que explodiu numa supernova. Um exemplar típico tem 20–30 km de diâmetro, pouco mais de uma massa solar e um período de rotação de alguns décimos de segundo. O seu campo magnético, uma relíquia do campo magnético da estrela que explodiu, é extraordinariamente intenso pois, tal como o resto do núcleo, foi comprimido numa fracção de segundo durante o colapso. Numa estrela de neutrões normal a intensidade desse campo é 10 milhões de milhões de vezes superior ao da Terra, o mesmo que faz mover as bússolas e que é, possivelmente, usado pelas baleias para se orientarem nas suas viagens trans-oceânicas.
Um pulsar é uma estrela de neutrões com uma particularidade. O campo magnético da estrela acelera partículas na sua vizinhança até velocidades relativísticas (próximas da da luz) e força-as a emitir radiação. Nos pólos magnéticos da estrela formam-se feixes de radiação intensa que, se estiverem alinhados com a Terra, aparecem e desaparecem com a mesma periodicidade da rotação — daí o nome “pulsar”, contracção do inglês pulsating star. A radiação pode ser emitida em várias zonas do espectro electromagnético, desde as ondas rádio até aos raios gama.
A energia emitida pelos pulsares tem origem no seu campo magnético intenso — radiação electromagnética — e no seu campo gravitacional – ondas gravitacionais. Mas, para um pulsar emitir radiação gravitacional, a distribuição de massa na estrela tem de ser assimétrica relativamente ao eixo de rotação. Em termos simples, teria de ter imperfeições na superfície como “montanhas” que constituam desvios de uma forma esférica ou elipsoidal simples.
Os astrónomos conseguem calcular a quantidade total de energia libertada pelo pulsar de forma precisa medindo o ritmo a que o seu período de rotação se dilata, um efeito chamado de spin down. Trata-se de uma fracção ínfima de segundo por ano mas mensurável usando, por exemplo, um radiotelescópio. Essa energia total é dissipada sob a forma de radiação electromagnética e ondas gravitacionais, mas os cientistas não sabem qual a proporção das duas. Em vez disso, calculam aquilo a que chamam spin down limit — a amplitude das ondas gravitacionais que seriam produzidas se toda a energia rotacional perdida pelo pulsar fosse nelas convertida.
Agora vem a parte gira. Se o LIGO conseguir detectar ondas gravitacionais com a mesma amplitude do spin down limit de um pulsar, então os cientistas podem tirar conclusões sobre a proporção de energia do pulsar emitida sob a forma de ondas gravitacionais. Por exemplo, se a proporção fosse de 100%, o LIGO detectaria ondas gravitacionais do pulsar. A não detecção é igualmente valiosa. Permite aos cientistas estabelecer que a energia emitida sob a forma de ondas gravitacionais está abaixo de uma dada percentagem da energia total. Para isso acontecer, o pulsar não pode ter desvios apreciáveis da simetria elipsoidal, não pode ter “montanhas” muito grandes na superfície.
Para 8 pulsares o LIGO tem já sensibilidade para detectar ondas no spin down limit. Entre estes estão os pulsares do Caranguejo (no centro da Nebulosa do Caranguejo, o remanescente da Grande Supernova de 1054) e o pulsar da Vela (um pulsar mais velho no centro de um remanescente na constelação homónima). A ausência de detecção nos dois casos implica que menos de 1% e 10%, respectivamente, da energia libertada no spin-down é emitida sob a forma de ondas gravitacionais (estes valores foram refinados para 0.2% e 1% num estudo publicado há poucos dias). Isto implica que no pulsar do Caranguejo não poderá haver “montanhas” com mais de 1 metro de altura. Para o pulsar Vela, o limite é de 10 metros. Para outros pulsares deste grupo os limites permitiram deduzir que a superfície não tem “montanhas” maiores do que 1 mm! Estes resultados são importantes pois permitem inferir directamente propriedades físicas dos pulsares e assim melhor compreender a física destes objectos extremos.
A recente melhoria de sensibilidade do LIGO e a entrada em funcionamento de um observatório semelhante, o VIRGO, na Europa, permitirá, espera-se, melhorar estes limites e, quiçá, detectar ondas gravitacionais provenientes de alguns pulsares.
Referências:
The LIGO Scientific Collaboration, the Virgo Collaboration, First search for gravitational waves from known pulsars with Advanced LIGO.
LIGO: How high are pulsar “mountains”?
3 comentários
Olá Professor Luiz Lopes,
Tenho umas questões sobre o comportamento dos feixes de laser no interior das cavidades (sob alto vácuo), nos braços dos observatórios. Entendo que as questões só podem ser respondidas, é claro, caso o professor tenha as informações. De qualquer forma, antecipadamente agradeço sua atenção.
O comportamento do laser é o comportamento previsto pelo conhecimento atual em vigor?
Isto é, está ou não havendo alguma dificuldade em manter os feixes alinhados, rigorosamente, com o alinhamento longitudinal central das cavidades em cada braço? Sei que não é visível, pois é no infravermelho próximo.
Está sendo necessário ajustar os espelhos e a fonte do laser frequentemente (varias vezes ao dia)?
Qual o período máximo em que o observatório ficou em modo de observação, sem a necessidade de ajustar os espelhos?
No caso afirmativo, para a ocorrência das dificuldades previstas (melhor: questionada), a que eles atribuem a origem de tais dificuldades?
Obs.: Essas questões já foram encaminhadas, via formulário no site deles, e eles ainda não responderam. Acredito que devem estar em uma longa fila, juntamente com outras questões.
Melhores cumprimentos.
Gostaria de saber como uma estrutura fixa como LIGO é capaz de selecionar e observar apenas uma pequena área do céu?
Entendo que dada a detecção de um evento é possível encontrar sua origem pois existem dois observatórios afastados e o tempo de detecção entre um e outro apontaria a origem do evento, mas não consigo imaginar como é possível selecionar a priori um alvo tão pequeno como um pulsar específico.
Olá Daniel,
A sua pergunta tem razão de ser. Com os dois observatórios do LIGO não é possível determinar com exactidão o ponto de origem das ondas. Neste caso, o LIGO não esteve sozinho e teve a ajuda de dois outros observatórios de ondas gravitacionais, o VIRGO, na Itália, e o GEO600 na Alemanha.
Luís